Da cidade para o interior algarvio: Eles largaram tudo e foram para o campo!

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Largaram a vida confortável que tinham e, como o casal Douglas da série de TV dos anos 60, foram… viver no campo! Esta semana, o JA foi à procura das motivações, desilusões e alegrias dos que abandonaram a vida nas cidades ou no litoral atafulhado de gente, carros, poluição e stress. Escolheram o campo. Muitos, de curso tirado, emprego fino e vida encaminhada na cidade grande, sujam agora as mãos, mas descrevem alegrias inauditas. Há centenas assim por todo o Algarve, que isto da migração também se faz em sentido inverso. Vimos à lupa oito casos.

Rui Jerónimo, 45 anos

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De Faro ao Zambujal, da banca ao porco preto

Aos 38 de idade, depois de 14 anos de trabalho na banca, Rui Jerónimo declarou-se cansado de métodos e pessoas e decidiu sair. Não se chegou a zangar com a cidade de Faro – onde de resto ainda vivem a mulher e os três filhos e onde passa um ou dois dias por semana – mas com o que chama “forma de agir” das instituições bancárias.

De conselheiro financeiro passou a produtor de suinicultura. Dos fins-de-semana no campo e trabalho na cidade, passou à velocidade de um fósforo para o trabalho no campo e fins-de-semana na cidade.
O porco preto, de raça alentejana, passou a ser o objeto da sua paixão. E é vê-lo, durante dois anos, de lápis numa mão e calculadora na outra, a desenhar estábulos, projetar manjedouras, contabilizar futuros lucros e perdas.

Em 2014 cria os primeiros 20 animais. Engorda-os. Abate-os e desmancha-os com ajuda de familiares. Separa as partes, faz presuntos, chouriços, morcelas, farinheiras, separa uma parte para a venda em fresco. Vende sobretudo a restaurantes, como ainda hoje faz.

“Feito no Zambujal” (o nome da terra que escolheu para viver) é hoje a marca de sucesso do porco preto do Nordeste algarvio. Este ano contabilizará 180 animais, 20 toneladas de produção e 70 a 80 mil euros de volume de negócios.
Diz que só se arrepende de não ter optado mais cedo pela vida no campo. Afinal foi com isto que sempre sonhou. E continua a sonhar, com muitos planos que não revela, projetos de futuro. O segredo como alma do negócio.

Carolina Coimbra, 33 anos, e Ricardo Romero, 33 anos

Dos amargores de Lisboa ao mel do “último monte”

Carolina confessa que às vezes tem saudades do trabalho na cidade grande, do dinheiro que ganhava. Mas depois pensa no filho que já nasceu no campo, na qualidade de vida que ela, o Ricardo e o petiz têm nas Furnazinhas, o último monte de Castro Marim antes do território de Alcoutim, e tudo se desvanece.
O casal deu o salto há dois anos. De Lisboa, onde ela era consultora informática e ele geria os negócios imobiliários da família, para o monte de meia centena de habitantes onde vivem desde então.

Aproveitaram o “limbo” da licença de maternidade e da transição de emprego dela. E sobretudo pensaram no futuro da criança ainda no ventre, que hoje transita, feliz, entre a felicidade do monte e a cresce, a 10 quilómetros de distância.

A partida foi a Via Algarviana, que descobriram durante uma estada em Parizes, na serra do Caldeirão. Não havia serviços para o novo roteiro. Com a segurança dos negócios de Ricardo, que continuam até hoje em Lisboa, procuraram casa no interior algarvio e acabaram em Odeleite, aldeia mais à mão.
De Odeleite às Furnazinhas foram levados por um workshop de que lhes falou o “patriarca” João Ministro, da empresa Proactivetur, uma espécie de cicerone local e “fixador” de gentes, sobretudo ao longo da Via Algarviana.

E foi no monte que conheceram João Henriques, então com 73 anos, que procurava um casal jovem que tomasse conta da casa da família, já então acolhedora de gentes à procura de cama e mesa naquelas paragens. Foi “amor à primeira vista”. O casal mudou-se de armas e bagagens mais para norte, onde durante ano e meio aprendeu a gerir a casa de hóspedes.

Desde o início deste ano que Carolina e Ricardo gerem a casa sozinhos. Com a ajuda da habitante local Olívia, de 79 anos, fazem a lide da casa e acolhem os hóspedes dos cinco quartos de que dispõe a habitação. De quando em vez, Dona Olívia põe em marcha os saberes dos ancestrais e cozinha o seu cozido de grão, o ensopado de galinha, para a janta dos clientes.


Com preços que vão dos 40 (single) aos 70 euros (casal), a casa recebe sobre tudo caminhantes da Via Algarviana, uma estrada com 10 anos de vida que atravessa o Algarve de ponta a ponta e que se vai compondo de gentes e serviços para essas gentes.

Na maioria, os forasteiros chegam do estrangeiro. Os que aguentam o peso levam um pote de mel. Mas a maioria degusta o mel na casa onde descansa, leva-o no estômago. Afinal, as mochilas já são pesadas demais para quem caminha dezenas de quilómetros por dia. E não há doçura que compense uma dor de costas.

David Fernandes, 33 anos

Do marketing e design à latoaria tradicional

Um jarro, uma almotolia, infusa, baldes, regadores, chuveiros, candeias, candeeiros a petróleo, lanternas. Das mãos mágicas de David Fernandes vão nascendo objetos de uso diário para os de antigamente, mas que os de hoje não descuram e levam para casa. Não são obsoletas. David vende em feiras, onde manufatura os seus latões à vista de quem passa.

Foi um longo percurso até chegar aqui: o jovem venezuelano foi para a Madeira, ali fez todo o percurso escolar até ao 12º ano e daí saltou para Coimbra, onde se licenciou em design e multimédia, lutou contra a praxe e trabalhou “em várias coisas” como freelancer.

De umas férias algarvias sem luz elétrica, canalização ou comunicações, nasceria a paixão pelos lugares campestres do sul português, que lhe fizeram lembrar a primeira infância na ilha da Madeira (antes de se mudar para o Funchal) e as tradições de pais e avós.


Foi na zona de Messines que descansou da civilização. Ali regressaria mais tarde quando um amigo viu o cartaz que anunciava um workshop em latoaria tradicional.
Curso feito, já com um filho nos braços, David e a companheira (também ela artesã, da zona das lãs, tingimentos, fiações e cardações), percorre-riam depois o Algarve, à procura de um lugar para se estabelecerem.

Em meados de 2015 optam por Alferce, Monchique, onde David monta a sua casa e a sua oficina, a partir da qual desde então faz raides sobre as feiras de artesanato e exposições. Sempre acompanhado do seu estaminé ambulante, as ferramentas, os materiais em bruto, que vai moldando à vista de quem ciranda pelos lugares.

Foi um longo percurso, da Coimbra do marketing ao Monchique da manufatura. Mas David assevera que o interesse pelo trabalho manual sempre lá esteve, depois disso só houve aperfeiçoamento.

As mãos ensinam-se, David dixit. Com ajudas como o alinhamento da mente, as emoções e o espírito. Dessa amálgama, como do latão em bruto, tem que sair qualquer coisa.
Chamam-lhe arte e ela não é só escultura, pintura, música. Pelas mãos do aprendiz já quase feito mestre invade territórios insuspeitos. Até o infindável recinto da latoaria tradicional portuguesa.

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