Remate certeiro: Francisco Sá Carneiro e o Desporto

Alexandre Miguel Mestre, escreve: “Francisco Sá Carneiro e o Desporto”, viajando também pelo boicote aos Jogos Olímpicos de Moscovo

Alexandre Mestre acaba de dar à estampa a publicação de um livro, que mesmo que o pessoal ande à garreia por causa do novo e do velho acordo ortográfico, nós somos contra o novo, é um livro que cava na memória, vai ao lastro de muitas coisas nunca ditas e escritas, e nesta avalanche de memórias, que ainda cabem no ecrã do nosso conhecimento, mesmo que aqui e ali se soltem as contradições do braço no ar, como se no ventre de algumas mães nascessem só bons meninos e no ventre de outras, porque entendem a cartilha de uma outra forma, os outros meninos são umas bestas.


Na moeda ao ar da nossa imaginação, vamos começar por ler salteadamente e às vezes de quarenta em quarenta páginas o livro de Alexandre Miguel Mestre (1), editado pela «PRIME BOOKS» com o apoio do Instituto Francisco Sá Carneiro, com o título Francisco Sá Carneiro e o Desporto – o praticante – o espetador – o político.


Trata-se de uma viagem de 108 páginas, que não nos permitem muito mais do que abrir pequenas gretas de algumas e com elas levar a que os leitores desfrutem, de um livro, como diz o autor: “[…] É uma vertente de Sá Carneiro pouco conhecida, que merece ser explorada [,,,]”


Importa antes de dar a conhecer Francisco Sá Carneiro e o Desporto, a que o autor chama de “pequeno livro”, explicar a minha escolha e ela assenta na minha relação ainda que minguada pela vida de cada um, distante com Alexandre Miguel Mestre.


Conhecemo-nos em Lisboa e apresentados por Carlos Moia, o homem forte do Maratona Clube de Portugal, numa altura, e foram muitas edições, em que éramos o speaker das provas, dizendo-nos:

– Este senhor é algarvio e é o Secretário de Estado do Desporto e Juventude.

– Algarvio? interroguei-me, com uma cara estranha.

Algarvio e eu não conheço?

– Então dê cá um abraço, acrescentei.


E a meio do abraço, ouvi Alexandre Mestre dizer:

– Eu conheço-o bem e até sou amigo do seu filho!

– Bem quando um membro do Governo diz que é amigo do meu filho, claro, que tive que crescer três palmo…

– Passámos juntos pelo Colégio Pio XII, acrescentou o agora autor do livro: Francisco Sá Carneiro e o Desporto.


Ainda trocámos mais meia dúzia de palavras e meses depois, por razões profissionais, visita à Torre do Tombo e uma ida à Secretária de Estado do Desporto e Juventude, acompanhado do meu amigo João Peres, por razões relacionadas com o Torneio do Guadiana, levei comigo alguns dos meus livros e pessoalmente fiz gosto em oferecer ao Alexandre Mestre.


E ficámos por aqui, até que há poucos dias recebi em minha casa o seu livro com a seguinte dedicatória: Meu caro Neto Gomes, jornalista e homem que muito admiro, partilho modesto registo do legado desportivo de um homem ímpar. Boas festas! Dezembro 2020.


Lembramos que o autor, publicou em 2002, o seu primeiro livro, Desporto e União Europeia: uma parceria conflituante?. Seguiram-se Desporto na Constituição Europeia: o fim do Dilema de Hamlet (2004), Direito e Jogos Olímpicos (2008), The Law of the Olympic Games (2009), Desporto e Direito: Preto no Branco (2010), Sports Law in Portugal (2011 e 2016), “Ou Ganho Ou Morro!” Francisco Lázaro: A Lenda Olímpica (2012), O Desporto na Lei (2014), Direito do Fitness (2017) e Coletânea de Legislação do Desporto (2017).


Mas que livro é este, cuja introdução termina assim: Venha daí, pois, caro leitor, que nos leva à descoberta de Francisco Sá Carneiro, como praticante – o espetador – o político?


Trata-se de uma obra que nos permite conhecer outros caminhos, até agora desconhecidos, sobre a vida e obra de Sá Carneiro, e que Alexandre Mestre fideliza, não apenas com a autoridade que se lhe reconhece no campo da escrita, mas sobretudo, pelo seu inequívoco e brilhante curriculum na área do desporto que ultrapassa largamente as fronteiras do País.

O PRATICANTE
1.1.Um homem magro, baixo e fraco mas fisicamente corajoso


E neste primeiro subtítulo, com que Alexandre Mestre abre as hostilidades, lembrando: […] Mas é curioso verificar que a fragilidade física de Sá Carneiro nunca foi, todavia um verdadeiro entrava para a craveira e os palcos de Sá Carneiro. A força e a coragem física sobressaíram e o expectável foi contrariado. Marcelo Rebelo de Sousa (5), enfatiza a “indesmentida coragem moral e física, de Sá Carneiro. António Barbosa de Melo (6)


Mas debrucemos na integra no subtítulo: 1.7 O espectador, que preenche as páginas 24, 25 e 25, para apreciarmos como Alexandre Mestre, descobre Sá Carneiro, enquanto espectador:


Para desilusão de muitos e alento de poucos, Sá Carneiro nunca gostou de futebol, nem como praticante, nem como espectador. Há, no entanto, um curioso episódio relatado por Miguel Pinheiro que envolve uma ida ao futebol com o tio e como…Oliveira Salazar – importando aqui contextualizar que a Mãe de Sá Carneiro, Maria Francisca, era irmã de João da Costa Leite Lumbrales, Ministro de Salazar:


Só não lhe pedissem que fosse ao futebol. Nos anos 40, os portugueses estavam divididos entre o Benfica, o Sporting, o Belenenses e o FC Porto.


Mas na Picaria apenas Zé Pedro ouvia os relatos de domingo à tarde, na Emissora Nacional, feitos por um entusiasmado Lança Moreira. Ele aumentava o volume da telefonia para poder vibrar com os entusiasmos do locutor e os irmãos ficavam furiosos:

Ah, apaga isso, deixa-te de porcarias, meu Deus, só esses berros, isso é horroroso!


O futebol realmente, passava ao lado da família. No dia em que fez a primeira comunhão, Ana Maria teve uma visita muito especial. O tio João Lumbrales, ministro da Presidência e principal conselheiro de Salazar, foi visitá-la e perguntou-lhe:

O que fazes hoje à tarde?

– Nada, não faço nada, vou brincar no jardim.

Olha, queres ir comigo a um jogo de futebol?

Ó tio, está bem, consigo vou, mas é pelo passeio.

Então vais. O Sr. Professor Salazar vem-me buscar e vamos. Percebes alguma coisa de futebol?

Eu não, tio, nada.

Eu também não.


Não eram os únicos. Quando Salazar chegou ao estádio, as bancadas estavam cheias, com homens vestidos de facto completo, gravata e chapéu, como era comum na época. Olhando para o relvado, o presidente do Conselho, virou-se discretamente para o grupo que o acompanhava e perguntou:

Alguém percebe alguma coisa de futebol? É que eu não sei o que é que hei-de-fazer.


Nestes relatos, meio gastos pela passagem do tempo, vemos a intemporalidade de memórias antigas. Distintamente, Sá Carneiro era um apaixonado pelos desportos motorizados – conta-se até que conduzia, ele próprio, a alta velocidade, voando baixinho… -, gosto partilhado pela família, como nos recorda Cândida Pinto (38), evocando um momento importante da vida pessoal de Sá Carneiro, em 1977, dia em que, no Estoril, num almoço, Sá Carneiro e Snu juntaram, pela primeira vez, Francisco, filho de Sá Carneiro, e Rebecca e Mikaela, filhas de Sun: “Em 1997, almoçam todos no Estoril, Snu leva Rebecca e Mikaela, Sá Carneiro convence o filho Francisco a juntar-se à refeição, com mais um amigo. Não há apresentações formais, os pais procuram um clima leve que descontraia os filhos. Snu mantém-se imperturbável, dentro da cordialidade ‘não me tenta conquistar, age com naturalidade, sem tentar agradar ou desagradar’.

Nesse mesmo dia, há corridas de automóveis no Estoril, um momento irresistível para Francisco que adora Fórmula Um. O almoço corre bem e, no final, o filho de Sá Carneiro, acaba por convidar Mikaela a juntar-se a ele e ao amigo e lá ‘lá fomos os três para o autódromo’”.


E para restauramos os derradeiros sinais escritos por Alexandre Miguel Mestre, fomos ao encontro da contracapa, diga-se, de um livro bem escrito e que deve ser lido, e que tem também como assento tónico o boicote dos Jogos Olímpicos de Moscovo, era então Sá Carneiro, Primeiro-Ministro.


“Natal de 1979, invasão de tropas da União Soviética ao Afeganistão.


A détente parece ceder a um clima agudo de Guerra Fria. Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos da América, reage. De entre outras medidas de retaliação, uma tem impacte no desporto: o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscovo, a realizar no Verão de 1980. Sá Carneiro, Primeiro-Ministro de Portugal, deparou-se com um difícil dilema: por um lado a solidariedade para com os aliados norte-americanos, e o contexto dos compromissos no quadro da NATO, para além do respeito pelo Direito Internacional Público vigente; por outro lado, e já com base no Direito do Desporto (Lex Sportiva), em particular a Carta Olímpica, havia que não defraudar os direitos e os interesses do Comité Olímpico Português, dos atletas nacionais e mesmo dos cidadãos Portugueses interessados em seguir os Jogos Olímpicos pela televisão. Esta obra, assenta nas fontes, procura desvendar como Sá Carneiro deu simultaneamente resposta aos desígnios de política interna e externa do País e à autonomia do Movimento Olímpico. Nesse contexto, identificam-se os fundamentos da decisão oficial do Governo de Sá Carneiro e efeitos nos agentes desportivos, na opinião pública, na (já tensa) relação com o Presidente da República, General Ramalho Eanes, no Parlamento, Autarquias e até no Movimento Sindical. Mas esta é a última parte do livro. Antes ainda na vertente do Político, analisa-se como o Deputado Sá Carneiro encarou o desporto.


Por seu turno, a primeira parte não esquece um olhar do binómio Sá Carneiro/desporto: o Homem, o Cidadão – aí se procura perceber que forma o desporto (como praticante e como espetador) marcou a vida pessoal e familiar de Sá Carneiro e forjou a sua personalidade. Como filho. Enquanto Pai. Nas relações com Isabel Sá Carneiro e Snu Abecassis.


Com os Amigos mais próximos. Momentos e facetas pouco conhecidos que se trazem à estampa no assinalar dos 40 anos da morte de Sá Carneiro e dos 40 anos dos Jogos Olímpicos de Moscovo”.

Neto Gomes

Notas:
(1) Já publicou dezenas de artigos nos domínios do Direito do Desporto e do Olimpismo, em Portugal e no estrangeiro, e foi orador em diversas conferências, sobre temas conexos com o Direito Comunitário Desportivo, com o Direito do Desporto Português e com o Olimpismo, a convite de diversas entidades. Alexandre Miguel Mestre nasceu em Lisboa, em 1974, onde se licenciou em direito. Advogado desde 2003, o doutorado em Direito Europeu do Desporto, pela Edge Hill University (2015), tornou-se consultor na Abreu Advogados em 2014, depois de uma colaboração nas Sociedades de Advogados PLMJ (2005-2011) e AAMM (2013-2014).
(5) Prefácio do livro Sá Carneiro, da autoria de Alfredo Cunha e Luís Vasconcelos, Lisboa, Cognitio, 1981, p.3
(6) António Barbosa de Melo “Sá Carneiro: Um Líder de Vontade e de Razão”, AAVV, Francisco Sá Carneiro: um olhar próximo, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 2000, p.45.
(38) Op.cit, Lisboa, pp. 199-200.

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