Neste tempo da Quaresma, num espaço de 40 dias entre a 4.ª Feira de Cinzas e o Domingo de Páscoa, este ano a celebrar-se a 12 de Abril, existia um curioso costume que o rodar dos tempos e a inevitável evolução da vida fez, ao que constatamos, desaparecer da nossa cidade e de muitas outras terras com as quais mantemos contactos.
Referimo-nos ao «Contrato das Endoenças», que era uma curiosa tradição etnográfica vivida com especial argúcia nos nossos tempos de juventude, ou seja nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado.
Em que consistia este «Contrato das Endoenças» que envolvia o compromisso de pagamento de um cartuxo de «amêndoas confeitas» como então se dizia?
No início da quarentena quaresmal os rapazes e raparigas faziam um acordo, firmado e confirmado pelo estreitar dos dedos mínimos, os «mendinhos», da mão direita e dando uma volta dizendo: «Contrato, contrato, contrato faremos, Sábado de Aleluia, desmancharemos» ou opcionalmente «conversaremos».
Durante este período sempre que um dos, chamemos-lhes outorgantes, avista-va o outro, o que motivava esperas escondidas nas mais diversificadas criações, dizia ou, melhor, gritava a plenos pulmões: «Ajoelha-te!». E é que o seu parceiro ajoelhava mesmo, estivesse onde estivesse.
Esta praxe acontecia até ao Sábado da Semana Santa, quando, madrugada ainda, os envolvidos no «Contrato das Endoenças», não raro com a colaboração estratégica de familiares e ou amigos, procurava apanhar o seu parceiro e gritar-lhe, a plenos pulmões: «Ajoelha-te e ofereça». Era a alegria, o sentido da vitória e, claro, o contratado «cartuxo de amêndoas».
Lembranças de tempos idos, que o tempo fez apagar!
João Leal