Guiné-Equatorial cria polémica entre Portugal e Timor

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Não era novidade para ninguém, em vésperas da X cimeira da CPLP, realizada em julho do ano passado, em Díli, que a Guiné-Equatorial iria ser aceite na organização, apesar de todas as polémicas.

Os grande apoiantes, Angola e Brasil, estavam de acordo, os países mais pequenos também e Timor, que pela primeira vez organizou uma cimeira da Comunidade, estava entre eles. Por várias vezes Xanana Gusmão, então primeiro-ministro, se deslocou a Malabo, capital da Guiné-Equatorial, com agendas que frequentemente se confundiram entre as da CPLP e a dos interesses de Timor.

Portugal resistira até ao limite. Atrasara o processo de entrada durante duas cimeiras seguidas (2010, 2012) e, finalmente, rendera-se à evidência. Com sete membros da CPLP a votar a favor, a negativa portuguesa podia por em causa o princípio do consenso e, pior, por em questão a sua própria presença.

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Já se tinha inventado um roteiro para a Guiné cumprir, colocara-se como condição o uso do português e uma moratória, pelo menos, da abolição da pena de morte e fizera-se a verificação de progressos. Chegado o momento, o Governo rendeu-se às evidências. Perante a ameaça de uma eventual “cisão” na CPLP, isolando Lisboa, avançou. E o próprio Cavaco Silva, o rosto visível do “travão” à adesão da Guiné Equatorial teve de render-se à evidência dos novos tempos.

Trocado por miúdos, é isto que Cavaco afirma no seu prefácio: “Sendo a adesão fortemente apoiada pelos países africanos de língua oficial portuguesa, pertencentes ao mesmo espaço regional que a Guiné Equatorial, a que se juntava o Brasil e Timor-Leste, um veto de Portugal poderia, no limite, pôr em causa a própria sobrevivência da CPLP”. Ora, acrescenta, esta é um “ativo estratégico para Portugal”.

A surpresa em Díli

Cavaco partiu para Díli em perfeita sintonia com o Governo (a tal coordenação de posições em política externa de que também fala no seu prefácio). Timor preparava-se para assumir a presidência da organização e, diz o Presidente, era “a primeira vez que Timor-Leste era chamado a desempenhar uma tarefa de tal dimensão internacional. Tendo existido um grande empenho das autoridades timorenses na adesão da Guiné-Equatorial, um veto português significaria o fracasso da cimeira, com elevados danos reputacionais para Timor-Leste”, tanto mais que a cimeira de Díli era vista como um teste à sua entrada na ASEAN.

Assim foi. Só que, para grande surpresa da delegação portuguesa à chegada a Díli, tudo estava já preparado como se a decisão da adesão da Guiné-Equatorial já tivesse sido tomada. Na reunião prévia dos chefes de Estado e de Governo onde a questão devia ser deliberada, estava reservado um lugar à mesa para Obiang, o chefe de Estado daquele país.

Ao que sabe o Expresso – e foi noticiado na altura – Cavaco levantou a questão e a delegação portuguesa protestou. Obiang teve que ficar retido numa sala ao lado, até ser chamado para responder às questões que o coletivo de dirigentes decidira colocar-lhe. Só depois disso foi formalmente aprovada a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP. Quem lá esteve deu conta do embaraço protocolar que tal exigência motivou.

Quando, finalmente, na cerimónia pública, Obiang entrou na sala da reunião dos chefes de Estado e de Governo, fê-lo ao som de música e foi acolhido com uma salva de palmas. As televisões mostraram: Cavaco não bateu palmas e ficou-se a olhar para ao lado.

Cavaco escreve no prefácio: “O insucesso da cimeira seria um golpe nos esforços de Timor-Leste para reforçar a sua credibilidade internacional. Neste quadro, uma questão não podia deixar de ser colocada: como reagiria Timor-Leste em relação a Portugal, encarado como o responsável pelo fracasso da Cimeira [se tivesse vetado a entrada]? Qual o efeito que isso teria sobre a difusão da língua portuguesa em Timor? Surpreende que muitos dos que defenderam ativamente o veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial tivessem ignorado os danos para Timor-Leste de uma tal decisão”.

Ramos Horta protesta agora, dizendo que é uma “falsidade” atribuir a Timor-Leste um papel de relevo no lóbi para a adesão da Guiné-Equatorial à CPLP e considera que essa falsidade “tem sido propagada nos media portugueses desde a Cimeira de Dili de Julho de 2014”.

E acrescenta: “De lembrar que na Cimeira de Luanda de 2010 registou-se um forte embaraço diplomático quando o Presidente da GE, estando presente e confiante que o seu país iria ser admitido, foi humilhado pelo veto de Portugal”. Aparentemente, a história não lhe deu razão.

Ramos Horta, todavia, foi escolhido pelo Presidente timorense Taur Matan Ruak para monitorizar e apoiar a adoção, por parte da Guiné Equatorial, das disposições estatutárias da CPLP, informa Cavaco no seu prefácio. Para já, não se conhece ainda nenhum relatório.

RE

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