É preferível austeridade gradual, diz diretor do FMI

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Carlo Cottarelli, diretor do Departamento de Assuntos Orçamentais do Fundo Monetário Internacional, falou num dos painéis da conferência anual da American Economic Association sobre as “evoluções” no pensamento da organização a propósito da gestão da crise em curso.

“O nosso ponto de vista essencial sobre o que deve ser a política orçamental junta um ajustamento orçamental gradual, tanto quanto possível, acompanhado por condições monetárias mais flexíveis pelo tempo que for necessário e por reforma estrutural”, sintetizou Carlo Cottarelli, diretor do Departamento de Assuntos Orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI) desde novembro de 2008, na conferência anual da American Economic Association.

O responsável do FMI insistiu no tema do “gradualismo” em oposição ao que designou por abordagem a frio “simplesmente façam-no” (just do it, o lema da Nike). Ainda que Cottarelli expresse, sempre, uma nuance: “Alguns países ainda não estão posicionados para proceder a um ajustamento gradual orçamental. Ainda estão sob forte pressão dos mercados. Mas, em geral, tanto quanto possível, somos a favor de uma abordagem gradual no ajustamento”.

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A nuance tem permitido ao FMI manter a substância da estratégia defendida para os países “periféricos” da zona euro sob intervenção da troika, admitindo, depois, alterações nas metas quantitativas (défices nomeadamente) e no plano temporal do ajustamento (mais anos do que os inicialmente previstos nos planos de resgate assinados para a Grécia, Irlanda e Portugal em 2010 e 2011), ou mesmo, soluções de emergência, consideradas “únicas” para o caso da Grécia (reestruturação e recompra de dívida soberana, por exemplo, em 2012) ou “sectoriais”, por enquanto, para o caso de Espanha (plano de recapitalização da banca em 2012).

O diretor do FMI inseriu o tema do “gradualismo” na “evolução” do pensamento da organização durante a grande crise em curso. O italiano apresentou essa “evolução” num painel da conferência anual da American Economic Association, que decorreu na primeira semana de janeiro em San Diego, na Califórnia, e que reuniu a nata dos economistas de todo o mundo. Doutorado pela London School of Economics, Cottarelli trabalha no FMI desde 1988 e é responsável por uma das suas publicações mais importantes, o “Fiscal Monitor”. A sua reflexão é, por isso, marcante. “Vou falar-vos da forma como os nossos pontos de vista evoluíram nos anos mais recentes”, disse ao abrir a sua intervenção no painel “Estímulos ou impedimentos? A Macroeconomia da Recessão”.

A primeira mudança

A primeira mudança recente no pensamento do FMI ocorreu em 2008, no pico da crise financeira. “Houve um acontecimento ainda menos habitual nesse ano: o FMI, pela primeira vez, apelou a uma expansão orçamental. Isto foi novidade, pois a política monetária era, então, encarada como a ferramenta adequada para a resposta ao declínio da atividade económica”, afirmou Cottarelli.

Subitamente, o FMI virou keynesiano, apostou numa política orçamental expansionista “apesar do estado das finanças públicas em muitas economias desenvolvidas não ser particularmente bom”, frisou. “Este era um mundo em que o livro relevante de estudo era “A Teoria Geral” de John Maynard Keynes”, confessou o italiano em San Diego, quatro anos depois do sucedido. “Primeiro, sentiu-se que a magnitude do choque era tal que havia o risco das coisas ficarem fora de controlo – não se tratava de uma recessão normal. Em segundo lugar, percebeu-se que, apesar de a recessão ter nascido num boom do preço do imobiliário e de derivar de uma disfunção do sector financeiro, rapidamente se transformou num recessão na procura – uma recessão em que a falta de procura agregada estava a causar mais e mais declínio da atividade, e, como resultado, o desemprego estava a aumentar e crescia muita incerteza sobre as perspetivas económicas de futuro. Em terceiro lugar, entendeu-se que, com os mercados de crédito a não funcionarem adequadamente, a política monetária esgotou a sua margem com taxas de juro diretoras nominais perto de zero por cento”.

No calor do debate em San Diego, Cottarelli adiantou mesmo: “Tínhamos a ideia, claramente, que o dinheiro canalizado para os sectores de mais baixo rendimento tem um efeito multiplicador mais elevado. Esse era o tipo de estímulos que estávamos a recomendar em 2008 e 2009 – transferir dinheiro para os pobres”.

A segunda mudança

Em 2009 as coisas começaram a não correr conforme previsto. O disparo do peso da dívida pública num PIB que continuava deprimido tornou-se evidente e, diz a investigação histórica, que, acima de 90% do PIB, tem um impacto duradouro no potencial de crescimento. Algum desse risco associado ao sobreendividamento público materializou-se em alguns países – os “periféricos” da zona euro – que atravessaram crises orçamentais agudas. “Em 2011, tomando em linha de conta que se tornava difícil manter a credibilidade orçamental prometendo mais e mais ajustamento, percebemos que o gradualismo nesse ajustamento era necessário sempre que possível”, disse Cottarelli aos presentes na conferência.

Essa verificação partiu de duas constatações, explicou o italiano. A primeira tem a ver com o agora famoso multiplicador orçamental de curto prazo, que “nas atuais circunstâncias” se revelou ex post muito mais alto do que se previu ex ante. As projeções de crescimento no quadro de planos de austeridade foram otimistas. O impacto negativo da austeridade foi muito maior do que o previsto no PIB, no emprego, no investimento e no consumo.

Esse erro de subestimação foi levantado, como já referimos, pelo conselheiro económico do FMI, Olivier Blanchard, primeiro numa nota técnica no “World Economic Outlook” de outubro do ano passado e já este ano num artigo mais desenvolvido que, também, foi apresentado nesta conferência em San Diego. “Em princípio, seria preferível adiar o ajustamento orçamental até a um momento futuro em que houvesse bastante procura por parte do sector privado”, sublinhou Cottarelli. A segunda constatação vem em cadeia: o ajustamento realizado tornou-se contraprodutivo.

Carlo Cottarelli levantou ainda outro problema que merece estudo – o facto de estarem a ocorrer ajustamentos em simultâneo em vários países. Qual será o impacto do multiplicador a médio prazo fruto desta conjugação, eis uma questão que deixou perante a assistência de economistas de todo o mundo.

Jorge Nascimento Rodrigues (Rede Expresso)
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