Drama das crianças da “Selva” de Calais discutido por Hollande e Cameron

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Na “Selva”, como é conhecido o imenso bairro de lata de Calais, os menores isolados são os refugiados mais discretos. Apesar de serem protegidos e acarinhados em permanência por associações humanitárias, vivem um verdadeiro drama. Sem família no insalubre acampamento de cabanas, barracas e tendas, são aconselhados pelos organismos que os ajudam a apenas falarem com estranhos e jornalistas na presença de assistentes humanitários.

As associações dão-lhes roupas, comida, brinquedos e até bicicletas, e por vezes deixam-nos passear sozinhos nas zonas menos problemáticas do bairro de lata, designadamente junto ao centro Jules Ferry, numa das orlas da “Selva”, onde são servidas refeições gratuitas e onde existe também uma pequena unidade de tratamento básico hospitalar.

Esta quarta-feira à tarde, enquanto prosseguia o desmantelamento de barracas em clima de grande tensão, com a polícia de choque no interior da zona sul do bairro da lata, o Expresso contactou com dois afegãos, um menino e uma menina de dez anos de idade, que apenas deixaram tirar-lhes rapidamente fotografias e confirmaram que vivem na zona dos contentores, protegidos por organizações humanitárias. Foram chamados de imediato por um elemento de uma associação que os vigiava a curta distância.

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Neste novo bairro de contentores numerados e pintados com um branco imaculado, até os jornalistas só conseguem entrar depois de demoradas negociações com o “centro de comunicação”. Aqui, as habitações são aquecidas e as ruas estão limpas e têm cascalho. Todos os residentes – sobretudo famílias com filhos, sobrinhos ou primos, mulheres, adolescentes e crianças isoladas – têm um código especial para entrar e sair pelas barreiras metálicas. As crianças só conseguem sair do quarteirão, completamente vedado com alto gradeado metálico, quando acompanhadas por membros das associações.

“Vítimas do tráfico de seres humanos”

“É grave e perigosa a situação das crianças isoladas, algumas nem documentos têm, a mais nova que aqui reside tem apenas sete anos, temos de os proteger porque até podem ser raptadas e ser vítimas fáceis para o tráfico de seres humanos, que existe”, diz ao Expresso Geneviéve Avenar, “defensora dos Direitos das Crianças” e interlocutora oficial das autoridades.

O drama destas crianças estará no centro da cimeira, esta quinta-feira, entre o Presidente francês e o primeiro-ministro britânico, que decorre em Amiens, no norte da França. Os franceses pressionam os ingleses para estes encontrarem uma solução prioritária e urgente para estes menores isolados e a prefeitura da região Norte-Pas-de-Calais diz ter completado já os dossiês de dezenas deles.

“Estou a fazer um verdadeiro assédio junto das autoridades britânicas para resolverem de uma vez por todas estas situações insuportáveis das crianças isoladas, porque muitas podem legalmente beneficiar das normas europeias sobre o reagrupamento familiar”, diz a prefeita Fabienne Buccio, aos jornalistas.

“Há alguns que perderam os pais ou outros familiares na confusão quando atravessavam fronteiras ou subiam para barcos, outros ficaram aqui sozinhos quando os familiares os entregaram a associações e conseguiram chegar ao Reino Unido; agora esses familiares pedem o reagrupamento familiar, há dezenas de casos de outras crianças com parentes há muito tempo instalados em Inglaterra e é urgente resolver esta situação, que é dramática para eles ”, diz ao Expresso Myriam, uma voluntária da associação “Secours Catholique”.

“Se houver Brexit, França abre a fronteira”

Os britânicos anunciaram para breve a chegada a Calais de um funcionário especial para analisar os dossiês, que não são fáceis de completar porque algumas das crianças nem sabem exatamente em que zona da Grã-Bretanha vivem os seus familiares.

Serão cerca de 300 os menores que vivem sem família na “Selva”.

Na cimeira franco-britânica, François Hollande vai pressionar e pedir celeridade a David Cameron no tratamento destes casos e no da escolha dos refugiados que, na sua imensa maioria, dizem apenas aceitar sair de Calais para irem para a Grã-Bretanha.

A poucos meses do referendo no Reino Unido sobre o chamado Brexit – a sua permanência ou não na União Europeia (UE) – a França deseja também maior apoio financeiro dos britânicos para enfrentar a crise dos refugiados em Calais e na outra “Selva”, em La Grande Synthe, igualmente na costa da Mancha, a 40 quilómetros desta cidade portuária francesa. No total, estarão neste momento espalhados por toda a costa norte francesa mais de 10 mil migrantes, todos eles com o objetivo de chegar a Inglaterra.

Para fazer aumentar a pressão sobre os britânicos, o ministro francês da Economia, Emmanuel Macron, diz esta quinta-feira no jornal “Financial Times” que se o Reino Unido sair da UE a França deixará de travar os migrantes em Calais e incitará os banqueiros a saírem da City londrina, em benefício de Paris.

Daniel Ribeiro (Rede Expresso)

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