Ao correr da pena: A pandemia do nosso descontentamento (SARS-CoV2)

Chegou há menos de um ano ao nosso conhecimento e já foi objecto de tudo: do desprezo mais bacoco à sobranceria mais incoerente, da acusação de ser produto da falta de cuidado no manuseamento de ensaios laboratoriais a produto de mentes torpes, e até já foi dado como inexistente. Tem sido tanto objecto de medos irracionais como de pouco imaginativas de teorias da conspiração. No entanto, a sua chegada tinha sido repetidamente anunciada por todos os que se dedicam ao controle e combate de epidemias virais. Falo, naturalmente, do SARS-CoV2 mais comummente chamado de Novo Corona Vírus.

Na verdade, todos os especialistas já tinham anunciado que estava para chegar um novo vírus com consequências imprevisíveis e eventualmente devastadoras: não se tratava de saber se chegaria ou não, mas tão só, quando! O facto de poder ser um vírus novo, colocava-o de imediato sob o risco do grande ou mesmo do total desconhecimento de como poderia ser combatido. E foi exactamente o que aconteceu! O SARS-CoV2 é um vírus completamente novo sobre o qual as vacinas existentes não têm qualquer efeito.

Tudo o que hoje se faz, a forma como é combatido, era há um ano desconhecido. Não se sabia o que seria nem como seria. As epidemias são como com os sismos: sabemos que virão, só não sabemos quando, nem como, nem com que intensidade. Tal como nos sismos, sabemos que podemos tentar minimizar as suas consequências através da prevenção.

Como? No caso dos vírus, poderemos e deveremos proteger-nos de antemão colectivamente melhor, com sistemas de saúde mais eficazes e mais bem equipados. Foi o que tentou fazer Barack Obama nos Estados Unidos com a tentativa de instituir um sistema global de saúde (a que se tem chamado Obamacare) semelhante aos sistemas que desde há muito vigoram na Europa (NHS no Reino Unido ou SNS em Portugal, por exemplo) e um pouco por todo o Mundo. Foi o reforço de meios que António Costa tem vindo a introduzir no nosso SNS de que agora estamos a ver resultados.

Nos países que não têm sistemas de saúde públicos, as consequências têm sido devastadoras, como no Brasil ou nos Estados Unidos, onde o Presidente Trump, mal chegou à presidência, se apressou a destruir encarniçadamente o legado de Obama, argumentando que era um sorvedouro de dinheiro injustificado, mas não o substituindo por nada. Ficaram assim nos Estados Unidos largas faixas da população americana à mercê do vírus cuja perigosidade ele tem tentado, sem sucesso, minimizar, como é visível nos tempos que vão correndo.

No meio da maior pandemia de que há memória nos últimos 100 anos, os sistemas de saúde desde equipamentos e materiais a médicos, enfermeiros e assistentes de todo o tipo, estão a ser testados ao limite ou colapsam, sem que a pandemia dê sinais de qualquer abrandamento. É necessário, é urgente, que tentemos achatar a célebre curva de infecções, para que os sistemas não colapsem até que as vacinas que se preparam possam entrar em utilização. Para tal, é imperativo que usemos máscaras, lavemos frequentemente as mãos e evitemos ao máximo os contactos sociais. Estes são os únicos métodos para já comprovadamente eficazes de combate à disseminação da doença. E é a parte que nos cabe no achatamento da curva.

Nunca foi tão fácil conseguir tal objectivo: os meios informáticos e de comunicações permitem agora a muitos trabalharem a partir de casa, reduzindo drasticamente o número de contactos potenciais e facilitando a vida daqueles que, não o podendo fazer, ficam com as ruas e os transportes mais desimpedidos. Mas para tudo isto é essencial que todos rememos para o mesmo lado, o que não tem acontecido.

O caso de Trump é paradigmático de um comportamento errático, egocêntrico e inconsistente, exclusivamente pautado pela ânsia de se manter no centro de todas as notícias e de voltar a ser eleito o que, como se sabe, nem com todas as mentiras em que induziu o povo americano, conseguiu. Com esse comportamento absolutamente inconsequente, comprometeu tudo e todos, colocando o seu país numa das mais dramáticas situações possíveis: a de campeão das infecções sem fim à vista! Neste desiderato, foi seguido por Bolsonaro para quem tudo isto não é mais que uma “gripezinha”. Mesmo depois dessa “gripezinha” já lhe ter levado familiares, por entre os milhões que por lá já foram infectados! E estes são só dois exemplos!

O Mundo nunca mais será o mesmo depois desta pandemia: dela ficarão os traumas dos atingidos tanto fisicamente como psicologicamente, bem como todos os que viram a sua vida virada do avesso pela brutal paragem a que o Mundo foi obrigado, tal como aconteceu com a outra grande epidemia antes desta, há pouco mais de 100 anos, da “gripe espanhola” como por cá ficou conhecida. No rescaldo de uma guerra europeia (a Iª Grande Guerra), a gripe espanhola atingiu muito duramente largas massas de pessoas e todo o sistema produtivo de então. Nesse tempo, os meios de combate eram muito mais rudimentares que hoje, e a transmissão de informação, muito reduzida.

No entanto, esta pandemia ficará para a História também porque alguns dirigentes políticos sem escrúpulos tentaram utilizá-la como trampolim político e para tal não hesitaram em lançar-se contra quem efectivamente tentava saber o que estava a acontecer: os cientistas e investigadores. Assim geraram deliberadamente o caos criando notícias falsas, agitando fantasmas, acicatando ódios raciais e reavivando teorias supremacistas comprovadamente falsas, assim impossibilitando que todos “remassemos para o mesmo lado”, facilitando o combate a nível mundial. O que conseguiram foi atrasar o combate contribuindo para o aumento das proporções da pandemia, além da descredibilização de si próprios e do que mais adiante se verá, porque a sua acção ainda não terminou e poderá vir a ser tão danosa quanto a própria pandemia. Esperemos que não!

Fernando Pinto

Arquiteto

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