Serra de Monchique tem plano pioneiro contra o fogo!

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Três anos depois do último grande fogo no concelho, que destruiu mais de 16 mil dos 41 mil hectares da sua floresta, Monchique tem um plano de prevenção dos grandes fogos, em conjunto com o concelho de Silves. É um projeto pioneiro a nível nacional e custará no mínimo 20 milhões de euros. A diversificação das atividades da floresta, a criação de corta-fogos, a agricultura e a reabilitação urbana são os segredos do plano

Rui André, presidente da Câmara Municipal de Monchique

É um projeto para 20 anos, mas cujos principais contornos se farão sentir já nos próximos anos: Monchique, e também o seu vizinho Silves, estão a protagonizar um projeto pioneiro, a nível nacional, que visa evitar, no futuro, grandes incêndios como os de 2003 e de 2018. Este último destruiu 16 mil dos 41 mil hectares de floresta só no concelho de Monchique (num total de 27 mil se se incluírem também nos concelhos vizinhos) e foi ele, na prática, que espoletou a vontade das autarquias de Monchique e Silves e do Governo de redesenhar a paisagem e redefinir as atividades económicas ligadas à floresta.


O projeto importa para Portugal um conjunto de soluções já em prática há alguns anos em vários países, entre os quais a vizinha Espanha, e consiste na disseminação pelo território concelhio de “corta-fogos” naturais e artificiais que impedem a propagação e multiplicação das frentes de fogo em caso de grande incêndio.


Chama-se Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem da Serra de Monchique e Silves e começou a ser delineado logo no início 2019, poucos meses depois do grande fogo dos primeiros dias de agosto de 2018. O projeto ficou concluído em 2020.


O programa consiste em quatro áreas de atuação, todas elas no sentido da criação dos tais “corta-fogos”, de naturezas diferentes, mas a mais rápida na execução será a criação de 45 “pontos de abertura”, cuja natureza foi explicada esta semana ao JA pelo presidente da Câmara de Monchique, Rui André: “O fogo evolui numa certa direção e se tiver combustível vai sempre ardendo. Esta medida pressupõe retirar combustível nos locais onde o fogo ganha mais força, na zona de vale, de convergência, e onde depois vai em várias direções”.


Nesses “pontos de abertura” (também chamados hotspots) será possível fazer uma intervenção em 45 hectares (de média em cada ponto), retirando o coberto vegetal e colocando outra espécie, ou até nenhuma, e gerindo aquela paisagem de forma a ter zonas de onde se retire o combustível, conforme explicou o autarca. Serão implementados 15 pontos, mas poderá haver mais, no futuro.


Na prática, aqueles pontos terão como função impedir a propagação dos fogos com apenas uma frente precisamente nos locais, que pelas suas características permitem que essa frente se multiplique em duas, três ou quatro frentes. “Tivemos apoio do ICNF [Instituto de Conservação da Natureza e Florestas] para determinar esses locais. Mas as pessoas mais antigas conhecem os locais mais perigosos, como por exemplo a Ribeira de Seixe. É misturando a parte científica com o conhecimento empírico que estamos a identificar esses hotspots. Primeiro eram 46 pontos, mas em alguns ou há habitações ou há coberto vegetal que não tem necessidade de intervenção mais musculada e ficaram esses 15”, explicou ao JA Nuno Fidalgo, do Gabinete de Proteção Civil e Florestas do município de Monchique.


O técnico sublinha que, no caso dos hotspots, “cada caso é um caso” no que respeita às soluções a encontrar. “Por exemplo, se num desses pontos houver sobreiros e medronheiros, árvores mais típicas daqui, vai-se eliminar as matas, fazendo uma limpeza mais forte e podas para garantir a descontinuidade horizontal, em que os ramos estejam a pegar uns nos outros. Se for outro tipo de material (por exemplo eucaliptal, acacial e canavial), vamos tentar retirar esse material e pôr outro tipo de ocupação, como por exemplo áreas agrícolas. Por exemplo tendo uma linha de água, pôr uma ocupação agrícola naqueles solos mais férteis tem lógica. Se for um sítio muito remoto se calhar faz sentido apostar na pecuária”.

Quando as ribeiras não param o fogo

Em 2018, só no concelho de Monchique, arderam 16 mil hectares. Ao todo perderam-se 27 mil hectares de floresta


Essas intervenções pressupõem a remuneração aos proprietários dos terrenos pelos prejuízos imediatos causados pelas intervenções, compensação que também acontecerá em cada uma das três outras medidas previstas no Programa: zonas ripícolas (linhas de água), zonas urbanas e socalcos.

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No que respeita às intervenções em ribeiras e linhas de água, prevê-se a limpeza e renaturalização dos terrenos adjacentes, com replantação de espécies autóctones. Algumas intervenções já começaram: “O que está a faltar é triturar o material resultante dos cortes.

São áreas que tinham acima de 300 toneladas por hectare de material queimado. Retirar esse material, tritura-lo, queimá-lo de novo para ser utilizado pelo solo. Cerca de 90% desse trabalho está já executado”, concretiza Nuno Fidalgo.


Já Rui André enfatiza que as linhas de água são fundamentais para impedir o alastramento de fogos, “Quando as linhas de água eram limpas e tinham espécies mais verdes, de amieiros, etc, os fogos quando chegavam ali paravam. Mas agora o fogo encontra eucaliptos e matos, ninguém limpa, ninguém cuida”. Um problema que deriva da entrega aos proprietários das obrigações de limpeza de terrenos, outrora a cargo de guarda-rios e dos técnicos da administração central que depois originariam a Administração da Região Hidrográfica (ARH). “Os proprietários esquecem-se”, eufemiza Nuno Fidalgo.

Um jardim botânico à volta de Monchique


No que respeita ao terceiro ponto do programa, a limpeza das zonas urbanas, a lei impõe a destruição do mato que se encontra a 100 metros de cada habitação (50 metros no caso de habitações não urbanas), mas este programa prevê a criação de outro tipo de proteção, mais abrangente. “Neste programa incluímos a vila de Monchique e as Caldas, com a criação de um corredor verde entre as duas. A ideia é criar uma espécie de jardim botânico à volta de Monchique. O que queremos é que as pessoas sejam convidadas a visitar a envolvente da vila num raio de mil metros a partir da malha urbana e que nesse anel florestal à volta da vila as pessoas possam ir conhecendo vários habitats. Podem subir à vila sem ir pela estrada, seguindo linhas de água, fazendo caminhadas. Queremos que as pessoas sejam convidadas a visitar a envolvente da vila nesse raio de mil metros e que nesse anel ambiental ou florestal à volta da vila possam ir conhecendo vários habitats. Passar por uma zona em que há pomar de citrinos, zona agrícola, montado de sobreiro, etc. E ao mesmo tempo criamos uma proteção para que o fogo jamais volte a entrar na vila”, explica o presidente da Câmara de Monchique.


Já Nuno Fidalgo enfatiza que este tipo de intervenções nas periferias imediatas das malhas urbanas permite retirar espécies como eucaliptais e pinhais bravos, já sem lógica de exploração, pois têm fatores de produção muito elevados. “Ninguém tem benefício em ter esses eucaliptais, acaciais e pinhais. Os donos dos eucaliptos muitas vezes querem tirar essas árvores, mas não têm capacidade financeira para fazer isso. Retirar esse material tem custos elevadíssimos, quatro a cinco vezes mais do que fora das zonas urbanas. É para isso esse financiamento que serve este programa”, destaca o especialista em florestas da autarquia.

O triângulo floresta/agricultura/pessoas

A construção de um corredor verde entre a vila e as caldas (na foto) é uma das faces do projeto


Das quatro vertentes do programa – hotspots, áreas ripícolas, zonas urbanas e socalcos – a Câmara concorreu a dois concursos entretanto abertos pelo Governo, com montantes muito baixos: um para as zonas urbanas e outra para os socalcos.


“Abriu um concurso para as zonas urbanas, a que nós concorremos, mas nós, município, só podíamos concorrer a um projeto e só de 55 mil euros. Havia uma grande expectativa e afinal o montante foi muito pequeno. No nosso caso foi na zona do Montinho, Caldas de Monchique”, explica Rui André, que revela ter o município concorrido a uma segunda candidatura, de 150 mil euros, relacionada com os socalcos e o pêro de Monchique.


Para Silves e Monchique estão contemplados 20,5 milhões de euros neste projeto, que poderá aumentar no futuro. De resto, Nuno Fidalgo sustenta que nem metade chega para as necessidades, que avalia em mais de 40 milhões de euros. “Só para dar um exemplo, temos 17 mil hectares de eucalipto, se quiséssemos retirá-lo para colocar outras espécies seriam 26 milhões de euros. Isto só para a intervenção inicial de preparação do terreno! Claro que a intenção não é intervir em 17 mil hectares, se forem sete mil já é muito bom”, enfatiza o especialista.


Já Rui André confessa que se sente “um Marquês de Pombal, a implantar uma coisa estruturada, mas as árvores levam 20 anos a crescer, não é construção. É um plano a 20 anos. Há coisas que se conseguem fazer rapidamente: recuperar canteiros, pontos quentes, agora recuperação da paisagem, alterar economicamente um território, leva muito tempo”.


“Há um triângulo floresta autóctone, agricultura, pessoas (inclui animais) que têm condições para coexistir. Mas não pode haver eucaliptos junto às habitações, etc. Cerca de 70% do concelho é floresta. Desses 70% metade é eucalipto. Não sou contra o eucalipto, sou é contra o plantio de eucalipto de forma errada, que é o que tem acontecido. Essa espécie tem é que sair das zonas mais urbanas e ir para a zona norte, onde não se dão outros tipos de espécies”, afirma o autarca social-democrata.

João Prudêncio

Primeira aposta agrícola é no pêro de Monchique

De entre quatro áreas, a primeira vertente do Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem da Serra de Monchique e Silves que avançará em breve é a dos socalcos e a autarquia está fortemente empenhada em fazê-la avançar a curto trecho.


“À volta do convento vamos reabilitar os canteiros antigos e pôr aí o pero de Monchique. Esses canteiros, ou socalcos, muitas vezes estão abandonados, não têm rendimento agrícola. O que vamos fazer é pegar nesta ideia, reabilitar os canteiros de pedra antigos e pôr aí o pêro tradicional. Queremos que seja uma intervenção icónica, porque tem muito a ver com a paisagem cultural deste concelho, a arte de construção dos socalcos em muros de pedra seca vai-se perdendo e nós queremos reabilitar isso. Queremos concorrer a Património Mundial Agrícola, atribuído pela FAO, e esses pomares serão uma das facetas da candidatura, a juntar a muitas outras, da agricultura e pecuária”, disse o presidente da Câmara de Monchique ao JA.


O projeto já se candidatou a um financiamento para as autarquias de 150 mil euros disponibilizados pelo Governo e para os próximos anos estão previstos cerca de 1,6 milhões, para reabilitação de socalcos. Que existem à volta do convento, mas também disseminados um pouco por todo o território concelhio.


“Decidimos pôr as fichas num sítio só e apostar numa zona de canteiros para o pêro de Monchique. Temos um protocolo que vamos assinar com a DRAP para criar um centro de experimentação do pêro de Monchique. E vamos reabilitar toda a zona envolvente do convento, recuperando uma espécie autóctone de Monchique. Serão 2800 metros quadrados. No futuro a gestão desta questão terá que passar pela criação de uma unidade gestora. Estamos a trabalhar entre a Câmara de Monchique e de Silves para, através da Agência de Desenvolvimento do Barlavento, fazer essa gestão”, disse.


O projeto visa aproveitar este programa do governo para recuperar os canteiros, mas a autarquia não quer ficar por aí: “Queremos desenvolver a atividade agrícola e incentivar a criação dos circuitos curtos entre a restauração e a criação. Ninguém consegue convencer um produtor a produzir se ele não souber que vai vender os seus produtos”, diz o autarca.


“A Via do Infante divide o Algarve. Devia escoar-se no sul o que se produz da Via do Infante para cima. Monchique pode ser um exemplo no Algarve que se pode replicar por toda a região. Temos que ter uma estratégia local de alimentação, que implique o escoamento para cantinas, IPSS e outras. Não consigo convencer ninguém a tirar eucaliptos e a pôr fruta, por exemplo, se não lhe disser que depois arranja maneira de escoar os seus produtos”, conclui.

Plano contempla subsídios para proprietários

Todo o projeto inclui verbas destinadas à remuneração dos serviços dos ecossistemas: os proprietários que aceitem que haja intervenções nos seus terrenos serão subsidiados. Por exemplo, no caso dos proprietários de eucaliptais: “Os donos de terrenos que aceitem alterar o coberto vegetal e as espécies que detêm para proteger a paisagem, abdicando dos interesses pessoais, substituindo o eucalipto que lhes dá mais rendimento por outra espécie que dá menos, têm que ser compensados por isso”, salienta o presidente da Câmara, Rui André.


“Nós, na serra, já damos um contributo muito grande com a paisagem que temos para a descarbonização, a floresta, a regularização do ciclo da água, E os proprietários não são beneficiados nem são discriminados positivamente. Pelo contrário, uma pessoa que queira viver aqui tem entraves, limitações à construção. Por isso, é um ato de justiça este reconhecimento das pessoas e das populações que se predisponham a fazer este tipo de ações.

Nuno Fidalgo, técnico florestal da Câmara de Monchique


De acordo com o autarca, esta remuneração é feita de quatro formas: primeiro, a compensação pelo custo de intervenção, que é preparar o terreno para novas espécies, arrancar cepas, etc; depois a manutenção; em terceiro lugar os custos de contexto – por exemplo, o dono das terras tinha eucaliptos, ia tirar 50 mil euros de rendimento em três anos, mas se plantar uma vinha até ter uvas levou dois ou três anos – estes anos perdidos têm os chamados custos de contexto, que serão compensados; por último há uma remuneração dos serviços de ecossistemas, uma espécie de prémio pelo contributo para um bem comum, seja ele controlar a progressão do fogo, limpar à volta das casas, ou apoiar a agricultura.


“Há 15 anos que se fala nesta remuneração, por exemplo pessoas que vivem ou têm atividade em Rede Natura. Tem que haver uma tabela única, não só para aqui como para Mação [no Minho], por exemplo, que tem um plano idêntico, embora mais atrasado. Já há valores, mas não sabemos quais. Há várias variáveis a considerar”, explicita o técnico autárquico Nuno Fidalgo.

J.P.

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