Devemos deixar de mostrar as imagens que os jihadistas andam a divulgar?

ouvir notícia

James Foley, uma das vítimas do Estado Islâmico

A direção de informação da RTP resolveu deixar de emitir as imagens divulgadas pelo Estado Islâmico, que publicou recentemente dois vídeos com a decapitação de jornalistas norte-americanos. O anúncio foi feito no “Telejornal” de quarta-feira pelo pivot João Adelino Faria, alegando tratar-se de “uma decisão conjugada com vários outros órgãos de informação em todo o mundo.”

Contactado pelo Expresso, o diretor de Informação da RTP, José Manuel Portugal, defendeu que a estação tem “autoridade moral” para não mostrar imagens de barbárie.

“Depois de uma reflexão interna, sentimos que nós [meios de comunicação social] estamos a ser usados pelo Estado Islâmico. Imagens como a execução bárbara de um jornalista não acrescentam nada. Está em causa uma questão de civilização e de direitos humanos e nós temos a autoridade moral para evitar isso”, sustenta José Manuel Portugal.

- Publicidade -

De acordo com o diretor de informação da estação pública, se é verdade que a RTP não mostrará por completo a realidade das situações, o público não perderá o essencial: “Acreditamos que não estamos a privar em nada os nossos telespectadores. Pelo contrário, estamos a preservá-los de imagens bárbaras e atentatórias à realidade humana”, defende, acrescentando que os enviados especiais procuram dar “informação mais próxima e mais direta” no terreno.

Uma fronteira indefinível

Mas quais são os prós e contras desta decisão? “Acho sinceramente que é muito difícil definir as fronteiras entre o que é ou não propaganda e qualquer atitude de censura de conteúdos tem de ter uma justificação muito forte”, afirma ao Expresso António Granado, jornalista e professor da Universidade Nova de Lisboa (UNL).

Segundo Granado, caso se considere propaganda tudo o que violar os Direitos Humanos, existirão milhares de coisas censuráveis. Contudo, sublinha, é certo que se devem evitar sempre imagens de extrema violência.

“Parece-me absolutamente evidente que não se devem transmitir imagens de violência ou terror, como cadáveres ou decapitações, não só relativas ao Estado Islâmico. Acredito, por exemplo, que não devem ser transmitidos os resultados de bombardeamentos ou de pessoas a chorar em frente às câmaras”, acrescenta.

Contudo para António Granado, ao optar-se por não se mostrar um lado, os jornalistas estão a tomar parte, não sendo essa a sua função. “Devem conseguir dar a informação confirmada das duas partes. Além disso, é preciso denunciar situações e depois transmitir as imagens possíveis.”

Contextualizar a informação

O jornalista Adelino Gomes partilha a visão de António Granado. “Estou de acordo que os media têm o papel de refletir o que de importante e significativo se passa no mundo e que, nesse sentido, não é adequado omitir coisas só porque são violentas, nem dar imagens higienizadas de aspetos mais críticos ou mais feios da realidade.”

Para Adelino Gomes, o papel do jornalista é contextualizar a informação de modo a que adquira significado. “Há pouco tempo li um artigo do diretor executivo do ‘New York Times’ onde ele dizia que não é necessário mostrarmos os pormenores de uma decapitação para se perceber a brutalidade do ato cometido. Também eu acredito que a brutalidade do ato e as circunstâncias têm um valor jornalístico e isso não pode ser omitido”, insiste.

Não obstante, Adelino Gomes considera muito positivo que os vários órgãos de comunicação a nível mundial debatam este assunto, podendo abrir novos caminhos nos media.

“Decisão boa para a saúde pública”

Já o jornalista Paulo Querido só encontra aspetos positivos na decisão da RTP, uma vez que a estação cumpre o seu papel de serviço público ao não emitir “imagens de barbárie”.

“Apraz-me que o serviço público seja capaz de tomar uma decisão boa para a saúde pública, que passa por não passar este tipo de imagens. Isso faz parte do serviço público. O valor informativo dessas imagens não é formativo e não acrescenta nada.”

Paulo Querido não acredita, porém, que esta prática se alargue à maioria dos órgãos de comunicação social, uma vez que a prioridade, diz, são as audiências e as tiragens. “Acho que esta opção editorial pode ser seguida por alguns órgãos, embora não tenha muitas ilusões que se trate de uma decisão generalizada. O interesse público está a ser substituído pelo interesse do público. O voyeurismo, embora desnecessário e completamente longe da ética dos media, impera.”

RE

- Publicidade -

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.