Demora no acesso a medicamentos pode estar a reduzir sobrevivência ao cancro

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É fumo mas, assim sendo, pode indiciar a existência de um fogo. No ano, 2012, em que Portugal foi o país da União Europeia (UE) com a menor despesa em medicamentos para tratar o cancro, foi também o que registou a quarta mortalidade mais elevada: 40 mortes por 100 novos doentes. O diagnóstico é feito pela consultora internacional BCG que, sem afirmar que há uma relação de causa-efeito, chama a atenção para dados que “suscitam preocupação”.

No estudo a divulgar esta quinta-feira, os consultores, apoiados por um conselho estratégico português, salientam que o cancro é a segunda causa de morte entre a população portuguesa, no entanto, apenas representa 7% da despesa do Estado com medicamentos. Além disso, as moléculas inovadoras nesta área demoram mais a serem aprovadas e comparticipadas e muitas vezes a sua utilização é limitada a uma parte das indicações aprovadas a nível internacional. Salientam os autores que “os fármacos oncológicos são quase exclusivamente hospitalares, o que agrava ainda mais as condições de acesso”.

Os autores do estudo, “Inovação como um Direito dos Portugueses”, não hesitam em afirmar que “o acesso tardio e limitado à inovação farmacológica gera o risco de Portugal se distanciar gradualmente da Europa em termos de resultados em saúde”. Mais concretamente, “a evolução dos resultados em oncologia tem sido inferior à média da UE18”, isto é, “à medida que medicamentos inovadores não disponíveis em Portugal comecem a ser usados noutros países e os standards de tratamento nacionais se distanciem dos internacionais, há o risco de os resultados ficarem comprometidos”.

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A análise feita permitiu apurar várias situações concretas.”Em 2012, Portugal era o país com menor despesa em medicamentos oncológicos ajustada à incidência de cancro, apresentando uma despesa 43% inferior à média desta região”, lê-se no relatório que é divulgado esta quinta-feira. Além disso, “apesar de ser um dos países com menor incidência de cancro, era o 4º país com maior mortalidade ajustada à incidência, situando-se apenas atrás da Grécia, Áustria e Reino Unido”.

Olhando para os vários tipos de neoplasias malignas, o país “está pior posicionado em cancros como o colorretal, próstata, bexiga, mama e pâncreas”. Entre 1990 e 2011, Portugal foi mesmo o 2º com a menor melhoria na taxa de mortalidade por cancro, menos 6%, superando apenas a Grécia.

A “recente crise económica, o aumento da obesidade e o elevado consumo de tabaco” podem explicar “o distanciamento em termos internacionais” dos indicadores nacionais, é reconhecido no estudo. Ainda assim, há outros que ficam por explicar. “Exemplos recentes de fármacos oncológicos inovadores aprovados pela Agência Europeia do Medicamento há mais de três anos e ainda não no comparticipados” nas unidades públicas de saúde portuguesas.

Alguns doentes conseguem ter acesso a tratamentos inovadores através dos mecanismos de exceção previstos, mas esta é uma alternativa “de avaliação casuística que corre o risco de não ser equitativa”. Os peritos em Saúde têm sido unânimes em defender que a utilização de terapêuticas no Serviço Nacional de Saúde tem de ser feita com regras mas também em moldes regulares.

A demora no acesso à inovação farmacológica é particularmente alarmante tendo em conta que hoje é por todos reconhecido que “foi responsável por cerca de 75% dos ganhos em esperança média de vida na primeira década deste século”. Ou seja, o problema não está limitado aos doentes com cancro. Atinge todos os que adoecem.

No conjunto das novas moléculas que chegam ao mercado, Portugal repete os resultados verificados na oncologia. O que é inovador tarda, muito, em chegar aqui. “Portugal é o país da UE18 com menor acesso a novos medicamentos: até setembro de 2014, apenas 29% dos medicamentos com autorização de introdução no mercado entre 2010 e 2012 foram comparticipados”. Em Espanha foram 78% e a Dinamarca chegou aos 90%.

E a decisão de dar apoio estatal demorou: 481 dias no caso dos remédios hospitalares, entre 2007 e 2011, quando o prazo legal é de 70 dias. Na prática, “um doente português espera quase dois anos para ter acesso regular a um medicamento que poderá ser decisivo para o seu tratamento, quando, por exemplo, um dinamarquês espera três meses um alemão zero”.

Apesar do diagnóstico pouco animador sobre o acesso ao que há de mais moderno e, supostamente, mais eficaz, Portugal tem nota positiva. “Tem um dos sistemas de saúde, a nível mundial, com melhor relação entre os resultados e a despesa em Saúde.” Como? “Os profissionais de saúde portugueses tratam os seus doentes com metade dos recursos financeiros usados pelos seus congéneres europeus”. O esforço parece ser, no entanto, incapaz de vencer todos os progressos da farmacologia.

SOLUÇÕES PROPOSTAS

– Aumentar a dedicação total de recursos à saúde e à inovação farmacológica

– Cumprir prazos para aprovação e reembolso de medicamentos e definir prazos para a efetiva disponibilização aos utentes

– Uniformizar práticas clínicas e de acesso

– Adotar sistemas que promovam a eficiência de preços

– Alterar o modelo de financiamento dos hospitais públicos

– Criar rede de centros de referência e respetivos afiliados em áreas específicas

– Medir e divulgar os resultados em saúde

RE

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