“Foi uma perda para a democracia sair o vereador do Bloco”

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É a última das grandes entrevistas do JA às quatro mulheres eleitas como presidentes de câmara nas eleições de setembro, depois de Rosa Palma (Silves), Rute Silva (Vila do Bispo) e Ana Paula Martins (Tavira). Uma agradável conversa com a histórica do PS, de 70 anos, que entrou no seu terceiro mandato como autarca de Portimão. Da habitação aos projetos urbanos, passando pelas suas funções de liderança no Comité Europeu das Regiões, até à falta que fazem (em sua opinião) os Governos Civis, uma entrevista onde não falta uma pitada de política e uma síntese sobre a situação financeira da autarquia

JORNAL do ALGARVE (JA) – Portimão é um dos dois bastiões de sempre do PS no Algarve, a par de Olhão. Em 2013 houve um tropeção e não conseguiu a maioria absoluta, que já recuperou. A que se deveu esse tropeção?

Isilda Gomes (IG) – Em 2013, quando me candidatei, a Câmara tinha de facto problemas financeiros muito graves e tinha havido grandes problemas, porque tínhamos vereadores detidos e foi preciso acreditar muito nas nossas propostas e no nosso projeto para votarem no Partido Socialista. Foi obviamente um voto de confiança, mas a câmara estava muitíssimo endividada. A recorrer ao PAEL, que não foi aprovado, tivemos que recorrer ao FAM. Tivemos que passar aqui por problemas complicados, não tínhamos dinheiro para nada.


JA – O presidente na altura era o Manuel da Luz…
IG
– Com o Luís Carito como vice-presidente.


JA – Esse handicap implicou a tal dívida, que chegou a 180 milhões de euros. Passados estes nove anos são tempos que já lá vão? Diz-se que já há saldo positivo. Qual é esse saldo positivo da autarquia neste momento?
IG
– Há quatro anos consecutivos que os saldos transitados são superiores a 20 milhões de euros. Andamos nos 24, 26, 28 milhões… Portanto de facto conseguimos estabilizar a área financeira, como também conseguimos em termos de investimento e aí, o facto de termos saldos positivos tão elevados significa que não fizemos investimento. Mas foi também por uma questão de prudência, porque eu não queria continuar a investir e depois chegar a um ponto em que não tinha dinheiro para pagar. Neste momento sim, estamos a fazer os investimentos que os portimonenses precisam e desejam e merecem, porque acreditaram em nós e mesmo naquelas circunstâncias em que muito pouca gente esperava que o PS ganhasse… a verdade é que ganhou nesse ano de 2013. Apesar disso conseguimos ganhar e continuaram a dar-nos a maioria absoluta nos dois últimos mandatos e a nossa obrigação é corresponder à confiança. Quanto maior ela é, maior é a nossa responsabilidade. O nosso objetivo prioritário é satisfazer as justas reivindicações dos nossos munícipes.


JA – Pode-se então dizer que o PS se autorregenerou e que a Isilda foi a grande obreira?
IG
– Eu não digo isso. Digo é que o PS conseguiu aguentar, conseguimos criar uma unidade em torno de um projeto. Perante aquele cenário foi necessário que os socialistas criassem esta unidade em torno da minha candidatura. E a verdade é que as pessoas acreditaram em mim, neste projeto e no Partido Socialista. Não nos dando a maioria absoluta, mas dando condições para Governar e governámos. Esses primeiros quatro anos foram anos de grande luta para equilibrarmos as finanças da autarquia e a verdade é que a partir daí temos tido sempre saldos transitados positivos e elevados.


JA – Mas Luís Carito (LC) ainda tem algum carisma para alguns. A que se deve esse saldo positivo do CDS e do LC? E porque é que o CDS tem tradicionalmente resultados tão favoráveis em Portimão? No caso de 2011 terá a ver com o Luís Carito, que se coligou com o partido?
IG
– Eu também não consigo fazer essa leitura. O CDS tem estado sempre estável em Portimão, tem tido sempre um vereador e, portanto, meteu o Luís Carito, neste caso, mas tem tido votações mais ou menos constantes que garantem um vereador. Pronto, é um partido democrático e, portanto, não temos nada a referir.


JA – A propósito de partidos democráticos e menos democráticos, a vereação perdeu um representante do BE e ganhou do Chega. A democracia ficou a perder
IG
– Ficou, não tenho a menor dúvida. Aliás, só não ficou a perder tanto porque eu conheço a pessoa e o vereador Pedro Xavier, do Chega, já trabalhou connosco! Já foi candidato do PSD, do Aliança, depois trabalhou connosco.


JA – Mas nunca foi do PS?…
IG
– Nunca se inscreveu no PS, mas foi sempre leal às propostas do Partido Socialista. Agora acho que foi uma perda para a democracia perdermos um vereador do Bloco de Esquerda e ganharmos um do Chega.


JA – Tem um plano habitacional com o IRHU de 70 milhões, que implicam a construção de 200 casas, é isso?
IG
– Não, 200 casas é o que nós temos agora na construção de habitação a custos controlados. Estes são para aquisição, para pessoas que querem comprar, que têm rendimentos médios e não têm capacidade de comprar um apartamento aos preços que estão no mercado (até porque um T2 aqui em Portimão é mais de 200 mil euros e ali será à volta dos 90 mil.

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JA – Menos de metade
IG
– Exatamente. E é para essa classe média que de facto não tem condições de ir ao mercado normal. E esses vão avançar já e estamos a preparar os projetos para os outros que têm candidatura ao IRHU. Este não tem candidatura ao IRHU, foi o lançamento de um concurso de conceção/construção.


JA – E aquele dos 70 milhões da candidatura ao IRHU são para quantos fogos?
IG
– Cerca de 500 fogos. Estes 70 milhões são sobretudo para arrendamento às famílias carenciadas, famílias jovens, sobretudo para esses.


JA – E vai abranger a tal classe média baixa que tantas vezes se queixa de que ninguém pensa neles?
IG
– Nós temos neste momento cerca de 400 pessoas inscritas com necessidades habitacionais. Nós já vamos construir 600 para superarmos as necessidades atuais e já estamos a projetar para muito mais. Por outro lado, vamos requalificar aqueles que temos.


JA – Portanto, são 70 milhões de euros para 600 fogos.
IG
– Sim, mas não se pode fazer contas a cada um porque há várias tipologias, T1 até T3. Depende da tipologia das famílias. Se for uma pessoa só um T1 pode chegar.


JA – Quando teremos finalmente uma frente ribeirinha requalificada desde a Casa Inglesa até ao Museu?
IG
– Temos uma frente ribeirinha lindíssima. Estamos neste momento a preparar um projeto que implica a colocação de algumas áreas de lazer, nomeadamente alguns quiosques ao longo daquela zona que agora é árida, com sombreamentos para apoiar as pessoas que querem sentar-se ali à beira-rio a tomar o seu café. Mas depois há umas zonas que têm areia e pedra e vamos requalificar, colocar relva e fazer alguns equipamentos quer para crianças quer para adultos, para fazerem ali ginástica. Isto será para já. Há-de ser feito um projeto de grande envergadura, mas isso implica outros custos que neste momento não temos capacidade de suportar e implica que seja durante muitos anos.


JA – Quando se diz “para já” quer-se dizer o quê, em matéria de prazos?
IG
– O grande problema é o lançamento de concursos. Já nunca sei o que hei-de dizer. Até porque nós vamos recorrer a quiosques pré-fabricados, que hoje há quiosques muito bonitos com esplanadas muito práticas. Mas depois temos que fazer um concurso para quem quer tomar conta daqueles espaços e aí tem que ser um concurso aberto.


JA – Em relação às obras na fortaleza, quando começam?
IG
– Ainda não passou para nós. Está na Administração dos Portos de Sines e do Algarve. Só falta assinarem dois ministros, o das Finanças e o das Infraestruturas. Quando isso acontecer nós lançamos um concurso de ideias. Não há previsão, depende da assinatura dos ministros.

JA – E quanto ao corredor verde, para quando a sua conclusão?
IG
– Isso é um corredor que vem desde o Barranco do Rodrigo até ao Vau. E é para ir para a frente. Não temos prazos, porque ainda estamos a pensar no projeto em si, porque não é um projeto fácil.


JA – A oposição tem criticado a inexistência de um plano energético que salve o município destes brutais aumentos da energia. Vai ou não existir esse plano e quando?
IG
– Isso é uma falsa questão. Temos todas as medidas implementadas. É muito simples fazer um plano e até há planos já feitos, é só comprá-los! É só mudar o nome dos municípios. Agora, de facto, estamos a implementar as medidas. Por exemplo, as luminárias já estamos a mudar tudo para LEDs, estamos a colocar nos edifícios públicos os painéis solares para termos autossuficiência em termos de energia. Portanto estamos a fazer tudo o que é necessário para esse plano energético. Só que não lhe chamamos plano energético! Mas as medidas estão a ser implementadas.

JA – Isso significa que a energia vai ser muito mais barata para o município, ou não tão mais barata assim?
IG
– Significa que havemos de ter equipamentos que podem ser autoabastecidos e portanto vamos gastar menos. Com painéis fotovoltaicos. E neste momento, com a alteração para lâmpadas LED, temos uma poupança extraordinária. Contamos dentro de não muito tempo ter todas as luminárias substituídas por LEDs.


JA – É a coordenadora da Delegação Portuguesa do Comité das Regiões e faz parte do “Bureau”, que é onde estão representados todos os países e se tomam as decisões. Neste momento delicado da História Europeia quais os principais caminhos para salvar as regiões europeias? Passa muito pela água e as alterações climáticas, certo?
IG
– Vai exatamente ao encontro do que eu lhe ia dizer. Há um plano da sustentabilidade da água não só para consumo humano, mas também para agricultura. Qualquer dia ficamos tão dependentes do exterior que se houver um problema qualquer deixamos de ser abastecidos. É ver o que se está a passar neste momento com a guerra na Ucrânia! Se infelizmente também temos que tirar alguma lição disto, é que temos que ser cada vez mais autossuficientes nas mais diversas áreas. E sobretudo na Europa comunitária, porque se nós tivermos essa autossuficiência na Europa comunitária a vida dos europeus se torna muito mais fácil. Agora é o momento de se fazer o levantamento das situações e ver o que é preciso fazer. E tenho levantado a questão da sustentabilidade de algumas regiões, porque regiões com uma monoeconomia (a do Turismo), sem alternativas, quando há um problema internacional o Turismo é o primeiro a sofrer as consequências. E não podemos estar eternamente dependentes desta monoeconomia. E por outro lado nas regiões periféricas as empresas têm muito mais dificuldade em se instalarem lá. Pela simples razão de que para levarem os seus materiais ao centro da Europa gastam muito mais e, portanto, optam por se instalar no centro da Europa. Tem que haver medidas de apoio à fixação de empresas nestas regiões. E não é só o Algarve, há regiões no sul do Mediterrâneo que passam pelo mesmo. Tem que se diversificar a economia.


JA – Isto passa por outra questão que tem a ver com a mobilidade. Como ´é que o Algarve…?
IG
– Muito bem. Eu ainda há dias defendi no Comité das Regiões que não faz sentido que em deslocações de 300 ou 400 quilómetros estejamos a usar um avião. Porque é que não se coloca o transporte ferroviário e por exemplo a ligação do Algarve à ferrovia transeuropeia, por exemplo? E as pessoas deixariam de viajar daqui para Madrid de avião e iriam tranquilamente no comboio. E fui apoiada no Comité! Eu diria até proibir que as deslocações de menos de 300 quilómetros fossem de avião, desde que haja a alternativa do comboio rápido!


JA – Em sua opinião a existência de um hospital central deve implicar a manutenção do hospital do Barlavento e até o seu reforço?
IG
– Completamente. As duas coisas não são incompatíveis. Senão eu seria frontalmente contra. Aliás, houve uma altura em que eu era contra e só passei a apoiar no momento em que me foi garantido que o Hospital de Portimão não seria desvalorizado e não deixaria de ter as valências que tem.

JA – Foi a última governadora civil do distrito de Faro. Depois de si, durante uns dias esteve o Silva Gomes, mas foi a última “grande governadora”. O que mais gostou nesse cargo, que ocupou quase quatro anos, embora com um intervalo?
IG
– O melhor do Governo Civil é que falta um elo de ligação entre a Administração Central e a Administração Distrital. E o Governo Civil fazia essa ligação. Portanto, as pessoas iam ao Governo Civil, apresentavam os seus problemas e ele fazia a ligação com o Governo. E quantas vezes agendei reuniões desse tipo! Havia uma porta onde os cidadãos podiam bater sem terem que ir ao Terreiro do Paço.


JA – E isso faz falta, ainda hoje? Ficou uma lacuna?
IG
– Muita falta. Neste momento, inclusive alguns colegas meus do PSD que na altura defendiam o fim do Governo Civil hoje dizem que foi uma asneira. Toda a gente hoje reconhece a utilidade dos Governos Civis. Aliás agora na altura da pandemia o primeiro-ministro teve que colocar secretários de Estado afazerem esta missão. Se houvesse governadores civis, era quem teria que fazer esta ligação. Por outro lado, havia aqui uma unidade, as forças de segurança, toda a gente estava representada nos concelhos distritais, havia uma ligação mais próxima entre os dirigentes.


JA – E isso não era incompatível com a Regionalização?
IG
– Há áreas que não podem ser regionalizadas. Não se pode regionalizar a polícia, as funções próprias do Estado, não são regionalizáveis. Portanto faria todo o sentido que houvesse uma entidade para coordenar essas funções do Estado.

João Prudêncio

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