SMS: Tal como aquela medida antiga dos sorvetes

Os mais novos não sabem, os mais velhos ainda se recordam. Outrora, os vendedores de sorvetes apregoavam a venda ambulante dos gelados conforme duas medidas – os sorvetes de mola abaixo e os sorvetes de mola acima. Conforme a posição da mola, assim a quantidade e o preço do sorvete. No pregão, a palavra “fresquinho” era essencial. Mesmo que não fosse, o sorvete sem a palavra, fosse ele de mola abaixo ou de mola acima, deixava de ser fresquinho e a condizer com a touca branca e a bata de médico dos vendedores. Hoje, a antiga medida dos sorvetes já não é apregoada mas pratica-se. Onde? Pratica-se nas promessas feitas nesta coisa em que se transformou a política ou na qual a transformaram alguns vendedores de sorvetes, porque não passam disso. Não têm bata e touca que os distinga do vulgo mas identificam-se à distância e quem os veja ao longe sabe quem se aproxima assim que se ouve o pregão – “Sorvete fresquinho! Mola acima e mola abaixo!!!”. E como os partidos são muitos, com atenção e com algum esforço de decifração, alguns também podem ouvir o moderno acrescento dos vendedores: “ P’ró parvinho e p’rá parvinha!”

Fazem-se promessas a torto e a direito, criticam-se decisões, fala-se de matérias sobre as quais, quem fala não percebe absolutamente nada mas fala, ameaça-se com uma declaração para a televisão da mola acima feita já tribunal popular montado na praça central de cada terra, faz-se de cada domingo e segunda-feira uma terça de carnaval com cada qual a trajar-se oficial de justiça no Facebook, uma foto no Instagram já é assumida e invocada por qualquer analfabeto de bata branca como tese de doutoramento, todos são engenheiros sendo apenas aprendizes técnicos, todos são economistas mesmo que não saibam o que seja a regra de três simples, todos são jornalistas redigindo umas enormidades de mola abaixo, todos sem exceção se denominam e apregoam como nobéis da paz quando, dentro das suas próprias bocas, cada dente parte o outro dente em cenas de extrema violência doméstica…

Isto está à vista, seja a propósito da pandemia que é uma peste, seja a propósito dos orçamentos e das gestões municipais, seja a propósito da mais intricada questão que chegue ao Tribunal Constitucional, seja a propósito dos vendedores de cultura de mola acima e de mola baixo, enfim, apenas tudo se cala quando chegamos aos cemitérios onde nenhum restaurante tem êxito ou pode ter êxito. Como é óbvio.

Deve-se ver bem se quem abre a boca o faz de mola acima ou de mola abaixo.

Flagrante sabedoria: No meio desta gente exaltada que sabe de tudo, sábia era a avozinha que, em circunstâncias parecidas, rematava a conversa assim “Muito feliz é ser bruto!”, deixando os sábios calados e siderados.

Carlos Albino

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