Dilma no jogo do mata-mata

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“No dia seguinte às eleições já todo o mundo falava de impeachment.” A frase é de uma jovem manifestante no último protesto organizado pelo PT e pela Central Única dos Trabalhadores em Brasília. A estudante referia-se a editoriais e artigos de opinião na impresa brasileira que apontavam o processo de destituição como a saída para um país praticamente dividido ao meio, depois de Dilma Rousseff ter vencido as Presidenciais com 51,64% dos votos, a margem mais curta da história do Brasil.

Desde aquele outubro de 2014 até agora, foi um pulo: o impeachment já corre no Congresso – e a passo acelerado, com sessões marcadas à segunda e à sexta, dias normalmente sem plenário – e os analistas dizem que dificilmente Dilma sairá ilesa. O caminho foi rápido, mas nem por isso menos polémico: as regras para a formação da comissão especial que avalia o pedido causaram celeuma, tal como a gestão do processo feita por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados (que recebeu 34 pedidos de impeachment e deu andamento a apenas um) e ele próprio réu no processo Lava Jato, acusado de crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Mas houve mais pontos controversos a propósito do impeachment, nomeadamente a escolha dos nomes que compõem a comissão especial: dos 65 deputados indicados pelos partidos, 36 têm processos judiciais pendentes, seja por questões administrativas, no Tribunal de Contas, ou por responsabilidade criminal, em tribunais federais. São eles que avaliam agora se Dilma Rousseff cometeu os chamados crimes de responsabilidade, nomeadamente em relação às “pedaladas fiscais” – o atraso no pagamento aos bancos que distribuem as pensões sociais, como o subsídio de desemprego, por exemplo, para guardar dinheiro na tesouraria durante mais tempo e aliviar as contas públicas, criando a ilusão de quebra na despesa, numa espécie de empréstimo bancário encapotado que o Governo está impedido de fazer pela lei do orçamento.

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A manobra não é nova: aconteceu também quando os presidentes eram Lula da Silva ou Fernando Henrique Cardoso, mas a contestação não está aí. O problema é que as contas agora em causa foram aprovadas e alguns dos casos apontados no pedido de impeachment dizem respeito à atuação da presidente no primeiro mandato, havendo quem defenda que Dilma Rousseff não pode ser destituída agora por crimes de responsabilidade num mandato anterior.

Esta segunda-feira, continua a correr o prazo de 10 sessões para Rousseff apresentar defesa – por escrito ou com representantes. Em vésperas da Páscoa estão marcados plenários até quarta, o que significa que o tempo deve esgotar-se no final da próxima semana, se o congresso mantiver o ritmo. Depois, a comissão especial tem outras cinco sessões para elaborar um relatório e, eventualmente, propor o avanço do impeachment, mas não lhe cabe decidir. O relatório tem de ser aprovado depois por mais de 342 votos entre os 513 da Câmara dos Deputados – e mesmo que a comissão proponha o arquivamento, a decisão pode ser contrária.

O Governo joga todos os trunfos nessa votação: um assessor do Palácio do Planalto diz a vários jornais brasileiros que é uma altura de “ou mata ou morre”, uma espécie de jogo do mata-mata para Scolari. A analogia com o futebol não é descabida: “o Brasil vive em pleno Fla-Flu”, dizia Rui Calado, emigrante português, professor de história e ciências políticas a fazer pesquisa para o doutoramento em Brasília. “Fla” de Flamengo, “Flu” de Fluminense, que é como quem diz, momento de posições, opiniões e paixões extremadas, como se de um derby carioca se tratasse: quem não está comigo está contra mim – e o estádio é o país.

Dilma estará já em negociações intensas nos bastidores para garantir 171 votos entre os parlamentares que travem o impeachment logo ali. Senão, o processo segue para o Senado, onde basta uma maioria simples para aceitar a abertura do processo de afastamento da presidente (que, nesse caso, seria suspensa de funções até haver uma decisão), mas voltam a ser precisos dois terços dos votos dos senadores para a destituir definitivamente, num julgamento no Senado liderado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.

As principais consultoras brasileiras estimam que o impeachment deverá estar concluído até ao final de abril e dizem que o afastamento de Dilma Rousseff tem uma probabilidade de 75%. A “presidenta” recusa desistir.

Sara Antunes de Oliveira (Rede Expresso)

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