CHUA: Novo diretor clínico assegura que hospitais estão longe da rutura

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Horácio Guerreiro, 65 anos, é desde 18 de novembro o novo diretor clínico dos hospitais do Algarve, no quadro das mudanças de topo do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, (CHUA). Gastroenterologista de formação e prática, é um homem da casa e passou por vários cargos diretivos desde que entrou no antigo edifício do Hospital de Faro, a 1 janeiro de 1979, há quase 42 anos. Em entrevista ao JA faz o balanço da situação, a meio desta segunda vaga de covid. Considera que os hospitais de Faro e Portimão estão preparados para os tempos que aí vêm, desde que não haja nenhuma calamidade imprevista. A ponto de poder receber doentes de outras regiões, em caso de necessidade. Garante que, no Algarve, não se está a adiar a atividade programada por causa do covid. E que as urgências nunca estiveram tão desimpedidas como agora…

JORNAL do ALGARVE – Na mensagem de Facebook em que anuncia o seu novo cargo dá a entender que o aceitou porque não havia mais ninguém para ele, que “não é uma pérola dourada”. Porque se sentiu obrigado a aceitá-lo?

Horácio de Guerreiro – Não se convida para diretor clínico qualquer um. Tinha havido um convite a duas pessoas, uma das quais eu sugeri. Perante as recusas, voltaram a falar comigo. Não é que me considerasse não preparado para o cargo, mas era porque a minha vida profissional, que está a chegar ao fim da carreira, abdicar da clínica privada e dedicar-me em exclusivo ao cargo de diretor clínico não era muito aliciante. Mas como sou uma pessoa da casa, gosto do hospital e exerci muito cargos no hospital e sempre estive muito ligado ao pensamento da saúde, na Ordem dos Médicos, estive ligado à programação do novo hospital. Quem primeiro publicou um artigo em 1999 sobre o novo hospital no JORNAL DO ALGARVE fui eu. Intitulava-se “2004, desafio para um novo hospital”. Sou um homem ligado ao pensamento da saúde na região.


JA – Destes 40 anos que já leva de Hospital de Faro sentiu-se muitas vezes impotente, ou revoltado, ou injustiçado, por decisões de antigos diretores clínicos?


HG – Não, nem revoltado nem injustiçado. Cada diretor clínico faz o melhor que sabe em favor da instituição. Obviamente, com muitos eu tive divergências de opinião mas como funcionário cabe-me respeitar a vontade da hierarquia. Uma coisa é fazermos a nossa crítica, outra coisa é o dever de cooperação e lealdade de um funcionário. Eu desempenhei vários cargos, fui diretor de serviço 17 anos e como diretor não posso ser opositor do concelho de administração.


JA – Neste contexto de pandemia em que vivemos, como vai ordenar os sentimentos com que descreveu a sua aceitação do cargo e como os justifica, qual o mais importante? Orgulho, humildade, sentido de serviço e honestidade?


HG – Essa declaração espelha a minha maneira de estar. Sempre assumi a minha carreira com humildade. Sou um médico de projeção nacional, estive em muitos eventos internacionais da minha especialidade, tive uma posição de relevo profissional. Apesar de eu estar aqui, não sou um provinciano no exercício da medicina. Fiz publicações em congressos norte-americanos, etc. Mas há que ter a humildade que compete a qualquer médico, porque mesmo quando fazemos as coisas bem nem sempre os resultados são bons e há que ter este espírito de humildade. É um orgulho ser um médico da casa, é um culminar técnico, o topo máximo da carreira. No meu caso, passei os concursos todos da carreira médica. Fui diretor de departamento várias vezes, ser diretor clínico também é um motivo de orgulho para o meu empenho ao longo destes anos todos. Quem me conhece sabe que sou um homem de rigor, de defesa acérrima dos interesses da instituição, mesmo do ponto de vista económico, sou um homem da transparência, digo sempre aquilo que penso, não sou uma pessoa que se esconda. Para mim há também um sentido de dever, conheço muito bem o meio. E tenho o dever de contribuir, numa época particularmente difícil. Conheço as dificuldades do cargo e sei que tem muito desgaste, muito stress. O diretor clínico tem que dar a cara quer perante os doentes quer perante os profissionais. E como muitas soluções não dependem nem do diretor clínico nem sequer do conselho de administração, do ponto de vista financeiro, por exemplo, ou dos recursos humanos – que ou não existem ou estão mal distribuídos – e isso não está na nossa mão. Mas somos sempre responsabilizados.


JA – Os anteriores titulares tiveram muitas dificuldades na gestão do covid. Sente-se confortável com essa herança do seu antecessor?


HG – Não houve grandes conflitos. O diretor clínico do conselho de administração anterior (não o imediato, que esteve só dois ou três meses) preparou as coisas. Em todo o mundo as pessoas assustaram-se com o covid, que também se revelou devastador em termos económicos, e as pessoas preocuparam-se em fazer um plano de contingência atempadamente, delinearam uma estrutura hospitalar que desse resposta e eu penso que o hospital trabalhou muito bem nisso. Mesmo a falta pontual, logo no início, de equipamento, de proteção individual, não se vai pôr em risco os profissionais, isso foi ultrapassado e viemos dar um impulso dessa preparação que o hospital neste momento está muito bem preparado para enfrentar a contingência covid e estamos com capacidade até, se as coisas não se descontrolarem demasiado, de manifestarmos a nossa solidariedade e podermos acorrer àqueles que estão com mais dificuldades do que nós. Temos um plano de ação de contingente em várias fases, mobilizámos o pessoal para isso, em termos de estratégia estamos preparados para os tempos que aí vierem desde que não seja uma situação calamitosa. Porque se for ninguém estará preparado.

CHUA

JA – Há queixas de alegado excesso de atenção e cuidados prestados aos doentes covid em detrimento dos cuidados aos restantes pacientes. Neste contexto de pico, ou planalto, acha que é possível fazer melhor e evitar essas queixas? E agora, acha que elas têm razão de ser?

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HG – Num período inicial, desde março até junho, houve muitas atividades que ficaram suspensas e foram diminuídas por causa da ameaça covid. Desde que eu estou em funções é nossa determinação não cancelar a atividade programada. Neste momento não há nenhum cancelamento dessas atividades. Pelo contrário, estamos a recuperar a atividade, estamos com um grande esforço, fazer um acréscimo na recuperação das listas de espera, quer para consultas quer para cirurgias, quer no bloco central quer no ambulatório. Não fazemos mais porque temos carências de algumas especialidades, como por exemplo a oftalmologia. As pessoas têm motivo de queixa para esse atraso mas ele não tem a ver com a nossa ação atual. Estamos a aumentar a oferta, não cancelámos nenhuma atividade programada. Só temos alguma precaução em algumas cirurgias que venham a carecer de cuidados intensivos, para não esgotar a capacidade da UCI (Unidade de Cuidados Intensivos).


JA – Um doente de outro tipo de enfermidade não tem razões de queixa quando chega às urgências?


HG – Muito pelo contrário. Neste momento os doentes covid, por uma questão de segurança – têm que fazer o teste – têm mais dificuldade em fazer os exames complementares. Para meter um doente covid num TAC implica ter o TAC parado mais de uma hora, para desinfeção, etc. Temos que selecionar os períodos de maneira a não prejudicar os outros doentes. A afluência às urgências diminuiu. E neste momento os tempos de resposta da nossa urgência são inferiores ao que é habitual nos períodos não covid. Inclusivamente neste momento não há doentes em maca nas urgências, como havia.

JA – Isso tem a ver com o receio das pessoas em frequentar o meio hospitalar, certo?


HG – Claro. Porque as verdadeiras urgências continuam a vir. O Hospital responde desde longa data a problemas cardiovasculares, sepsis, há vias verdes para isso e com respostas muito rápidas. O que diminuiu foram as falsas urgências, pessoas com dor de dentes ou uma tosse, por exemplo. Pessoas que vinham à urgência e agora evitam.


JA – Agora que o Hospital está na 2ª fase do combate à pandemia, há mais camas para os doentes covid? Quantas havia e quantas há? E na UCI?


HG – Não tenho de cor números exatos, mas temos um plano de contingência em várias fases. Uma fase 1 com 30 camas de enfermaria covid em Faro e 10 em Portimão. Na fase 2 duplicamos essa capacidade.

JA – Mas já entrámos na fase 2


HG – Sim, mas em Faro acabámos por recuar porque o número de doentes internados baixou, está abaixo de 30. Emborta tenhamos a equipa médica constituída e as camas disponíveis, não tivemos a necessidade de ocupar as 30 camas. Claro que depois temos outras fases. Na fase 4 teria o Pavilhão do Arade…


JA – Qual é o ponto da situação da UCI?


HG – Em Faro há 9 doentes covid internados mas temos capacidade para 18, números aproximados.


JA – E essa capacidade em camas pode continuar a aumentar?


HG – Sim, temos elasticidade para instalar doentes covid em detrimento de não covid e obviamente temos que diminuir camas a partir de uma certa fase. No entanto, de acordo com o plano de contingência, ocupámos um espaço sem camas ou com poucas camas dentro do hospital, transferimos doentes para o Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul, em São Brás, colocámos lá algumas camas, temos previsto, se vier a ser necessário, colocar mais 20 camas no departamento de psiquiatria.


JA – Isso é para doentes não covid, certo?


HG
– Sim, as camas covid têm que estar concentradas por causa do controlo infeccioso. Libertámos enfermarias não covid para colocar doentes covid, aumentando as camas para os não covid. Por exemplo, tínhamos uma ala de consulta externa e deslocámos para outros gabinetes onde libertámos 20 camas. Acrescentámos lotação à lotação habitual do hospital. Nós não sacrificámos camas para os não covid, nós encaixámos os covid sem diminuir as camas. Isto exceto na fase inicial, em que transformámos uma enfermaria de 30 camas não covid em covid.


JANas UCI puseram-se camas não covid ao serviço do covid ou aumentou-se o contingente global de camas sem prejudicar alas existentes?


HG – Aumentámos, fizemos um upgrade. Os cuidados intermédios passaram a ser intensivos e expandimos essa oferta. Temos capacidade para o fazer novamente.


JA – Os médicos e enfermeiros têm chamado a atenção para a falta de recursos humanos nos hospitais do Algarve. Quantos desses profissionais foram contratados já no contexto de pandemia? Os existentes são agora suficientes para as necessidades?


HG – Não lhe sei dar essa informação, sei que foram algumas dezenas de enfermeiros contratados, médicos não tantos. Mas nós não precisamos de equipas médicas. As equipas de cuidados intensivos, que exigem algum treino, são um pouco limitadas, mas nos hospitais há médicos que fizeram estágios em cuidados intensivos nas várias especialidades. O que estamos a fazer e faremos é envolver esses médicos com treino em UCI a colaborar nessas unidades. Sempre com um especialista em Cuidados Intensivos, mas eles também são capazes, por exemplo de fazer reanimação. Hoje temos muitos internos com treino em cuidados intensivos. Estamos portanto devidamente equipados. Mesmo no pavilhão do Arade temos capacidade para vinte doentes em ambiente de cuidados intensivos.


JA – Fala-se da possibilidade de uma terceiro vaga covid. O hospital de Faro vai estar preparado para essa eventualidade?


HG – Essa possibilidade resulta de as pessoas cumprirem as medidas de contenção e ficarem em casa ou cumprirem as restrições impostas. Há uma gestão política da epidemia que tem a ver com o equilíbrio entre a capacidade de resposta e o impacto económico da doença na sociedade. Se liberalizarmos os movimentos a doença virá a ter uma expressão maior. Se formos mais contidos, a doença terá uma expressão menor. Só temos que responder às previsões que venham a ocorrer em função desses eventos. Neste momento ainda estamos numa fase 1, ou 1,5. Temos previsto até à fase 4! Portanto no Algarve estamos bem preparados, bem estruturados para a terceira vaga, mas não sabemos qual a dimensão que a situação vai ter. Também temos que ter uma abordagem otimista no sistema de saúde no sentido de esperar que as vacinas venham a fazer algum efeito. Por outro lado, à medida que mais pessoas sejam infetadas, a possibilidade de novas infeções também irá diminuindo. Há um patamar. Mas estamos preparados.


JA – Para vários horizontes alternativos, é isso?


HG – Estamos preparados para todos esses horizontes. Temos um plano de contingência até à fase 4. Nós chegámos à fase 2 e até recuámos. Em último caso podemos transformar um hospital só em covid e manter o outro hospital. Mas isso é numa situação limite. Se for preciso 500 camas covid poderemos pôr toda a unidade de Faro covid.

João Prudêncio

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