Matadouro móvel satisfaz produtores

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Catorze anos depois da desativação do matadouro regional, o Algarve pode voltar em breve a ter, de novo, o seu “matadouro”, se vingarem os planos do Ministério da Agricultura. Mas o novo matadouro será móvel e em “formato camião”. Ou melhor, poderão ser dois camiões TIR, que irão às explorações agrícolas, onde abaterão os animais. Se tudo correr sobre rodas, a solução está para breve. Só falta o enquadramento legal, que já está a ser trabalhado. A hipótese agrada aos produtores

O futuro matadouro regional do Algarve pode vir a ser constituído por dois camiões TIR equipados com tecnologia de ponta, a instalar em pontos específicos como explorações pecuárias, onde se procederá aos abates de animais, apurou esta semana o JA junto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAP). Uma proposta que já está implementada em vários países europeus.


O expediente, cujo enquadramento legal está ainda em estudo, poderá suprir as necessidades que resultaram do fecho do matadouro regional situado junto à confluência dos concelhos de Faro e Loulé, desativado em 2006 na sequência da deteção de irregularidades legais pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), nomeadamente falta de higiene e asseio, linhas de abate oxidadas, falta de climatização na sala de desmanche e abastecimento de água às instalações através de um furo hertziano sem registos de qualidade, segundo rezam as notícias da altura.


O matadouro regional algarvio foi um dos primeiros do País a ser desativado, na sequência da publicação, em 2004, de legislação europeia designada “Pacote Higiene”, que vieram uniformizar os requisitos aplicáveis a matadouros a nível europeu. Este segundo pacote legislativo continuou a política de adaptação e melhoramento dos matadouros nacionais. Na sequência da sua publicação, desde 2010 para cá foram ficando inativos, cancelados ou suspensos 36 matadouros de ungulados (animais de casco nas patas) e 24 matadouros de aves e coelhos, segundo dados revelados ao JA pela Secretaria de Estado da Agricultura.


Serão precisamente essas estruturas, um pouco por todo o País, que poderão ser agora substituídas por camiões TIR, mais de uma década depois, caso venha a vingar a ideia que sentou há cerca de um mês à mesma “mesa” (uma mesa virtual, já que se tratou de uma reunião online) um grupo de trabalho na tentativa de viabilizar a legislação que permitirá essa solução.


“A ideia é ter um camião TIR todo equipado que chega a um determinado sítio, uma exploração, um concelho, tem um poiso com as condições higeo-sanitárias, faz lá o abate e faz logo a primeira desmancha das peças”, explicou ao JA o diretor regional da Agricultura do Algarve, Pedro Valadas Monteiro.

Dois camiões custam 800 mil euros


A constituição do grupo legislador foi o primeiro passo e daqui à concretização da ideia no terreno podem distar ainda alguns meses ou mesmo anos. “Não valeria a pena estarmos a pensar nessa solução quando nem há legislação nacional que dê cobertura a isso. Agora existe esse grupo de trabalho liderado pela DGRAD [Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural], que está a preparar as bases para esse enquadramento legal. A primeira reunião oficial foi no dia 17 de novembro. A partir do momento em que haja cobertura legal para o funcionamento dessas unidade móveis vai-se ver onde se vai buscar o financiamento”, explicita o diretor regional.


De acordo com o mesmo responsável, o custo de cada uma dessas unidades deverá rondar os 400 mil euros, pelo que no total o investimento nas duas unidades algarvias seria em torno dos 800 mil euros. A esta verba há depois que acrescentar as despesas com os veterinários, com o pessoal operador, os custos de funcionamento e estruturas sanitárias de limpeza e remoção de detritos, partes moles, sangue, peles e outros desperdícios, num montante ainda não determinado.


A questão das origens do financiamento é precisamente uma das muitas incógnitas da equação, reconhece Pedro Valadas Monteiro: “Havendo financiamento, teríamos que ver quem poderia apresentar uma candidatura. Se os municípios, a AMAL, ou apenas alguns municípios com maior produção pecuária, como Monchique Castro Marim, Alcoutim, Silves, Lagos. E depois, em função disso, a haver uma entidade que eventualmente ficasse responsável pela gestão do equipamento, se se optasse pela concessão a um privado”.

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A provável opção por duas unidades móveis, em vez de uma, deve-se à diferente gestão a fazer das matanças de grandes e pequenos mamíferos: “Têm diferentes resíduos, o camião tem contentores, tem que estar ligado ao sistema de recolha de cadáveres. Matar porcos e cabritos ou borregos são coisas diferentes. Poderá haver uma unidade para porcos, a que se poderiam juntar os bovinos, e outra para pequenos ruminantes [cabras e ovelhas]”.

Criadores unânimes na satisfação com o sistema

António Francisco Figueiras, presidente da Associação de Criadores de Gado do Algarve/foto Luís Forra


Do lados dos bovinos, o criador António Francisco Figueiras, 79 anos, presidente da Associação de Criadores de Gado do Algarve, garante que não se faria rogado perante a solução proposta: “Há 17 anos que luto por esses matadouros móveis, desde que acabou o matadouro. Hoje, os produtores levam os animais para Beja e litoral alentejano e outros sítios, mas eles não voltam. Para levar um animal a Beja dizem que são 150 km, eu não digo isso, digo que são 600 km: levar o gado, depois o carro vem para baixo vazio, depois vai um carro de frio buscar, após o abate, e depois vem para baixo. São 600 km. Não compensa”.


De acordo com as estatísticas oficiais, a região contava no final do ano passado com 8693 bovinos e também em 2019 saíram dos pastos algarvios 1322 cabeças de gado para serem abatidos noutras regiões. Após o abate, alguns até poderão ser consumidos no Algarve, mas poucos: a esmagadora maioria acabará em pratos de outras regiões portuguesas ou até no estrangeiro.


“Na OPP [Organização de Produtores Pecuários] temos 5000 bovinos e 20 mil pequenos ruminantes. Eu tenho quase 300. Não mando nada para abate, vendo tudo em pequeno, quando são ainda vitelos”, observa António Figueiras, explicitando que quase todo o gado bovino que sai do Algarve “para abate” acaba por não ser entregue diretamente no matadouro: ele é previamente engordado, ainda na fase de vitelo, e só depois é abatido e retalhado: “Geralmente vendemos os animais aos cinco meses, a comerciantes e esses comerciantes vendem os animais lá para cima [Centro e Norte]. Há tempos vendi a um senhor de Torres Novas que faz lá engordas e depois abastece vários talhos.


Sublinha que “só 2 ou 3 criadores é que mandam para abate, um talho em Portimão e outro em Faro. Depois levam para o matadouro no litoral alentejano e depois o dono do talho vai lá buscar. Faz isso já há muitos anos e quer manter aquela tradição de gastar animais do Algarve”, ressalva o criador da zona de Vila do Bispo.


“Além de perder o criador, a região como um todo também perde, porque essa mais valia podia ficar no Algarve. Por exemplo, nós aqui vendemos os vitelos aos cinco meses e os animais saem todos daqui para fora, para Vendas Novas, Malveira, Mafra, onde se fazem as engordas. E depois matam lá perto. E essa carne que aqui se produz, que é boa, vai ser consumida lá para cima. Mas se houvesse aqui o matadouro muitos talhantes consumiam a carne dos criadores. Um cabrito ir daqui para Beja, ser morto lá e depois vir para baixo, nessas andanças em quanto é que isso fica? E as pessoas não consomem cabrito no Algarve porque não há. Ou consomem mas a um preço muito elevado”, enuncia o criador.

Vende o cabrito mais barato que o avô

Nuno Coelho, criador de caprinos na zona de Alcoutim


Que o diga o criador Nuno Coelho, 47 anos, criador de caprinos na zona de Alcoutim, que manda cabritos para bem mais longe do que a capital do Baixo Alentejo e também ele se queixa da falta de um matadouro algarvio: “Temos que pagar a quem faz a recolha aqui, os que têm relação direta com o matadouro, que fazem o transporte até Guimarães, e vai-se perdendo o valor”.


“Existem uma série de elementos na cadeia que vão perdendo uma parte do valor. Devido a essa perda, vendo o cabrito mais barato do que o meu avô vendia há 30 anos atrás, senão não é concorrencial. Ele não vendia por menos de 10 contos (50 euros) e eu tenho alturas de os vender a 35. Tenho amigos meus, criadores na zona centro, e quando lhes digo o preço a que vendo um cabrito eles ficam parvos, porque eles vendem-nos a 60 / 70 euros, e eu a 35 / 50!”, lamenta o criador do nordeste algarvio.


Nuno garante que nenhum dos cabritos que lhe sai da propriedade onde se instalou há cerca de uma década é abatido a sul de Santarém e que o destino final dos animais, após o abate, é quase sempre as regiões centro e norte, quando chegam aos dois meses de vida e cerca de 10 quilos de peso.


Declara-se imediatamente adepto de uma solução do tipo da agora preconizada pelo Ministério da Agricultura: “Com uma solução desse tipo a gente fica com o valor do produto aqui na região, além de podermos dinamizar também o consumo de cabrito no Algarve. Se eu tiver cabrito e você me quiser comprar, e eu tiver um matadouro de proximidade aqui perto, você pode-me encomendar diretamente um cabrito e eu levo-o ao matadouro, mato o cabrito e você vem-me buscar o cabrito aqui”, destaca.


Releva também que este novo tipo de abate poderá criar um negócio direto entre o produtor e o consumidor: “Eu quando mando o cabrito para Guimarães para ser abatido, nunca mais sei dele. Que custos teria o senhor do restaurante aqui do Algarve em ir buscar aquele determinado cabrito lá acima a Guimarães, ou mesmo a Torres Novos?”, questiona.


As vantagens seriam também extensivas à criação de uma denominação de origem própria para os caprinos algarvios, que certificaria “que as pessoas estavam aqui no Algarve a comer um produto made in Algarve e que ainda hoje é produzido de uma forma tradicional. Ou seja, animais que pastoreiam e não estão confinados a uma produção em regime intensivo, o que também traz mais qualidade. E com isto tudo o produtor algarvio poderia ter horizontes melhores do que os que tem hoje em dia”, vaticina Nuno Coelho.


“Sou produtor desde 2011, mas o meu avô toda a vida teve ovelhas e cabras e os animais eram abatidos aqui na região. Havia o hábito de comer cabrito, a cabra algarvia tem 200 anos como raça autóctone. Esses machos, que não ficam para o rebanho, deveriam ser consumidos na região. Há procura, os restaurantes algarvios querem ter esse produto e mostrar a gastronomia local aos seus clientes”, afiança.


O produtor calcula que as cerca de 2850 cabras de raça algarvia existentes na região tenham cerca de 7300 cabritos, dos quais menos de metade irão para abate, todos eles machos, o que ocorre sobretudo nas época de Natal e Páscoa.

Visitantes de quinta sem acesso à gastronomia local

Produtor de ovelhas em Alte, Luís Cabral Silva/foto Sara Alves


No total, segundo o Ministério da Agricultura, o Algarve conta atualmente com um efetivo de 83419 ungulados domésticos: além dos já referidos 8693 bovinos, há 57819 pequenos ruminantes e 16907 suínos. A mesma fonte contabiliza em 1322 bovinos, 7005 pequenos ruminantes e 57467 suínos os animais que no último ano (novembro de 2019 a novembro de 2020) saíram da região do Algarve para abate em matadouro localizado noutra região. Estes animais são maioritariamente abatidos nos matadouros do Alentejo, Montijo e de Mafra.


Obrigado a levar os seus borregos até Beja e Alvalade do Sado (os matadouros portugueses mais próximos do Algarve), o produtor de ovelhas Luís Cabral Silva, da Quinta do Freixo, em Alte, Loulé, também se declara “muito interessado” no projeto da DRAP.


“Faria todo o sentido, dava-nos outra capacidade de procurar outros mercados. Estamos muito condicionados pela questão do abate. A nossa empresa produz em biológico e ainda temos algum gado mas não é suficiente para um matadouro abater em biológico”, salienta. Resultado: apesar de serem criados de acordo com todos os procedimentos e regras exigidos pelo método de produção biológico, os borregos da Quinta do Freixo não podem ser vendidos como “produtos biológicos”, já que falta “pureza biológica” no abate. Isto é, a linha de abate não pode ser limpa de forma a evitar a “contaminação” por resíduos não biológicos.


Uma situação que poderia ser driblada com um matadouro móvel, já que, observa Luís Cabral Silva, “no camião é possível abater umas dezenas ou centenas de borregos diariamente, poderia passar aqui o dia, o que não é possível no matadouro, com milhares de abates diários”.


Pondo o dedo na ferida do consumo no Algarve, tal como os seus colegas produtores de outras espécies pecuárias, Luís sublinha que nas duas quintas da família (do Freixo e do Mel) haveria todo o interesse em que os visitantes provassem os produtos locais. “Mas se não temos capacidade de abate, como podemos dar às pessoas esses produtos?”, questiona, reforçando – tal como os seus colegas ouvidos nesta reportagem – que as idas e vindas de animais vivos e abatidos ficam financeiramente incomportáveis para os produtores.


Com um pouco mais de mil ovelhas nos seus pastos e comercializando cerca de 700 borregos num ano normal, Luís Cabral Silva calcula em “pelo menos 10%” os custos acrescidos que a sua família se vê obrigada a pagar pelos transportes, a caminho de matadouros fora da região.


E isto porque na maioria das vezes, à semelhança dos bovinos de António Francisco Figueiras, as engordas são feitas já fora da região, por terceiros, que depois levam os animais para abate. Se assim não fosse, os custos seriam ainda mais elevados.

João Prudêncio

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