Discurso de Passos Coelho cai mal entre os militares

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Primeiro-ministro pediu aos militares que sejam patriotas e tenham “um sentido agudo das realidades”, mas estes acusam-no de ter um discurso vago e contraditório face ao que se passa nas Forças Armadas.

“Os militares são patriotas, não precisam que alguém venha dizê-lo. Juraram defender uma bandeira, se necessário com a própria vida”, afirma ao Expresso o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), o coronel Manuel Pereira Cracel, criticando as declarações do primeiro-ministro durante uma visita à Base Aérea do Montijo.

Pedro Passos Coelho lançou segunda-feira um apelo às Forças Armadas para que “permaneçam fiéis a si próprias e às suas virtudes, que tão distintamente cultivam, a coragem, a honra, a sacralidade do dever, a lealdade, o patriotismo e o serviço aos bens comuns do povo português, por tudo isto sabemos que é devida uma especial atenção e consideração ao tratamento da condição militar”.

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A realidade e o discurso do primeiro-ministro estão em “perfeita contradição”, denuncia ao Expresso Pereira Cracel, sublinhando que “até cai mal alguém vir apelar ao patrotismo dos militares, subentendendo-se de que padecem de algum problema dessa natureza”.

Para o chefe de Governo, é indispensável que “a instituição se prepare para novos desafios e conjunturas”, exigindo aos militares “um sentido agudo das realidades e das restrições que pesam sobre o país”.

Para o presidente da AOFA, o tratamento atribuído às Forças Armadas parece ter o objetivo delineado no sentido da “descaracterização e desarticulação”.

“As Forças Armadas têm sido alvo de uma permanente e constante desconsideração”, defende o dirigente associativo, enunciando como exemplo os cortes de 30% nas verbas para a despesa e na doença dos militares, que será de 20% em 2013, seguindo-se o seu autofinanciamento até 2016.

O dirigente destaca a condição “diferente” dos militares, sendo o “único sócio-profissional que dá a sua vida, se for necessário e sem outra contrapartida que não o seu salário”. E na sua opinião trata-se de “um salário modesto”.

“As Forças Armadas estão próximas da paralisia”

As afirmações de Passos Coelho também causaram surpresa ao bispo das Forças Armadas pois “há muito tempo que os militares foram preparados para novos desafios, para a visão da realidade” e “sempre o fizeram”.

Dom Januário Torgal Ferreira diz ao Expresso que “o sistema militar nunca viveu acima das suas possibilidades, com mordomias ou exageros”. Pelo contrário, “viveu sempre num clima de grande austeridade”.

“Ao deixar no ar que têm que estar preparados para restrições dá impressão que nunca as tiveram e não querem acompanhar o ritmo da sociedade, quando têm tido implacáveis restrições como os outros”, critica.

O Expresso contatou ainda o antigo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, o general Loureiro dos Santos, para quem o discurso do primeiro-ministro “não têm novidade nenhuma”.

“Disse que os militares têm que estar preparados para fazer o que é necessário fazer, e faz parte da missão dos militares, e disse que o Governo vai respeitar a condição dos militares, o que também está na lei”, sintetizou o general.

Questionado sobre se Passos Coelho terá deixado um aviso, responde: “Eu não posso ser adivinho, se disse porque é óbvio ou se tem algo que pretende fazer ou propor aos militares”.

Todavia, Dom Januário Torgal Ferreira considera que se trata de “um prefácio ressequido, uma preparação matreira – mas acho que a opinião pública já há muito tempo apanhou o jogo -, para dizer que têm que apertar o cinto e preparem-se para as restrições”.

Pereira Cracel garante que “a condição militar tem vindo, ao longo do tempo, a ser desprezada” e as “as Forças Armadas estão próximas da paralisia, sem dinheiro para combustíveis, para a sua manutenção e funcionamento”. Uma situação agravada com os cortes nas remunerações e promoções.

Governo limita-se a “comunicar”

Pereira Cracel garante que há militares sem “condições mínimas”, com os salários penhorados e a situação atinge “desde os escalões mais baixos aos mais altos”.

As medidas “nada têm a ver com quem deve compreender” a condição dos cidadãos que são militares – defende -, e cuja “capacidade de intervenção e reivindicação está condicionada”.

Segundo o dirigente, as palavras ditas pelo primeiro-ministro direcionam-se para “a racionalização e suturação de que se fala”, mas “ninguém tem conhecimento objetivo do que se pretende fazer”. Aliás, o Governo limita-se a “comunicar” e as associações não têm sido ouvidas.

“Eu não gosto desses sermões e recados. Era preferível ter uma conversa leal, aberta, sem esquinas”, confessa Dom Januário Torgal Ferreira, que gostava de ver um “discurso global” em Portugal. Na sua opinião, a utilização de uma “espécie de ralhetes” pelos governantes, “falsamente moralistas ou moralizantes, com um certo tipo de puratinismo do Estado”, conduzem à opinião pública a ideia de que os militares são os “malandros”

“O militar não é imune a atitudes de injustiça” e existem “muitos casais nas Forças Armadas com dificuldades muito sérias”, conclui.

Raquel Pinto (Rede Expresso)
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