Descobertas as imagens mais antigas de Vila Real de Santo António

ouvir notícia

Pormenor do maior dos três desenhos. O original tem mais de 4,5 metros de comprimento

Os desenhos, pintados a tinta da China em 1774, pertenciam a um particular e foram adquiridos num leilão, em Lisboa, pela Direção Regional de Cultura do Algarve. O historiador José Eduardo Horta Correia não tem dúvidas de que se trata das “mais antigas imagens de Vila Real de Santo António”, porque retratam o início da construção. “Todas as outras que se conhece são do período posterior à construção”, sublinha aquele historiador de Arte

Domingos Viegas

A Direção Regional de Cultura do Algarve adquiriu recentemente, num leilão em Lisboa, três desenhos da autoria do engenheiro militar José de Sande Vasconcelos, datados de 1774, que mostram o início da construção de Vila Real de Santo António. Trata-se de “um valioso património”, sublinha ao nosso jornal a diretora regional de Cultura, Dália Paulo, devido ao facto de serem muito raros os desenhos que mostram a edificação da, então, vila, hoje cidade.

- Publicidade -

José Eduardo Horta Correia, historiador de Arte e autor da tese de doutoramento “Vila Real de Santo António, Urbanismo e Poder na Política Pombalina”, garantiu ao Jornal do Algarve que se trata mesmo das “mais antigas imagens de Vila Real de Santo António, porque retratam o início da construção. Todas as outras que se conhece são do período posterior à construção”.

Dália Paulo frisa que estes três documentos, pintados a tinta da China, têm uma “grande importância”, não só a nível regional mas também a nível nacional.

Por um lado, Vila Real de Santo António “é a cidade iluminista, construída de raíz, do Algarve e também do país. Nós fizemos muita construção no exterior, mas aqui estamos perante uma experiência única”, recorda a diretora regional da Cultura. Por outro lado, “quando observamos estes desenhos, é como se estivéssemos a ver a vila em construção em 1774”, explica Dália Paulo, lembrando que a indicação para construir Vila Real de Santo António tinha sido dada no ano anterior.

“A pormenorização dos desenhos é fabulosa”

“Para além de vermos a construção, a pormenorização dos desenhos é fabulosa. Há um cuidado no pormenor do desenho que torna este conjunto de desenhos documentos fabulosos”, considera a diretora regional da Cultura, destacando ainda a dimensão de um dos desenhos. “O desenho maior tem quatro metros e meio de comprimento e é muito, muito espétacular”, acrescenta Dália Paulo.

Aliás, foi o próprio José Eduardo Horta Correia que alertou a Direção Regional de Cultura do Algarve para o facto de os desenhos, que pertenciam a um particular, estarem no catálogo de uma empresa de leilões, que se preparava para os leiloar em Lisboa.

“Ele alertou-nos e disse-nos que era muito importante adquirir os desenhos, porque se tratava de um património valioso que importava que pertencesse ao Estado português, pela sua importância e pelo seu valor histórico”, conta a diretora regional da Cultura.

Mas a pista para chegar a estes documentos históricos tinha sido dada a José Eduardo Horta Correia, algum tempo antes, pelo arquiteto Jorge de Brito e Abreu, que trabalhou durante vários anos na área da classificação de monumentos do antigo Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

“Telefonou-me a dizer que os desenhos íam a leilão por cinco mil euros. Contactei imediatamente a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, mas disseram-me que não tinham dinheiro. Decidi, então, falar com a diretora regional da Cultura, no entanto, soube mais tarde, os desenhos acabaram por não ser comprados”, recorda José Eduardo Horta Correia.

Comprados por 2.500 euros

Os desenhos não foram vendidos naquela altura e, recentemente, surgiram numa outra empresa de leilões, a Veritas, a um preço inferior. Foi então que a Direção Regional de Cultura avançou, com a intensão de adquirir os documentos e evitar que estes voltassem a cair em mãos de particulares.

“Iniciámos as diligências para verificar se era possível adquirir os desenhos. Eles já tinham estado noutra leiloeira, com outros valores, e não tinham sido licitados. Agora estavam com um valor diferente e achámos que valia a pena fazer o esforço para recuperar este património algarvio”, explica Dália Paulo, revelando que a Direção Regional de Cultura do Algarve pagou 2.500 euros por os três desenhos.

José Eduardo Horta Correia sublinha que os desenhos só foram recuperados pelo Estado “graças ao esforço e à sensibilidade” do arquiteto Jorge de Brito e Abreu e da diretora regional da Cultura, Dália Paulo.

“No dia do leilão telefonaram-me, eufóricos, a contar que os desenhos já estavam comprados. É que se surgisse outro comprador, a oferecer mais dinheiro, provavelmente a Direção Regional de Cultura não teria conseguido adquiri-los”, conta o historiador de Arte, visivelmente emocionado e satisfeito.

Sande Vasconcelos construiu Vila Real de Santo António

O autor dos desenhos, José de Sande Vasconcelos, foi enviado para trabalhar na restauração do denominado Reino do Algarve em meados do século XVIII. “O seu nome surge, pela primeira vez, relacionado com a obra da estrada entre Monchique e Ribeira da Boina”, explica José Eduardo Horta Correia.

Posteriormente, Sande Vasconcelos e mais dois engenheiros militares foram colocados no sotavento algarvio com o encargo de construir Vila Real de Santo António.

“Pelo menos em 1772 já estava cá. As plantas foram feitas por Reinaldo Manuel, na Casa do Risco, em Lisboa, mas a implantação no terreno foi realizada pelos engenheiros militares, sob a chefia de Sande Vasconcelos. Por isso, pode-se dizer que ele foi o responsável, no terreno, pela construção de Vila Real de Santo António”, conta o historiador.

Ao observar os desenhos, José Eduardo Horta Correia atreve-se mesmo a lançar a hipótese de estes poderem ter sido catalogados pelo próprio Marquês de Pombal: “Já li muitos documento escritos pelo Marquês e as indicações na parte superior destes desenhos parece terem sido feitas por ele. À primeira vista parece ser a letra dele. Mas isto só se poderá confirmar depois de uma análise mais profunda”.

Desenhos podem não ter passado pelos arquivos públicos

Desconhece-se o motivo de os desenhos terem ido parar às mãos de um particular, não se sabe quantos pessoas possuíram os documentos ao longo destes anos e também ainda não se determinou, e provavelmente nem se irá saber, como é que saíram da alçada do Estado, nem em que circunstâncias.

“Provavelmente nunca estiveram no arquivo do Estado. Caso contrário estariam no Ministério das Obras Públicas, como todos os outros. Não nos podemos esquecer que, naquela altura, estes desenhos eram apenas documentos de trabalho e podem não ter sido arquivados nos arquivos públicos. Podem ter ficado na casa do Marquês, na casa de um dos engenheiros… Não se sabe.”, refere José Eduardo Horta Correia.

Além do trabalho levado a cabo em Vila Real de Santo António e na área de Monchique, Sande de Vasconcelos realizou levantamentos exaustivos sobre diversas zonas do Algarve. Além de levantamentos sobre várias praças e fortalezas da região, compilou informação que se revelou fundamental para perceber a vida económica de diversasa zonas do Algarve.

“Quando o Marquês de Pombal mandou construir Vila Real de Santo António, Sande de Vasconcelos fez diversos trabalhos sobre todo este território, incluíndo o denominado termo de Cacela, a zona de Castro Marim, dois para a zona de Tavira, entre muitos outros. Trabalhava em desenho mas também tinha conhecimentos em estruturas económicas”, explica José Eduardo Horta Correia, acrescentando que depois da construção de Vila Real de Santo António “ele foi para Tavira e ficou pelo Algarve até ao período das Invasões Francesas”.

Os desenhos, agora autênticos documentos históricos, encontram-se em Lisboa e deverão chegar a Vila Real de Santo António no início do próximo ano.

Documentos chegam ao Algarve no início de 2014

Os três desenhos estão atualmente na Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde os técnicos da equipa de conservação estão a realizar diversas observações para elaborar um relatório sobre o seu estado de conservação.

“É preciso verificar o estado atual de conservação, perceber se precisam de cuidados já ou a longo prazo, verificar onde serão feitos e como. E também serão fotografados, porque só temos as fotografias do catálogo da leiloeira”, explica a diretora regional da Cultura, Dália Paulo.

Quando o diagnóstico estiver terminado, os três desenhos serão expostos na Biblioteca Nacional para serem dados a conhecer ao público em geral e aos especialistas. “É importante que estes documentos sejam vistos por diversos especialistas, para que este valioso património seja ainda mais reconhecido e valorizado”, considera o histroriador José Eduardo Horta Correia.

Posteriormente, os documentos irão integrar uma exposição que incluirá outros desenhos de José de Sande Vasconcelos e que deverá ser inaugurada, no Algarve, nos primeiros meses de 2014. Os três desenhos agora adquiridos deverão ficar, depois, em Vila Real de Santo António.

“O objetivo é trazer os desenhos para onde eles devem estar, ou seja, para Vila Real de Santo António. O Arquivo Histórico Municipal é um arquivo novo e tem todas as condições para receber os desenhos. Penso que poderão chegar a Vila Real de Santo António no início de do próximo ano”, refere Dália Paulo.

.

(Notícia publicada na edição de 28 de novembro do Jornal do Algarve)

- Publicidade -

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.