Governo ‘ignora sofrimento das pessoas’

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A falta de recursos económicos limita o acesso aos medicamentos, sobretudo nos mais velhos

Os autores da edição do Relatório de Primavera 2014, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), afirmam taxativamente que no último ano de governação o suposto ‘tratamento’ para a crise de que Portugal padece está a ter efeitos secundários adversos na saúde dos portugueses. Apesar das evidências, há no Governo um “síndroma de negação”.

“Os efeitos mais imediatos descritos na literatura internacional de saúde pública apontam consequências no equilíbrio emocional: ansiedade, depressão, perda de autoestima, desespero até à tentativa de suicídio. E Portugal não é exceção”, garante a equipa do OPSS -parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública, o Centro de Estudos e Investigação Saúde da Universidade de Coimbra, a Universidade de Évora e, este ano, a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. No entanto, “continua a assistir-se à existência dos dois mundos: ‘o oficial, dos poderes, onde, de acordo com a leitura formal, as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo…; e um outro, o da experiência real das pessoas …'”.

Os investigadores são taxativos: “Parece ser evidente um manifesto esforço quer da União Europeia, quer do Governo português, de negar a evidência do impacte da crise sobre a saúde das pessoas.” Porquê? Para “evitar a discussão e consequentemente a adoção de medidas de prevenção e/ou de combate”. “Tal atitude até poderia ser apelidada de síndroma de negação”. Mas “o único senão é que do outro lado estão pessoas em sofrimento e com um desenvolvimento cada vez mais hipotecado”.

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Os investigadores garantem ainda que a negação do Governo passa ainda por “qualquer notícia menos boa ser prontamente desvalorizada ou atalhada com respostas tardias e pouco realistas”. Pior, denunciam que “há atualmente mecanismos que impedem ou limitam os investigadores em saúde de aceder a dados do Serviço Nacional de Saúde, o que torna a governação menos transparente e consequentemente menos participada”. Mesmo assim, há conclusões à vista. Desde logo,

1. Uma interrupção no processo de descentralização do sistema de saúde público;

2. Um quadro de gestão de curto prazo em que as organizações e os gestores vêm limitados os seus graus de liberdade na tomada de decisão para responder às necessidades, por vezes de caráter urgente, num quadro de subfinanciamento e de restrição orçamental;

3. Uma preocupante conjugação de fatores desfavoráveis à saúde mental das pessoas, agravada por uma resposta organizacional insuficiente e sustentada por um sistema de informação aparentemente medíocre. Por exemplo, a taxa de incidência de depressão teve um acréscimo considerável, e isto num cenário em que a demora média entre os primeiros sintomas e o início do tratamento chega a ser de cinco anos nos casos de depressão maior;

4. A crise obrigou os portugueses a alterarem os seus padrões de consumo alimentar para pouparem dinheiro e há uma total ausência de intervenção na promoção da atividade física;

5. O potencial aumento de problemas de adesão à terapêutica, motivado quer pela dificuldade de acesso ao medicamento, quer por constrangimentos económicos. A par com falhas no abastecimento, em alguns casos de medicamentos essenciais; o condicionamento do acesso a medicamentos inovadores e o aumento do consumo de antidepressivos e antipsicóticos

6. Apesar de algumas evoluções positivas, como a aprovação do enfermeiro de família ou a abertura de algumas Unidades de Saúde Familiar novas, prevalecem dificuldades no dia-a-dia dos cuidados de saúde primários

Os autores do documento salientam ainda que “o ritmo de agravamento da dívida da saúde mantém-se, grosso modo, inalterado, malgrado as regularizações periódicas de dívidas conseguidas pelo Ministério da Saúde. E fazem uma sugestão: “Que se monitorizem, entre outros, indicadores relativos à saúde mental, às doenças infecciosas, aos estilos de vida e às necessidades não satisfeitas e ao mesmo tempo que se desagreguem os dados por níveis socioeconómicos, por região e por situação face ao emprego.”
Ao Expresso, a assessoria do ministro da Saúde, Paulo Macedo, afirmou que o documento ainda não chegou ao gabinete e que “enquanto não for recebido, não haverá quaisquer comentários”. Só depois será lido, analisado e comentado.

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