Eliérico Viegas: Haverá despedimentos coletivos se os apoios não chegarem depressa

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Nascido há 70 anos em Paderne, Albufeira, e após 54 de carreira na hotelaria, Elidérico Viegas vive hoje nos antípodas do que é a sua postura pública habitual: “Perante esta realidade, não consigo ser otimista”, confessa ao JA. Ciente de que é preciso “dar o corpo às balas”, não nega, contudo, as dificuldades que se aproximam. E que a recuperação será lenta. Talvez lá para o próximo ano turístico haja alguma retoma, vaticina o homem que “não gostava de ter dado esta entrevista”, como confessou após o diálogo. Uma entrevista à distância e em regime de teletrabalho

JORNAL do ALGARVE (J.A.) – A AHETA apresentou ao Governo uma lista de exigências para salvar as empresas hoteleiras. Acha que o Governo tem condições financeiras para satisfazer reivindicações tão exigentes como a suspensão do pagamento de contribuições, taxas, pagamentos para a Segurança Social e impostos por um período de seis meses ou um período de carência de dois anos e juros de 1% para o crédito às empresas?
ELIDÉRICO VIEGAS (E.V.)
– Vai ter de ter. Não tenho dúvidas sobre isso. Acho até que estas medidas vão ser insuficientes para esbater os efeitos terríveis causados por esta crise mundial. Muitas outras terão de ser aprovadas, e quanto mais depressa melhor.
Enfrentamos uma guerra civil mundial: Homem versus Inimigo Invisível – um vírus invasor, fazendo lembrar as histórias aos quadradinhos da minha juventude ou um filme de ficção científica.
O País não está sozinho, nós não estamos sozinhos. Integramos um espaço económico comum alargado, somos beneficiários ativos da solidariedade dos restantes estados membros. O anúncio do Banco Central Europeu injetando 750 mil milhões de euros na economia da União Europeia, coisa nunca vista, é prova disso mesmo. Contudo, torna-se urgente fazer chegar os apoios aprovados às empresas rapidamente, a cura não pode chegar depois da morte.

J.A. – Receia que esta crise venha a ser pior do que a que as empresas e a economia enfrentaram de 2011 a 2014?
E.V.
– A crise actual não tem paralelo. A crise de 2011 a 2014 foi essencialmente de cariz financeiro, enquanto esta é transversal e, por conseguinte, mais abrangente, envolvendo todos os setores da vida e da sociedade à escala mundial. É a economia global que está em causa. Esperamos que o sistema financeiro, tão abalado pela crise anterior, cumpra agora o seu papel, assistindo as necessidades impostas pelas exigências da economia.

J.A. – Estamos à beira de números (e realidades) catastróficos? O pior ano turístico de sempre?
E.V.
– Sim, uma vez que a dimensão da atividade turística é atualmente nuclear e determinante, quer para a economia regional, quer para a economia do País e, acima de tudo, para a vida dos cidadãos. O Turismo é o maior sector exportador nacional e o que mais gera bens transaccionáveis, sobretudo o Turismo do Algarve.

J.A. – Há 40 anos, durante a Revolução, quase deixou de haver Turismo no Algarve…
E.V.
– É verdade, aquando da Revolução de Abril, em 1974, o Turismo cessou por completo durante o período mais conturbado de 74, 75 e 76, mas tratava-se de uma crise conjuntural. Reposta a normalidade, tudo começou a funcionar novamente, apesar dos distúrbios económicos e financeiros causados pela instabilidade revolucionária do PREC – Processo Revolucionário em Curso, nomeadamente durante o Verão Quente de 1975.

J.A. – Quais eram as perspetivas para este ano turístico antes da crise?
E.V.
– Antes da crise, as perspetivas apontavam para um ano mais ou menos idêntico ao ano anterior, quer em termos de taxas de ocupação quer em matéria de resultados económicos. O Turismo tinha entrado em velocidade de cruzeiro, após a crise internacional de 2008 e anos seguintes, nada fazendo prever a catástrofe que atravessamos.

J.A. – Como é que interpreta a reacção do Governo ao rumo desta doença? Foi demasiado lento, como criticam alguns?
E.V.
– Penso que o Governo, atendendo às circunstâncias, vem fazendo o que pode e sabe. O mundo todo chegou atrasado ao problema e, sobretudo, às soluções. Neste particular, não estivemos piores do que os outros, talvez tenhamos sido até mais eficazes em algumas áreas. Mas precisamos ser mais ambiciosos, nomeadamente em matéria de medidas económicas necessárias para enfrentar e suster o impacto demolidor de uma crise sem precedentes.

J.A. – Não corremos o risco de, para nos proteger, da perspetiva sanitária, deitar tudo a perder, do ponto de vista económico?
E.V.
– Sim, temos que ter cuidado. Como afirmou o nosso Presidente da República, não podemos deixar morrer a Economia, sobretudo a que está mais vocacionada para gerar riqueza para o País, como é o caso do Turismo, atendendo à sua capacidade para gerar bens transacionáveis, de que o Algarve é o expoente máximo. Agora, mais do que nunca, é necessário reconhecer que o Algarve é a maior e mais importante região turística portuguesa, necessitando, por isso mesmo, de apoios e medidas específicos para enfrentar e esbater com sucesso os efeitos negativos desta calamidade universal. O sucesso do Algarve é o sucesso do País. Em tempo de guerra, todos somos chamados a combater. O governo deve governar, mas somos nós que temos de dar o corpo às balas.

J.A. – Andou bem o Governo em fechar fronteiras e suspender voos, tudo aquilo de que um hoteleiro, alguém ligado ao Turismo, menos quer ouvir falar?
E.V.
– É verdade. Mas o que tem de ser tem muita força. Nesse aspeto temos de concordar com as ações do Governo, por muito que isso contrarie os nossos princípios e desígnios. A vida humana está em primeiro lugar e não pode ser substituída. É verdade que a economia é essencial à vida das pessoas, mas sem pessoas não há economia. Em primeiro lugar estão sempre as pessoas, o resto vem a seguir.

J.A. – Sendo o Turismo (por exemplo no Algarve) um fenómeno internacional envolvendo vários países e havendo várias velocidades de evolução e mitigação da pandemia, não receia que as ondas de choque da crise sejam mais acentuadas no setor turístico do que em setores mais fechados ao exterior? (no Reino Unido, nosso principal emissor turístico, a pandemia mal começou…)
E.V.
– O setor turístico é uma atividade de pessoas para pessoas em que o fator humano desempenha um papel mais determinante do que em outros setores económicos. Neste sentido, em situações de crise, o Turismo é sempre o setor afetado em primeiro lugar. Porém, historicamente, é também o primeiro a recuperar nas fases de retoma. Os nossos receios vão para o facto de se tratar de uma crise à escala universal, o que vai, não tenho disso qualquer dúvida, abalar a lógica comercial instalada no negócio turístico, designadamente no que se refere à estabilidade dos atuais circuitos comerciais, ou seja, canais de comercialização e distribuição, transportadores, fornecedores de serviços, etc. As nossas preocupações centram-se, precisamente, no facto de o nosso principal fornecedor de turistas, o Reino Unido, ir enfrentar uma pandemia à dimensão do próprio País e, portanto, muito elevada e cujas consequências e impactos são difíceis de avaliar com rigor, designadamente ao nível do poder de compra dos britânicos e da viabilidade económica de Operadores Turísticos, Companhias Aéreas, etc.

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J.A. – Obviamente, seja qual for a evolução da pandemia, o Verão turístico não sairá incólume dos dias que vivemos. Estamos à beira de um Verão catastrófico?
E.V.
– Estamos a viver um pesadelo jamais sonhado. Trata-se, de facto, de uma catástrofe difícil de interiorizar e, sobretudo, de aceitar. O encerramento de muitas unidades hoteleiras, embora temporário, vai causar efeitos devastadores no emprego, no investimento público e privado, na economia em geral e em todos os aspectos da vida e sociedade mundiais. Está em causa a vida tal como a conhecemos. Não me parece que estejamos a viver apenas uma situação passageira, onde passados alguns meses tudo regressa à normalidade anterior. Perante a realidade em presença, não consigo ser optimista.

J.A. – Mas será que vamos ter uma rápida recuperação, ainda a tempo de salvar o verão?
E.V.
– Não. Quer queiramos quer não, o Turismo está suspenso por tempo indeterminado e sem fim à vista. Embora as previsões apontem para uma recuperação dentro de três meses, a retoma será lenta, muito lenta. É minha convicção que a retoma só vai iniciar-se com o início da época turística do próximo ano.

J.A. – As crises, as dificuldades, por natureza, motivam a associação, a união. Também no caso desta pandemia os associados da AHETA se uniram em torno da associação?
E.V.
– As associações não estão imunes a situações desta natureza, antes pelo contrário, sentem, mais do que ninguém, as dificuldades, as incertezas, as angústias e o desespero dos seus associados perante a incapacidade em ultrapassar o problema, incluindo a responsabilidade social que todos temos com os nossos colaboradores. A associação tem de funcionar como um pivot entre as empresas e os poderes instituídos, especialmente o Governo, tendo em vista atenuar e esbater os efeitos negativos provocados por um terramoto destruidor como este.

Acresce que a AHETA depende, exclusivamente, das receitas provenientes das quotizações dos seus membros, a sua única fonte de receitas, contrariamente ao que acontece com a generalidade das restantes estruturas associativas. A nossa viabilidade só é possível se os nossos associados também forem viáveis.

J.A. – Mas pode o associativismo, a própria AHETA, sair mais forte desta crise?
E.V.
– O que está em causa não é a AHETA sair mais forte ou mais fraca destacrise, mas antes contribuir para que as empresas suas associadas consigamesbater os seus problemas. Não são os sócios que estão ao serviço da associação, é a associação que está ao serviço dos seus membros. Porém,neste, como em outros casos, temos de reconhecer o papel que a AHETA pode e deve desempenhar na representação e defesa dos interesses empresariais do Turismo do Algarve.

J.A. – Como têm reagido os hoteleiros algarvios? Tardaram em perceber a real dimensão do problema, ou cedo entenderam que se estava perante um fenómeno global e de consequências alarmantes e imprevisíveis?
E.V.
– Penso que todos demorámos a perceber a verdadeira e real dimensão da pandemia. Como acontece com todos os cataclismos, este também não anunciou a sua chegada, surgiu de forma inesperada e cruel. Apesar de tudo, deu para perceber, quase de imediato, que estávamos perante um desastre sem precedentes, cujos impactos seriam implacáveis e devastadores.

J.A. – Em caso de necessidade, estão os hoteleiros do Algarve disponíveis para ceder algumas instalações hoteleiras para acolhimento a casos suspeitos e/ou confirmados de Covid-19 ou a profissionais de saúde? À semelhança do que está a acontecer em duas unidades hoteleiras de VRSA? Está a AHETA disposta a aconselhar os seus associados a disponibilizar instalações?
E.V.
– Sim, muitas unidades já se disponibilizaram para colaborar, através,nomeadamente, da cedência das suas instalações às autoridades de saúde. Os termos são aqueles que as autoridades considerarem os adequados e ajustados às diversas situações em presença. Há ofertas de hotéis e empreendimentos em toda a região, de Sagres a VRSA.

J.A. – Perante a liminar paralisia da atividade turística na região haverá empresas que não vão resistir, mesmo com as ajudas estatais?
E.V.
– Sim. Muitos não vão resistir. Antecipar cenários nesta altura pode parecer prematuro, mas não vale a pena esconder a dura realidade e as suas consequências, quer ao nível de insolvências de empresas, quer no que se refere a um aumento exponencial do desemprego, quer ainda na redução da riqueza e do poder de compra das famílias e de todos.

J.A. – Qual será o efeito desta crise no emprego? Será maior nos despedimentos ou na não contratação de boa parte dos milhares de trabalhadores sazonais que tradicionalmente inundam o mercado de trabalho no Verão?
E.V.
– Se o Estado não criar apoios financeiros às empresas para que estas possam continuar a assegurar os postos de trabalho, mesmo em condições precárias, como o lay-off, por exemplo, estas serão forçadas a extinguir os postos de trabalho e a despedir a maioria dos seus trabalhadores. Estamos perante a iminência de despedimentos colectivos se os apoios não chegarem urgentemente às empresas. Em boa verdade, o sector tem-se debatido nos últimos anos com uma falta de mão de obra generalizada, quer em quantidade quer em qualidade. O recurso, em massa, a subsídios de desemprego seria arrasador para a economia e para o erário público, com consequências financeiras incalculáveis e difíceis de suportar para qualquer Estado.

J.A. – E neste momento, já há despedimentos?
E.V.
– Não sei dizer, mas não tenho dúvidas de que vai haver, muito mais cedo do que se possa imaginar e numa escala impensável ainda há duas semanas.

J.A. – É verdade, como diz o Sindicato da Hotelaria do Algarve, que há patrões do sector que estão a impor férias aos seus trabalhadores?
E.V.
– É necessário o acordo dos trabalhadores para a antecipação integral do gozo de férias. Na falta de acordo, o Código do Trabalho estipula que o empregador só pode marcar metade do período de férias fora do período que vai de 1 de maio a 31 de outubro. Gozar férias neste período conturbado é um mal menor, já que os trabalhadores continuam a vencer o salário normal por inteiro, enquanto se forem objeto de lay-off, baixa médica e, em última análise, despedidos, só vão auferir 66% do vencimento.

J.A. – A recuperação turística será lenta, ou parece-lhe que a imposição de “prisão domiciliária” a milhões de pessoas em toda a Europa (e no mundo) acabará por ter um efeito libertador, uma vez debelada (ou extinta) a pandemia e, consequentemente, toda a gente desatará a ter férias e viajar (tipo efeito de destapar a panela de pressão)?
E.V.
– As pessoas vão continuar a viajar, mas a recuperação dos negócios turísticos será morosa e difícil. E isto porque vai ser preciso restabelecer a confiança nos novos circuitos comerciais que, fatalmente, vão emergir desta crise e sem os quais o negócio não funciona. É preciso termos bem presente que o Turismo contemporâneo se afirmou em pouco mais de 50 anos como a maior actividade económica mundial. Isto só foi possível porque o negócio turístico em todas as suas vertentes sustentou-se numa forte base de confiança entre os diferentes agentes económicos envolvidos.

J.A. – Acha que vai mudar alguma coisa, vamos aprender com esta crise?
E.V.
– Estou certo de que esta catástrofe vai dar origem a uma nova ordem turística mundial, onde as novas tecnologias, como a Internet, por exemplo, desempenharão um papel decisivo e determinante, como a economia partilhada, a economia digital, negócios online, etc. etc. Por outro lado, o peso do “independent traveller” na procura de férias vai acentuar-se muito mais no futuro próximo, face ao desmoronar da lógica comercial existente no negócio das viagens e Turismo em todo o mundo. Mais, a nova ordem económica mundial, em construção, vai acelerar de forma gradual e exponencial, rumo a uma sociedade mais igualitária, humanista e solidária, mas também mais seletiva e competitiva.

J.A. – Já tem ideia dos prejuízos reais que as empresas sofreram nestas curtas semanas de crise?
E.V.
– Não faço a mínima ideia. Não estamos em tempo de balanço. Estamos na fase de somar prejuízos. E estes aumentam a todos os minutos, a todas as horas e todos os dias. O que posso dizer é que o alojamento turístico classificado oficialmente no Algarve gera uma faturação bruta à volta de 1,2 mil milhões de euros anuais e que a região contribui com um valor estimado de 6,5 a 7 mil milhões de euros de bens transaccionáveis para a rubrica viagens e Turismo do Banco de Portugal.

J.A. – O que é que mudou na sua vida com esta crise?
E.V.
– Passava bem sem isto. Não esperava, após 54 anos de carreira, ser confrontado com uma crise desta natureza e grandiosidade e, muito principalmente, com contornos tão nefastos e lesivos para toda a humanidade a todos os níveis. Esta entrevista constitui bom exemplo da minha nova condição, teletrabalho, à semelhança do que, aliás, acontece um pouco por todo o País, As saídas precárias impostas pelo Estado de Emergência são para adquirir os bens essenciais e de primeira necessidade, estando confinado à minha residência e, como sempre, ao serviço do Turismo, do Algarve, do País e dos interesses empresariais e turísticos da região, princípios aos quais tenho dedicado a maior fatia da minha vida. O mundo parou, mas a humanidade está superiormente obrigada a cumprir o seu desígnio – progredir e continuar a viver rumo ao futuro. Essa é a regra que alimenta as nossas almas e aquece os nossos corações.

João Prudêncio

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