Espécie de paraíso da ilegalidade

A cultura da ilegalidade, quando se instala, arrasta tudo. Perverte tudo. Transforma a exceção em regra, faz das tripas coração, apenas não converte as pedras em pão. O problema é a ilegalidade fazer-se em cultura, em predisposição, em quadro mental seja do bom ou do mau ladrão, em corda que puxa a ilicitude, batiza o que é proibido, enterra a tolerância. É uma das coisas mais horríveis do mundo caso se veja. Se não se vê, ninguém dá por ela. Passa, e ate recebe louvores, favores e, por vezes, votos.

Enfim.Por tudo isso, ninguém gosta de falar dela quando ela passa de perto ou ao longe. Muito menos de escrever sobre ela, quando ela não nos toca. Se por acaso, a ilegalidade produz efeitos manifestamente nefastos ou até escandalosos, haverá sempre alguém com a conveniente rapidez a sossegar-nos. Se é lá de cima, dizem-nos que as instituições funcionam, seja no caso do roubo de um penalti à equipa da terra pertencente ao último escalão, seja no caso do desvio de um amendoim torrado do bolso de um oligarca sem pátria ou com pátria que lhe encha os bolsos com alcagoitas de oiro. Mas se é cá baixo, nem conta que as instituições funcionem ou não, se impera a tal cultura e quadro mental da ilegalidade. Até se tolera se não levantar ondas, é assim que se diz. Que não dê nas vistas, caso já haja pelo menos um oftalmologista nos hospitais. Etc.

Assim, por exemplo, no uso do território, sobretudo esse que fica atrás dos montes e que não se vê. O território que fica numa cidade ou mesmo aldeia, a ilegalidade, das duas uma – ou é punida, porque a instituição dos fiscais funciona, ou com muito jeito a perna apanhada de fora, pode ser recolhida desde a ilegalidade se pague com ilegalidade do mesmo jaez. Exceção e regra ficam quites, e até não será uma grande dificuldade ficarem quites, tudo bem negociado pela calada. Mas no exemplo em chamada, a ilegalidade que mora atrás dos montes, ou mora onde a lei julga que está no deserto, essa tal ilegalidade sem morada, sem código postal, pode fazer tudo o que apeteça. E sem se importar se as instituições funcionam ou não, se os fiscais abram olho ou não – as instituições são para ao lá de cima. E os olhos dos fiscais são tratados pelos oftalmologistas cá de baixo.

E é assim que, para efeitos desse exemplo, aqui e ali, vão nascendo aldeias turísticas de casas pré-fabricadas atrás dos montes e que a escassez de território já força a que mostrem a crista, com avanços aos sábados, domingos e feriados quando instituições e fiscais legalmente descansam, abrindo portos de entrada para lotes em curvas de estradas, implantando-se em cima de linhas de água, e para quê saneamento? Um buraco na terra tudo resolve. E de resto, um contador de eletricidade basta para que o que nasceu ilegal cresça legal, lícito, legítimo e tolerado.

Tenho pena que aqueles que precisam de casa e não encontram, ou que aquilo que encontram lhes é incomportável, sejam as primeiras vítimas da falta de uma verdadeira política de habitação – adequadamente vasta e compaginada com as necessidades da Região (região e não apenas os seus quintais). Tenho pena. Tenho pena que os novos patrões do mau e ilegal uso do território beneficiem de instituições que não funcionam e de fiscais para os quais o sábado e domingo vai de segunda até sexta-feira. Uma espécie de paraíso.

Flagrante chouriça: Sendo o Turismo uma indústria sensível, não seria já tempo para uma reflexãozita sobre o impacto da guerra e sobre o depois na Europa? É claro que Turismo não é a Festa das Chouriças de Querença.

Carlos Albino

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