O poder do Parlamento

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Numa ocasião em que se celebram os 42 anos da Revolução de Abril e em que o Brasil está a atravessar um período de grande turbulência política, gostaríamos de sublinhar o nosso orgulho numa das nossas grandes conquistas democráticas; o poder do Parlamento como factor nuclear da nossa democracia, em contraste com a triste realidade que representa a Câmara dos Deputados brasileira.

Sabemos que ainda há muito para fazer no plano económico e social, que o nosso país tem graves problemas estruturais e que continuam a existir gritantes desigualdades, que estamos longe de irradicar a miséria e a pobreza e que o fenómeno da corrupção tem vindo a alastrar. No entanto, há um valor, simbolizado pela Assembleia da República, eleita por sufrágio directo e universal, que nos é muito querido e marca toda a diferença entre uma democracia e qualquer outro poder autocrático que não emane directamente do voto popular. Esta é, sem dúvida, uma das grandes conquistas do 25 de Abril.

Vem isto a propósito, por um lado da celebração da nossa Revolução e, por outro, do triste espectáculo a que tivemos oportunidade de assistir, em directo, via TV, na Câmara dos Deputados do Brasil, a propósito do pedido de ‘impeachment’ de Dilma Roussef.

A Câmara que devia ser a casa da democracia brasileira, mais parecia um circo, onde se exibiam cartazes, se intimidavam os deputados da minoria que estavam contra o impeachment, onde choviam os insultos e os apupos, numa manifestação de baixo nível político, onde a esmagadora maioria das declarações de voto assentava na triologia, Deus, Pátria e Família e onde um tal Bolsonaro teve mesmo a ousadia de fazer a apologia da ditadura, dedicando o seu voto ao torturador de Dilma.

E o mais lamentável é que quase não ouvimos um argumento válido para justificar o processo de afastamento da presidente, pelo simples facto de que ela, efectivamente, não cometeu nenhum crime de responsabilidade, mas tão só uma manobra contabilística, como fazem muitos governos de outros Estados brasileiros e até mesmo muitos executivos, em Portugal e na União Europeia, transitando resultados e operações financeiras de um ano para o outro, para iludir o déficit. E sem crime, este afastamento de Dilma, à luz da constituição brasileira e aos olhos da comunidade internacional, não passa, de facto, de um golpe de Estado. Mas o surrealismo deste processo é de tal ordem, que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha e Michel Temer, que se perfila para tomar o lugar de Dilma, estão eles, sim, indiciados por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e várias dezenas dos deputados que votaram a favor do impeachment estão também acusados de crimes de corrupção. Até parece anedota mas não é. Uma deputada que declarou votar em nome da competência e honestidade do marido, um governante de Minas Gerais, tomou depois conhecimento, que o marido tinha sido detido, no dia seguinte, por alegados crimes de corrupção.

Não é por acaso, que sendo a única saída legítima e constitucional para o grande impasse que vive actualmente o Brasil, quase dividido ao meio, eleições presidenciais antecipadas, pouquíssimas são as vozes que as defendem.

Entristece-nos que um país com quase 200 milhões de habitantes, com enormes recursos naturais, onde temos muitos e bons amigos, corra o risco de voltar a viver uma nova ditadura, depois de mais de três décadas de democracia.

O que não falta são Bolsonaros à espreita de uma oportunidade.

 

 

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