PSP e GNR: Os Outros Heróis

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Negam-lhes o reconhecimento do risco em que andam, todos os dias, em contato estreito com a pandemia. E o respetivo subsídio. Mas a eles é exigido, muitas vezes, que cumpram 12 horas de serviço em possível contato com o vírus e, quantas vezes, com pessoas pouco recomendáveis. Falando do vírus, a nível nacional há 141 casos de contaminação entre elementos da PSP e GNR. As hierarquias policiais não divulgam os números do Algarve. O JA foi ouvir os dirigentes regionais do Sul das associações sindicais e tentou perceber a relação entre COVID-19 e forças de segurança

“Devemos mais à sociedade civil do que propriamente à tutela”, garante ao JA António Barreira, 47 anos, coordenador da delegação sul da Associação Profissional da GNR (APG), para quem é “ao povo português” que os profissionais daquela força policial têm que estar agradecidos quando se fala de meios para combate à epidemia global.


“Desde que começou a pandemia tem havido um aumento dos meios de proteção individual. Mas tem a ver mais com as doações. Temos que fazer um agradecimento muito especial aos empresários, autarquias, pessoas em nome individual, que têm doado materiais. E as farmácias, que têm sido uma ajuda importante. Oferecem tudo. Posso dar um exemplo do posto onde trabalho, nós chegamos lá com um boião de meio litro e enche e levamos para o posto”, enfatiza o dirigente associativo.


De acordo com várias fontes associativas e sindicais contatadas esta semana pelo JA, os meios têm vindo a ser reforçados desde o início do estado de emergência, em meados de março. Neste contexto de distorção do nosso tempo psicológico, longe vão os tempos de escassez absoluta, em que ter máscara era um luxo e os militares tinham que comprar os próprios equipamentos de proteção individual (EPI): “Alguns camaradas meus compraram do próprio bolso equipamento individual. Isso tem vindo a melhorar porque os donativos têm sido cada vez mais. No Comando de Portalegre, por exemplo, até o responsável máximo da Delta, o comendador Rui Nabeiro, tem oferecido a vários comandos da Guarda no Alentejo equipamento de proteção individual. Isto está melhor a nível de equipamentos graças à boa vontade do povo português”, reforça António Barreira.

António Barreira, coordenador da Zona Sul da Associação de Profissionais da Guarda

Processo disciplinar por usar máscara


A generalização do uso de EPI, nomeadamente máscaras, é recente: “No início da pandemia houve um gratificado da PSP que foi fazer um serviço para um hospital e levou uma máscara dele. Foi alvo de um processo disciplinar, porque desobedeceu às indicações, que era não usar máscara! As indicações do Comando da GNR e da Direção Nacional da PSP eram validadas pela DGS e a DGS entendia que a máscara não era precisa. As primeiras máscaras que foram para as forças de segurança eram para o caso de algum civil estar desinfetado, nós irmos-lhe dar a máscara para a pessoa poder entrar no posto”, relata o dirigente António Barreira.


Já Fernando Raposo, dirigente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia em Faro, garante que no Algarve não tem conhecimento de doações privadas à PSP: “Sei de outras zonas do País. Sei até que há sindicatos que oferecem máscaras. Mas a função dos sindicatos não é oferecer máscaras, a sua função não é substituir o Estado”, contrapõe.


“Aqui em Faro as viseiras e meios de proteção foram distribuídas pela hierarquia. A falta de material não piorou. Os problemas que os problemas já vêm de trás, não surgiram agora. A falta de meios materiais já se sentia antes”, sublinha.


Mas alguns desses equipamentos poderão ter chegado a Faro depois de terem sido recebidos como doação. A própria hierarquia da PSP admite o papel da sociedade civil na atribuição de equipamentos e materiais aos agentes: em comunicado saído há poucos dias – para o qual as Relações Públicas da força policial remeteram o JA, a Direção Nacional da Polícia reconhecia que parte do seu equipamento foi disponibilizado à PSP por diversas entidades, “tais como autarquias, Cruz Vermelha Portuguesa, Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, S. Exa Reverendíssima o Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança e diversas outras entidades, empresas e cidadãos anónimos”, de acordo com o texto do comunicado.

Fernando Raposo, dirigente sindical da PSP no Algarve

Infetados da PSP são o quíntuplo da GNR

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Na mesma nota, a PSP informa que já distribuiu aos seus homens e mulheres, entre material próprio e doado, 21 500 viseiras de proteção individual, 54 mil kits de proteção individual (cada kit contém uma máscara cirúrgica e um par de luvas descartáveis), 4 mil óculos de proteção, 1100 doseadores e 600 pulverizadores para solução antisséptica e 1195 litros de solução antisséptica para desinfeção de mãos (base apropriada de álcool > 70%).


Admitindo também o recurso a doações, as Relações Públicas do Comando Geral da GNR, sem referir números precisos, disseram ao JA que todos os militares da Guarda Nacional Republicana que desempenham funções operacionais “dispõem dos adequados equipamentos de proteção individual (EPI), e em número suficiente, em resultado do fornecimento pelo Ministério da Administração Interna, de aquisições no mercado pela própria Guarda e de diversas doações”.


Mas, mesmo com mais meios de proteção, os cerca de 47 mil homens das forças de segurança com atuação na sociedade civil (cerca de 23 mil na GNR, 21 mil na PSP, 767 na PJ e 850 no SEF) não estão livres de riscos quando saem para a rua em massa, para controlar estradas ou fazer desinfeções. Só nos fins-de-semana da Páscoa e 1º de Maio estiveram nas ruas cerca de 35 mil operacionais das duas principais corporações, isto é, mais de 3/4 do efetivo total. Isso trás riscos acrescidos.


De acordo com a Direção Nacional da PSP, a Polícia de Segurança Pública regista até hoje a confirmação de contágio de 118 profissionais (113 Polícias e 5 técnicos sem funções policiais), encontrando-se 203 pessoas em confinamento obrigatório/vigilância ativa.


Segundo a mesma força policial, por indicação das autoridades de saúde, 42 pessoas (38 Polícias e 4 técnicos sem funções policiais), já regressaram ao serviço após serem consideradas curadas do contágio e 705 após confirmação do resultado negativo durante o confinamento. A PSP não respondeu a questões similares relativas à incidência da doença entre os profissionais do Algarve, ou sequer do sul do País.


Os números da GNR são substancialmente mais baixos. Em resposta a uma questão formulada pelo JA, o Comando Geral da GNR informa que a Guarda tem 23 casos confirmados, 20 recuperados, 48 encontram-se em isolamento e 20 em quarentena. Desde o início da pandemia, já saíram de isolamento 299 militares e 431 saíram da quarentena. Mais uma vez, a hierarquia optou por não divulgar números relativos à realidade estritamente algarvia.


Em termos numéricos, a GNR tem, portanto, 1/5 dos infetados da PSP. O dirigente da APG avança com uma explicação, entre várias possíveis, para o facto: a existência de um centro clínico, centralizado em Lisboa, mas com incidência e capacidade de ação em todo o País.

Competem á Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS) da GNR as tarefas de descontaminação

GNR desinfeta lares e ambulâncias


“Há equipas próprias que vão em viaturas fazer testes à COVID-19 a casa dos militares que estão de quarentena, em qualquer ponto do País. Temos uma linha própria 24 horas por dia para atender qualquer elemento da Guarda que tenha sintomas, temos o centro clínico. A sede é na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa, mas as equipas saem com viaturas e vão a casa dos militares, estejam eles em Bragança ou em Vila Real de Santo António. Não é a pessoa que vai ao centro clínico fazer o teste. É a equipa que está de serviço naquele dia que vai a Bragança ou VRSA”, explica o coordenador da região sul da APG, lamentando que a PSP não tenha um centro clínico similar.


Sem se cansar de elogiar o trabalho e modo de atuar do centro clínico, o dirigente da APG relata o seu caso pessoal, ele que teve sintomatologia de febres altas no início da passada semana, em princípio devidas apenas à renite nasal. No fim, o teste Covid-19 viria a dar negativo. “Tudo funcionou. Vim logo para casa de quarentena e é o que está a acontecer a nível nacional. O centro clínico tem uma resposta muito rápida, um acompanhamento muito direto com o militar, que fica logo em quarentena, é a GNR que vai a casa do militar fazer o teste. É uma viatura da Guarda que traz dois militares, um enfermeiro e um auxiliar, que vai a casa do militar com sintomas”.


Pode parecer ainda mais estranha a pouca incidência de casos entre a GNR – pelo menos em comparação com a PSP – se tivermos em conta que compete àquela força militarizada fazer as desinfestações. Fazem-no atrás da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS), que sucede aos “velhos” GIPS.


Segundo dados avançados há poucos dias pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, aquela unidade da GNR descontaminou até agora cerca de 2.200 viaturas e 70 locais, como lares de idosos, creches e instalações de saúde, desde o início da pandemia de COVID-19. Os números foram divulgados no final de uma demonstração de descontaminação pela UEPS da GNR, realizada em Évora.

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Em risco, mas sem reconhecimento do risco


Velha tecla das associações sindicais das forças de segurança, o reconhecimento de que se trata de uma profissão de risco torna-se um assunto mais atual perante uma crise pandémica das dimensões da atual.


“Não chega só baterem-nos palmas e agradecerem-nos, numa altura em que o País precisa destes profissionais de primeira linha. Temos que recuar no tempo e verificar que no passado, até aos dias de hoje, ainda não houve o reconhecimento político de que ser membro de uma força policial é uma atividade de risco”, lamenta o coordenador da APG, lembrando que todas as iniciativas para introduzir esse reconhecimento – e o respetivo subsídio de risco – foram chumbadas no parlamento português pelas diversas maiorias. E já lá vão quase 30 anos: “Reivindicamos isto desde o início da APG, em 1992”, calendariza António Barreira.


“Se antes da pandemia já era assim, esta pandemia só nos vem dar razão porque vem fazer acrescer os riscos. Somando a tudo aquilo que nos acontece diariamente no nosso esforço profissional esta pandemia vem demonstrar que cada vez que o País precisa destes profissionais eles estão na linha da frente e não se negam ao serviço. Os elementos operacionais que estão a fazer turnos de 12 horas muitos deles nem se aproximam dos familiares porque estão em zonas de risco. Se uma das cláusulas do nosso contrato com o Estado português é o sacrifício da própria vida em prol dos outros também o Estado tem a obrigação de olhar para nós como uma profissão de risco. Isto não é exigir muito!”, conclui.


O dirigente sindical da PSP no Algarve, Fernando Raposo, corrobora: “Aos profissionais a quem neste momento se está a pedir tudo é com quem estão a falhar”, critica, recordando que ainda há poucos meses foi chumbado na AR, uma vez mais, o subsídio de risco para os profissionais de segurança.


Daí que, face à falta de reconhecimento por parte do poder político, Raposo relativize outras necessidades: “Se me derem uma máscara não resolve o meu problema. Uma máscara cirúrgica tem uma duração de três horas, não me estão a dar uma máscara de três em três horas. Mas não é a máscara que me põe comida na mesa. Há outros problemas, e a maneira como estão a ser tratados os profissionais da polícia é que me incomoda. Quando acabar a pandemia vamos ver o que têm para nos dar e como é que vão repor os direitos que nos estão a ser retirados até agora”, sublinha o sindicalista do Algarve.

João Prudêncio

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