Luxemburgo. Nem todos os portugueses queriam o direito ao voto

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O governo de Xavier Bettel saiu derrotado no referendo deste domingo, pois queria modificar a lei sobre o acesso à nacionalidade, tornando o caminho menos exigente e mais justo

Michou Weis, luxemburguesa de nascença e por herança, votou “um não mitigado” no referendo que decorreu este domingo. Defende que se os estrangeiros querem participar nas eleições legislativas devem primeiro obter a nacionalidade. Para Weis, esse é o critério para votar e não o facto de se viver no pais há pelo menos dez anos e se ter participado anteriormente em eleições municipais ou europeias, tal como propunha o referendo.

“Eles deveriam compreender ao menos o que nós discutimos em luxemburguês, porque gostaríamos que as discussões políticas acontecessem na nossa língua”, explica. Passar no teste de luxemburguês é condição incontornável para se obter a nacionalidade no grão-ducado.

O francês e o alemão são também línguas oficiais do Luxemburgo mas saber falá-las não basta. Para muitos estrangeiros, o luxemburguês é apontado como o grande entrave. É ensinado nas creches mas não nas escolas. Os filhos de emigrantes que nasceram no país ou que foram viver para o Luxemburgo muito novos conseguem aprendê-la facilmente. No entanto, quem chega numa idade mais adulta diz ter dificuldade.

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“Não me sinto à vontade para fazer o teste de língua”, diz José Coimbra de Matos. O porta-voz da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo, a viver no país desde 1987, diz que o resultado do referendo – 78,02% votaram não – “deixa um amargo de boca”.

“Aqueles que me representam não são escolhidos por mim”, diz Coimbra de Matos, classificando o resultado do referendo como “uma derrota para a democracia”. Acredita, tal como o governo do primeiro-ministro Xavier Bettel, que existe no Luxemburgo um défice democrático, uma vez que a população estrangeira representa 46% dos 565 mil habitantes.

A comunidade portuguesa é a que tem mais peso, ao representar 16% da população. De acordo com dados oficiais do governo luxemburguês, há 92 mil cidadãos de nacionalidade portuguesa no país. Se o sim tivesse ganho, abriria imediatamente a porta a 12 mil eleitores lusos. Um número que poderia chegar a 44 mil, se entretanto cumprissem o critério de ter votado nas europeias ou autárquicas.

Félix Braz é lusodescendente. Nasceu no Luxemburgo, aos 18 optou pela nacionalidade luxemburguesa – na altura ainda não havia a possibilidade de ter a dupla nacionalidade – e hoje é ministro da Justiça. Às 9h30 deste domingo, quando foi votar, alimentava a esperança de que o ‘sim’ pudesse vencer, mas mantinha também em aberto alternativas, caso o ‘não’ levasse a melhor.

“O governo já anunciou, há um ano e meio, que queria modificar a lei sobre o acesso à nacionalidade, no sentido de tornar o caminho mais fácil, mais simples, menos exigente, mais justo”, diz. Face à derrota nas urnas não terá outro caminho a seguir num futuro próximo. “Vou depositar um projeto-lei antes do verão sobre a nacionalidade”, promete.

Muitos portugueses gostariam de ter conquistado, este fim de semana, o direito a escolher o primeiro-ministro sem ter de pedir a nacionalidade. No entanto, não é uma vontade partilhada por todos. Rui Manuel, comerciante e a viver no Grão-ducado há 45 anos, surge como exemplo.

“Não há défice democrático, porque eles aceitam-nos como nós somos”, diz Rui Manuel, que apelida da ideia do referendo de “ridícula” e justifica que também não aceitaria que “estrangeiros pudessem votar em Portugal”, além de temer que o referendo venha a criar atritos entre nacionais e não-nacionais.

Rui Manuel não é caso único. Tal como não são pouco os exemplos de portugueses que podendo pedir a nacionalidade nunca o fizeram. Todos os que chegaram antes de 1984 – quando o luxemburguês se tornou língua oficial – podem pedir o estatuto sem fazer o teste de língua. Alguns por desconhecimento, outros porque querem apenas continuar a ser portugueses.

O próprio Félix Braz lamenta que os portugueses não exerçam o direito de votar na eleições municipais e europeias, quando têm direito a fazê-lo.

“Oitenta por cento dos portugueses ainda não se inscreveram para votar nas eleições que já estão abertas a todos os não-luxemburgueses, e é mais difícil falar de novos direitos quando os atuais não são utilizados”, acrescenta.

Por seu lado, Madeleine Kayser, da Câmara da Cidade do Luxemburgo, também lamenta o resultado mas diz que este não deveria ser lido como um voto contra os imigrantes. “Nós vivemos bem juntos. É preciso ver como podemos permitir uma maior participação política”, diz, referindo-se ao futuro.

O referendo foi, apesar do resultado, pioneiro. Não há nenhum país da Uniãon Europreia que permita que os não-nacionais participem nas eleições legislativas.

RE

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