Francisco Amaral: “Todos os meses recebo cartas com ofensas”

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Depois de 20 anos à frente da Câmara Municipal de Alcoutim, e de ter sido proibido de se recandidatar naquele concelho devido à lei que passou a limitar os mandatos, Francisco Amaral aceitou o desafio de encabeçar a lista do PSD em Castro Marim e já é presidente daquela autarquia há dois anos. Em entrevista ao Jornal do Algarve, o edil fala do que já fez em Castro Marim, dos projetos que tem em carteira e das diferenças entre os dois municípios

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DOMINGOS VIEGAS

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Jornal do Algarve – O que é que mudou na Câmara Municipal de Castro Marim nestes dois anos?
Francisco Amaral – A porta do meu gabinete está sempre aberta. Há sempre cinco minutos para receber e ouvir as pessoas. Desde que cá estou já recebi quase duas mil pessoas. E tenho aprendido muito. Tenho ficado a saber quais são os problemas, alguns gravíssimos, que as pessoas têm em Castro Marim. É que no meio disto tudo ainda há muito sofrimento silencioso. Se eu fechasse as portas às pessoas, nunca ficaria a saber o que se passa com elas.

J. A. – Há muita gente a pedir ajuda à Câmara?
F. A. – Principalmente coisas básicas. Por exemplo, pais que não têm dinheiro para comprar uns óculos aos filhos, famílias em que marido e mulher ficaram no desemprego… São questões muito preclitantes e muito difíceis. A minha postura é a de ouvir os problemas e tentar resolvê-los.

J. A. – E tem conseguido resolver esses problemas?
F. A. – Admito que, algumas vezes, não consigo. Há situações muito difíceis, o desemprego é avassalador… Mas isto fez-me tomar decisões importantes. Fiz acordos com as instituições sociais para estas poderem receber pessoas através de programas ocupacionais. Com a colaboração do Instituto de Emprego já conseguimos colocar duas centenas de pessoas, o que equivale a duas centenas de famílias que passaram a ter alguma fonte de rendimento mensal. A Câmara teve que abrir os cordões à bolsa e canalizar algumas verbas para essas iniciativas. Mas também estamos a ajudar a pagar a renda de casa a algumas famílias carenciadas. E esta situação levou-me também a avançar com um programa contra o consumo de tabaco.

J. A. – Para ajudar as famílias a poupar?
F. A. – Além dos benefícios para a saúde, e dos anos de vida que ganham, a questão financeira também é importante. Atualmente, cerca de 170 pessoas do concelho já deixaram de fumar. Estamos a falar de pessoas que fumavam um ou dois maços por dia, o que representa um gasto de mais de 200 euros mensais. E se for marido e mulher a fumar é quase um ordenado para o tabaco. Há alguns dias fiz as contas e, com esta iniciativa, os castro-marinenses que deixaram de fumar estão a poupar, no total, cerca de 360 mil euros por ano.

J. A. – Há pessoas de outros concelhos a pedir-lhe ajuda para deixar de fumar?
F. A. – Todos os dias vem cá gente que quer deixar de fumar. Atualmente já estão a vir pessoas, por exemplo, de Vila Real de Santo António, que também querem acabar com a dependência da nicotina. Mas essas têm que pagar os medicamentos.

J. A. – Ou seja, a Câmara de Castro Marim só suporta os gastos dos seus munícipes?
F. A. – Exatamente. Através de uma parceria com a Santa Casa da Misericórdia. Eu costumo dizer que o Estado explora a saúde e a algibeira do fumador durante uma vida inteira, mas, um dia mais tarde, quando alguém quer deixar de fumar, apercebe-se que nenhum medicamento é comparticipado. Isto é muito injusto, porque cinco sextos do custo de uma maço de cigarros vai para o Estado.

J. A. – Castro Marim foi uma das câmaras municipais que não teve necessidade de recorrer aos empréstimos do PAEL. Mas, como é que estão as contas da autarquia?
F. A. – O meu antecessor teve o cuidado de ter as contas bem elaboradas. E eu mantive essa responsabilidade e esse cuidado, sem me aventurar a fazer obras sem ter dinheiro. Tal como já tinha feito em Alcoutim durante vinte anos: se há dinheiro faz-se obra, se não há não se faz. É preciso respeitar os munícipes de hoje e os de amanhã, porque os nossos filhos e netos não têm que pagar os desvarios que eu faça na Câmara. É preciso ter isso sempre em linha de conta, fazendo uma gestão com responsabilidade e rigor.

J. A. – O que é que destaca do Orçamento e Grandes Opções do Plano da Câmara Municipal para 2016?
F. A. – Estamos em tempo de vacas magras e o orçamento é metade do que costumava ser. Não temos dinheiro para fazer obras de grande dimensão, mas temos várias pensadas. As ciclovias, a praia fluvial de Odeleite, o Largo Paco de Lucia, que vai ser construído no Monte Francisco, vamos pavimentar as estradas da freguesia de Castro Marim, que estão numa vergonha. Vamos ter que encontrar soluções para fazer novos caminhos agrícolas e para arranjar os que já existem, e que estão intransitáveis. É preciso concluir o lar da Altura e colaborar com a Misericórdia na construção de um lar para doentes de Alzheimer em Castro Marim. Estamos a ultimar o ninho de empresas, que permitirá a fixação de diversas empresas na sede do concelho… Isto são apenas alguns exemplos, porque há muito trabalho para fazer. Espero que tenhamos financiamento para o realizar.

J. A. – Em que situação está a praia fluvial da barragem de Odeleite?
F. A. – O projeto está a ser elaborado por uma equipa com experiência nessa área. Aliás, o plano de ordenamento da barragem prevê três zonas balneares e já há privados interessados em investir e em avançar com outra praia. Há um grupo económico que pretende avançar com um hotel flutuante. Prevejo que aquela barragem pode dinamizar muito a zona e ser uma fonte de riqueza e de emprego.

J. A. – Há alguns impedimentos burocráticos que estejam a travar esses projetos?
F. A. – As coisas, agora, estão a avançar bem. Há uma boa relação entre Câmara, Ambiente e Recursos Hídricos e os obstáculos estão a ser ultrapassados.

J. A. – Nestes dois anos, o que é que já cumpriu do seu programa eleitoral?
F. A. – Por exemplo, instalámos um cais em Castro Marim. Requalificámos o mercado de Castro Marim e estão a decorrer as obras no Mercado da Altura. A Casa do Sal é um espaço virado para a Cultura e foi um investimento de peso, mas que valeu a pena. Concluímos a estrada das Furnazinhas, que aproxima a serra do litoral. Temos colocado água domiciliária em várias povoações e esperamos resolver todas as situações até ao final do mandato. Pavimentámos a estrada de acesso à Praia Verde, que era uma vergonha. Recuperámos as bandeiras azuis para as praias do concelho. Fizemos algumas alterações na principal rua da Altura, de forma a dinamiza-la, principalmente, no verão. Tornámos a Altura uma terra mais viva e mais dinâmica, com animação na praia. As praias do concelho são as únicas do Algarve com desfibrilhadores automáticos externos, para resolver na hora uma situação de ataque cardíaco. Também temos parcerias interessantíssimas com as escolas, com as instituições particulares de solidariedade social. Criámos a primeira unidade móvel de saúde com médico permanente.

J. A. – O que é que tem sido feito no apoio ao desporto?
F. A. – Quando cheguei a Castro Marim, praticamente não havia desporto. Por exemplo, o Castromarinense tinha uma equipa de futebol que jogava em Monte Gordo e, à exceção de três ou quatro jogadores, praticamente não tinha jovens de Castro Marim. Fiz um acordo com o clube para desenvolver a prática do futsal e foi uma aposta ganha, porque hoje em dia há duas equipas femininas e várias masculinas nos diversos escalões etários. Temos cerca de uma centenas de jovens a praticar futsal, o que não acontecia antes. No próximo ano quero avançar com a prática da canoagem em Castro Marim, tal como fiz em Alcoutim. Não há nada melhor do que a prática desportiva para combater as toxicodependências, o tabagismo, o alcoolismo… Por isso, todo o dinheiro que se investe no desporto é pouco.

J. A. – Que novidades está a preparar para os Dias Medievais, o maior evento realizado no concelho?
F. A. – O ano passado fiz um amplo debate com a população sobre os Dias Medievais e apercebi-me que era necessário fazer algumas alterações para melhorar ainda mais o evento. Foi consensual o alargamento a mais ruas e a passagem de quatro para cinco dias, também começámos a cobrar as entradas para as ruas da vila. Foram medidas que, de algum modo, beneficiaram o evento e contribuíram para a sua sustentação. E vamos continuar a melhora-lo, tentando seguir algumas das sugestões que retirámos de outro debate, realizado recentemente, e em que foi apontada a necessidade de melhorar ainda mais, por exemplo, a organização do parqueamento automóvel, mas também o aumento do número de bilheteiras, a aposta na venda de bilhetes online. Tal como foi sugerido, também pretendemos aumentar ainda mais o rigor histórico e enriquecer o guarda-roupa.

J. A. – A Festa de Nossa Senhora dos Mártires é outra das apostas…
F. A. – Sim. Este ano já foi feito mais um debate, não só sobre os Dias Medievais mas também sobre a Festa de Nossa Senhora dos Mártires, que estava a decair. Queremos valoriza-la e transforma-la em mais um cartaz turístico para Castro Marim. Estamos a trabalhar nisso, pois pretendemos manter a tradição religiosa e procurar novas iniciativas paralelas para atrair novos públicos.

J. A. – O que é que ainda pode ser feito para desenvolver este concelho?
F. A. – Temos tido uma postura de apoio e colaboração em relação aos potenciais investidores. Muitas vezes vou com eles a Faro ou a Lisboa para tentar ultrapassar obstáculos. Temos a consciência de que Castro Marim tem um potencial único e, com o desemprego que existe, é muito importante gerar riqueza e criar postos de trabalho.

J. A. – Mas há investimentos que estão parados há alguns anos, alguns devido à crise…
F. A. – …a Quinta do Vale é um dos que está parado, a Retur é outro. Estamos a acarinhar os investidores e a tentar fazer com que surjam ainda mais. Castro Marim tem grandes potencialidades. Às vezes faz-me confusão como é que os portugueses vão para o Brasil ou para as Caraíbas, quando têm aqui praias tão boas ou melhores. E além disso há segurança e não há miséria à volta dos empreendimentos. Admito que no barlavento há mais pressão e mais confusão, mas no sota-vento ainda temos praias quase selvagens.

J. A. – Começou a sua carreira política como independente, mas acabou por se tornar militante do PSD. Quais são as vantagens e inconvenientes?
F. A. – Sou militante há alguns anos, mas penso que já lá vai o tempo em que os candidatos capitalizavam votos quando se candidatavam em listas de partidos. Hoje em dia é ao contrário. As pessoas acreditam cada vez menos em partidos e odeiam cada vez mais os partidos. Cada vez mais, qualquer candidato perde votos se for através de um partido.

J. A. – Chegou a reformar-se, mas preferiu continuar na política. Foi por uma questão financeira?
F. A. – Sempre tive dois bichinhos: o da saúde e o do poder local. Tenho muita dificuldade em passar sem eles. Faço o que gosto e, atualmente, já não ganho dinheiro com isso. Estou reformado há alguns anos e tive que suspender a reforma, que é idêntica ao vencimento. Por isso não ganho nada mais em estar na Câmara. Se estivesse em casa ganhava o mesmo. Mas gosto de ajudar os outros e gosto de tentar resolver os seus problemas.

J. A. – Quais são as diferenças que sentiu entre gerir a Câmara de Alcoutim e, agora, a de Castro Marim?
F. A. – Principalmente o facto de haver um clima em Castro Marim, que já vem de há muitos anos, mas com o qual eu não contava. É um clima de muitos ódios e de grandes guerras entre algumas pessoas e entre os partidos. Em Alcoutim nunca recebi uma carta anónima a descascar-me no pelo, mas aqui é quase de quinze em quinze dias… E com ofensas. Todos os meses recebo cartas anónimas com ofensas.

J. A. – Quer dizer que sente que a população está descontente?
F. A. – De maneira nenhuma. Este clima existe entre meia dúzia de pessoas. A esmagadora maioria da população é boa gente e acarinha-me. Sinto que a população está a gostar da minha maneira de gerir a Câmara. Sou o presidente de câmara do país, em funções, com mais anos de serviço autárquico. Foram vinte anos em Alcoutim e mais dois em Castro Marim. Quem está na política há tanto tempo sabe ler nos olhos e nas conversas das pessoas se elas estão a gostar. E eu sinto isso.

J. A. – Então, quem é que lança essas ofensas? A oposição?
F. A. – Penso que isto tem ainda a ver com o clima de guerrilha constante que se viveu aqui durante muitos anos. Eu tento, de algum modo, atenuar e acalmar. Aliás, já disse muitas vezes nas assembleias municipais que sou um homem de paz e não de guerra e que quero que as pessoas se entendam e que não percam tempo com questiúnculas. Mas há grandes ódios entre as pessoas e entre os partidos. Espero que se acalmem, que resolvam os seus problemas e que haja paz e harmonia entre as pessoas.

J. A. – Está atualmente em três frentes, já que recentemente passou a presidir, também, a associação Odiana e a Eurocidade do Guadiana. Quais são os seus objetivos para a Odiana?
F. A. – A Odiana atravessou uma fase difícil. Perante o cenário de se acabar com a assciação, resolvi aceitar o desafio e a responsabilidade de a liderar. A associação tem uma dúzia de funcionários e estes não podiam ser despedidos. Vamos redinamizar a Odiana, aproveitar os fundos comunitários deste quadro de apoio para dar uma nova dinâmica à associação e tentar trazer dinheiro para Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António, os três municípios que a compoem.

J. A. – …e para a Eurocidade do Guadiana?
F. A. – Quero dar o meu cunho pessoal e envolver as pessoas, porque a Eurocidade do Guadiana não faz sentido sem a participação ativa das pessoas de Ayamonte, de Castro Marim e de Vila Real de Santo António. Por exemplo, em janeiro vamos fazer um encontro entre clubes e coletividades dos três municípios. Também é preciso vender este produto turístico, constituído pelos três municípios, e estamos a pensar realizar outro encontro com os empresários da hotelaria e da restauração, para que eles também estejam envolvidos na dinâmica de promoção e de venda desta oferta turística. Já tenho agendada uma reunião com a Infraestruturas de Portugal, para saber da possibilidade de criar uma ciclovia sobre a ponte do Guadiana. Por outro lado, é importante que exista uma rede de transportes públicos que ligue as principais localidades dos três concelhos. E estamos a trabalhar para isso.

(Entrevista publicada na edição impressa do Jornal do Algarve de 17 de dezembro)

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