De garras afiadas contra a fome

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O aumento do desemprego e da precariedade social fez com que o Algarve seja neste momento a região do País em que o auxílio alimentar mais cresceu devido à pandemia, de acordo com várias fontes consultadas esta semana pelo JA, que calculam entre 50% e 100% esse crescimento no período mais negro do confinamento. Mas há casos, como Lagos, em que o volume do auxílio emergencial mais do que triplicou. O JA falou com instituições e presidentes de alguns dos municípios que diariamente lutam contra a fome na região

No retrato feito esta semana pelo JA da situação alimentar na região, os números são avassaladores: por exemplo, o Banco Alimentar contra a Fome – a instituição que mais gente apoia, embora de forma indireta, na região – calcula que desde o início de abril o número de pessoas apoiadas em todo o distrito passou de 16 mil para 24 mil.


“Os números foram crescentes durante abril e maio e um pouco em junho. Julho e agosto tem estado com alguma estabilidade mas sempre com tendência de subida. A nossa expetativa é que a partir de meados de setembro volte a subir em força, devido ao fim da época alta e à extinção de muitos lay-offs”, disse ao JA o coordenador do Banco Alimentar na região, Nuno Alves.


O mesmo responsável contabiliza o aumento da distribuição alimentar em 46% nos meses de maio e junho, face aos meses homólogos do ano de 2019. “Neste momento pode ser já superior, pois estamos a distribuir o dobro dos produtos secos nesta época [leite, massas, arroz, óleo, farinha, bolachas, etc]. Nos frescos estamos a distribuir 20 a 40 toneladas de alimentos por semana”, enfatiza.


Segundo o mesmo responsável, nos últimos dois a três anos eram distribuídos anualmente no Algarve 2,3 milhões de quilos de alimentos, no valor de 2,4 a 2,5 milhões de euros.

Carlos Oliveira, presidente da Cáritas Diocesana do Algarve


Já a Cáritas Diocesana do Algarve contou com um aumento de 63% no número de pessoas que beneficiaram de ajuda em relação ao período pré-pandemia, segundo disse ao JA o presidente da instituição, Carlos Oliveira. Em maio, o número de pessoas apoiadas rondava os 372 e cresceu em junho e julho, embora o responsável não tenha conseguido quantificar esse auxílio em crescendo.

Quarenta voluntários no Banco Alimentar


Além da distribuição feita diretamente pelos serviços da Diocese, a Cáritas tem um outro programa de apoio, em parceria com a Cáritas portuguesa. “Esse serviço está a ser distribuído para zonas onde temos Cáritas paroquiais, como Portimão, SBA, Boliqueime e Cachopo. São senhas de alimentos para que eles nas suas localidades possam distribuir às famílias para irem ao supermercado”, explica o dirigente da instituição de beneficência.


Com uma equipa de 40 voluntários a trabalhar em todo o Algarve – 14 em Faro e 26 em Portimão – o auxílio suplementar nesta época de necessidades acrescidas conta com três patamares: o primeiro é o nacional, com uma equipa centralizada em Lisboa que estava a receber esses pedidos e os encaminhava para os locais.


Segundo Nuno Alves, “Lisboa não tinha capacidade de resposta e foi então criada uma equipa de 9 voluntários na região, para dar cobertura aos 16 concelhos e são eles que recebem esses pedidos vindos de Lisboa e depois encaminham localmente para as instituições”.

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Nuno Alves, coordenador do Banco Alimentar no Algarve


Numa terceira fase, o Banco passou a articular com câmaras municipais, ou parte delas. “Os pedidos chegam ao Algarve e encaminhamos para a autarquia, que faz a sinalização e confirma essa necessidade. Fazemos essa triagem com câmaras, ou com as instituições que, por si, apresentam outro tipo de resposta, como vestuário, pagamento de despesas básicas, habitação, medicamentos ou receitas, etc. Quando não envolve as câmaras, contactamos as instituições da rede do Banco Alimentar”, observa o responsável máximo da instituição, que calcula que cresceram de 104 para 122 as instituições a receber apoio devido à pandemia e cada uma delas com mais apoio do que antes.

As ajudas dos municípios


Com o aparecimento da pandemia e o encerramento das escolas, a Câmara Municipal de São Brás de Alportel tomou logo medidas “desde o primeiro momento”, como a continuação das refeições para os escalões A e B, alargando depois às próprias famílias, segundo disse o presidente Vítor Guerreiro ao JA.


Neste momento, a autarquia está “a reforçar o apoio em alimentos às famílias” que o município já acompanhava e àquelas “que foram perdendo o emprego”.


Estas medidas têm sido implementadas em colaboração com a Cáritas, o Exército de Salvação e a Santa Casa da Misericórdia.
“O nosso objetivo é não deixar ninguém esquecido. Ninguém em São Brás de Alportel que necessite de alimentos pode ficar privado de apoios”, conclui Vítor Guerreiro.


Já em Vila Real de Santo António, durante os meses de março, abril e maio, a Câmara Municipal recebia vários pedidos de ajuda que “agora tem vindo a baixar”, referiu ao JA fonte do Gabinete de Ação Social da autarquia.


Os pedidos eram feitos através de uma linha de apoio social criada para o efeito, que reencaminhou 60 famílias para instituições como o Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve, a Santa Casa da Misericórdia, a Cruz Vermelha, Refood e Mão Amiga, que “gere o refeitório social”.


“O município colabora financeiramente com o Banco Alimentar do Algarve para que eles tenham alimentos para as instituições”, revela ao JA a mesma fonte, acrescentando que também foram prestados apoios às IPSS do concelho.


Outra iniciativa social da autarquia foi o apoio a idosos, com a efetuação e entrega ao domicílio de compras, apoio que chegou a 30 pessoas.


No barlavento algarvio, em Lagos, o apoio social prestado pelo município teve um aumento de mais de 200%” em relação aos pedidos, disse ao JA o presidente, Hugo Pereira. Chegou a 220%, apurou o JA.


Na Câmara Municipal de Lagos foi criada “uma rede de contactos mais direta e uma equipa em pleno”, além de uma “grande campanha de divulgação desse apoio para todas as pessoas que precisassem ou conhecessem quem precisasse, para que ninguém ficasse para trás”, acrescentou ao JA o presidente da autarquia.


“Na altura do confinamento identificámos todos os idosos que viviam sozinhos sem família próxima e fomos nós que levámos o alimento a essas pessoas”, referiu o autarca, acrescentando que depois do surto na festa ilegal em Odiáxere foram entregues alimentos a casa das pessoas infetadas “para que elas não furassem o isolamento”.


“Em vez de estarmos numa situação passiva, fomos nós à procura de quem precisava. Perante um contacto, no dia seguinte fazíamos chegar a alimentação à casa da pessoa”, explica.

CM de Faro chegou a oferecer 900 refeições


No concelho quase vizinho de Lagoa, a Câmara Municipal teve um aumento entre os 30% e os 40% de pedidos de ajuda, segundo o presidente Luís Encarnação.


Ao longo destes meses, a autarquia prestou entre 400 e 500 apoios à população do concelho, principalmente através do projeto ”Proteja-se, Fique em casa, Nós Ajudamos”, agora suspenso para ser feita uma reapreciação.


Através desse projeto, a Câmara Municipal de Lagoa levou alimentação, medicamentos e livros emprestados pela biblioteca à população do segmento de risco, através de voluntários.


Agora, o autarca “espera o melhor, preparando o pior” para os meses de outubro e novembro através do gabinete de ação social para “apoiar sempre quem precisa, sem deixar nenhum lagoense para trás”, revela ao JA.


Do outro lado do Algarve, em Castro Marim, a autarquia tem fornecido refeições nas duas cantinas de instituições de ensino do concelho a crianças e jovens com necessidades, desde o início da pandemia, segundo o presidente do município, Francisco Amaral.


Outra iniciativa foi a criação de vales de compras, que faz com que “as pessoas vão ao supermercado comprar o que precisam”, refere o autarca.


Na capital algarvia, em Faro, uma das maiores preocupações foi o apoio a quem não tem trabalho, uma vez que, “quando a pandemia rebentou, houve gente que ficou desempregada”, disse ao JA o presidente da Câmara Municipal de Faro, Rogério Bacalhau.


Nessa altura, a autarquia assinou protocolos com “praticamente todas as instituições de Faro”, pagando “todas as refeições que eles davam” a mais de 900 pessoas.


“Mantemos protocolos com essas instituições, mas agora o número é muito mais reduzido em termos de famílias e pessoas”, acrescenta o autarca, referindo que a Câmara Municipal de Faro disponibilizou cerca de 2,5 milhões de euros “para ajudas ligadas ao covid-19”.


Para o presidente, o que mais preocupa são “as pessoas que não sabem que podem usufruir desta ajuda” e as “que têm vergonha de pedir”.


“O apelo que eu faço é que se alguém souber de pessoas que precisem de ajuda, só têm que nos dar o número de telefone e nome da pessoa e a nossa equipa de ação social entra em contacto discretamente”, salienta Rogério Bacalhau.

Aumento de 70% no auxílio da câmara de Albufeira


A menos de 40 quilómetros de Faro, o presidente da Câmara Municipal de Albufeira, José Carlos Rolo, refere ao JA que “existem muitos pedidos de ajuda, mas à medida que o tempo vai passando, os pedidos têm vindo a reduzir”.


O autarca confessa também que tem esperança que os pedidos reduzam no próximo mês de setembro, mas “tudo depende do que vier a acontecer”.


Com a pandemia, os pedidos de ajuda à Câmara Municipal de Albufeira aumentaram “em cerca de 70%” relativamente ao período homólogo do ano anterior, com a autarquia a auxiliar “mais de 700 famílias”.


O município tem prestado apoios “a nível individual e através das IPSS” com o objetivo de “ceder alimentação a todos aqueles que necessitam ou que sofrem de situações de carências escondidas e envergonhadas”, revela José Carlos Rolo.


Na costa vicentina, em Aljezur, o presidente da autarquia, José Gonçalves, destaca a rede social do município que disponibilizou nos últimos meses vouchers “que permitem às famílias puderem trocar por alimentos, bens essenciais ou produtos de higiene no comércio local”, revela ao JA.


De momento, autarca considera que “não tem sido um aumento muito substancial”, uma vez que “está tudo a voltar, mais ou menos, ao normal” com a chegada de muitos turistas ao concelho.


No entanto, José Gonçalves confessa estar preocupado com os meses de setembro e outubro e garantiu ao JA que continua com a rede social preparada para continuar a apoiar as IPSS do concelho.

Gonçalo Dourado/João Prudêncio

Algarve regista o maior aumento de desemprego em Portugal

O Algarve foi a região portuguesa que registou maior aumento de desempregados nos centros de emprego em julho, face ao mesmo mês de 2019, com um crescimento de 216,1%, anunciou hoje o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).


O número de desempregados inscritos em todo o País aumentou 37% no mesmo período e 0,2% face a junho. De acordo com o IEFP, no final de julho estavam registados nos serviços de emprego do continente e regiões autónomas 407.302 desempregados, número que representa 74,5% de um total de 546.846 pedidos de emprego.


O total de desempregados registados no País foi superior ao verificado no mesmo mês de 2019 (37%) e face ao mês anterior (0,2%).

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