«Grande Domingos»: Obrigado por tudo, companheiro jornalista

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Fiquei muito, muito triste. Estou muito, muito triste. Lembrarei com toda a grande saudade. Agradecerei sempre muito ter-te conhecido e seres meu companheiro de profissão

«Grande Domingos»: Obrigado por tudo, companheiro jornalista
Ontem quando cheguei à redação do Jornal do Baixo Guadiana eme avisaram «sabes que há um acidente grave ali na estrada para Vila Real?!»
eu acelerei o passo e peguei nas chaves do carro, fazendo a marcha obrigatória. Instinto primeiro: ligar ao meu bom colega, e como eu o tratava, ao «Grande Domingos».

Eu não fazia ideia se ele sabia do acidente, mas era ritual ligar-lhe [caso ele
não me tivesse ligado antes] para partilharmos as informações importantes, as notícias de última hora. Era assim há vários anos. Sem falhar.
Liguei-lhe para o telemóvel ao entrar no carro e deu desligado. Pensei logo que já lá estaria no local da ocorrência de bloco e caneta em punho;
ou até com um cigarro na mão a controlar o nervosismo do instante. Naquela zona por vezes não há rede.

Comigo acontece tantas vezes. Liguei de novo: já chamava, mas seguiu para o voice mail. Liguei mais duas ou três vezes enquanto me deslocava para o local. «Bom, ele liga sempre de volta. Já ligarᅻ. E fui. Não me passou
mais nada pela cabeça. Um jornalista não está no lugar da vítima, está no local dos acontecimentos para reportar os factos aos leitores. O
automatismo da capa profissional estava accionado.

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E também pensei: «bom, hoje é quarta-feira, o Domingos deve estar em Sevilha a caminho daqui com os jornais da semana. Talvez não
atenda por isso». Não havia problema nenhum. Se ele não estivesse eu logo lhe reportaria tudo o que sabia e as imagens que ele precisasse. Era
sempre assim. Ele nunca falhou comigo; eu nunca falharia com ele. Vamos. Fomos. Ele já lá estava … E eu não sabia.
Recolhi imagens vídeo do helicóptero do INEM a chegar e publiquei. Dei informações curtas pelas redes sociais, dando nota de que a not ícia estava em atualização constante. Aos poucos que ia sabendo mais assim ia publicando.
Ligava, insistentemente, para o comando dos bombeiros de VRSA no local para me darem informações oficiais. «Há vítimas mortais? A população aqui fala de um morto. Pode confirmar- -me?» Do outro lado nada a registar a esse nível ainda. «Os médicos estão no teatro de operações a avaliar a situação». Eu pedia desculpa pelos insistentes telefonemas. Queria apenas
informar as pessoas da melhor maneira. Sem alarmismos. Sem informações erróneas.
O facebook não estava nas suas plenas capacidades. O instagram portava-se melhor. Eu sabia que as informações que eu passasse por estes meios seriam importantes para os leitores, mas também para os meus colegas jornalistas que se iam inteirando e fazendo as suas diligências
profissionais. Mais uma vez: «O Domingos se ali não estava também ia sendo informado e depois escreveria a notícia». Eu estava longe dos
factos reais. Longe. Até que a notícia chegou até mim.

As publicações informativas pararam. Abruptamente. Infelizmente, as duas vítimas não sobreviveram ao violento acidente. Entre elas o jovem
Daniel Neves (21 anos), de Castro Marim. A sua morte tão prematura e brutal deixa uma dor irreparável na família e nos amigos, que merecem
a nossa maior solidariedade.
E a outra vítima… A outra vítima mortal era o meu colega Domingos. O meu grande companheiro de profissão. O meu bom amigo. Era ele.
Um flashback começou a correr na minha cabeça. «Por isso ele não me devolveu as chamadas.
Por isso…» A jornalista em mim desapareceu dali. Fugiu. Apagou-se. E com ela as notícias daquele fatal acidente. As autoridades pediam-me que não divulgasse «para já» as identidades das vítimas. Não era preciso que me pedissem isso. Nunca o faria.
Não podia ser eu, assim, de forma tão maquinal, a dar a informação que ninguém quereria ler. Percebi que a família do Domingos ainda estaria
na sua vida normal. De todos os dias. De dias normais. Era preciso dar o tempo para, com todo o respeito e cuidado, a informação chegar; apesar
de ser «sem aviso». Eu não queria acreditar no acontecimento onde estava. E agora, sem o Domingos?
A notícia, a factual, publiquei-a mais tarde. Tinha de sair, deixando impregnada em mim a tristeza de comunicar que o jornalismo
ficou bem mais pobre porque perdeu um dos seus bons, valentes, autênticos e grandes. O Jornalista Domingos Viegas, do Jornal do Algarve.
Paz.
Mantemo-nos vivos enquanto de nós falarem. Em especial, à querida família do Domingos deixo um abraço sem fim. Aos seus filhos recordarei
o grande jornalista que o pai foi para que os seus corações se encham sempre de um grande orgulho.


Susana Helena Sousa
Texto e foto publicados no Jornal do Baixo Guadiana

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