Há quem enriqueça a vender imóveis alheios

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Sérgio Martins, presidente da Junta de Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro, não tem dúvidas: há quem ande a enriquecer a vender imóveis alheios. Desde que denunciou as fraudes nas redes sociais, apareceram casos idênticos em todo o Algarve, mas só na sua secretária repousam uma dezena de casos fraudulentos, de gente que vende propriedades que não são suas. Sérgio Martins já descobriu três grupos organizados e denunciou-os ao Ministério Público

Quando finalmente decidiu denunciar o que se passava com as suas populações, ainda antes do verão o presidente da Junta de Freguesia de Santa Bárbara de Nexe já tinha uma resma de 10 casos amontoados na sua secretária, todos tirados a papel químico. E tinha removido as dúvidas que lhe restavam: havia grupos organizados de malfeitores que usurpavam o que não era deles e lucravam dezenas ou centenas de milhar de euros com negócios fraudulentos, com recurso à figura da usucapião ou da inscrição de um prédio omisso.


Hoje, e até perante a enorme quantidade de mensagens que a sua denúncia nas redes sociais provocou, desde a publicação, em maio, Sérgio Martins, eleito pela CDU naquela freguesia do concelho de Faro, é perentório e está seguro do que diz: “Na minha freguesia identifiquei três grupos organizados. Nenhum deles com cabecilhas daqui. Um é um tipo de Olhão, agente imobiliário; noutro grupo, o cabecilha é um inspetor das finanças reformado e noutro é uma agente imobiliária”, disse ele há dias ao JA.


Adiantou que os primeiros casos visíveis têm 3 a 4 anos.


A fraude ocorre amiúde nos concelhos de Faro e Loulé, mas o autarca está convencido – pelo feedback que as suas filmagens obtiveram junto de utilizadores das redes sociais – que está disseminado pela região e até pelo País. O modus operandi, contudo, parece ser sempre o mesmo. E o primeiro passo é encontrar um imóvel antigo, ou uma ruína, pouco ou nada utilizado e, por outro lado, um indigente, utilizador de drogas ou alcoólico que servirá de suposto proprietário do imóvel, a que se juntarão outros dois, para servirem de testemunhas. Em síntese, alguém que precise de pouco dinheiro e muito rapidamente.


“O objetivo é certificarem um desgraçado qualquer como proprietário de um bem imobiliário e a seguir vender logo para o comprador final. E, entretanto, embolsam 100 mil euros. Não tiveram nenhum custo na aquisição, a não ser os 200 ou 300 euros que deram a uns drogados para servirem de testemunhas ou testas-de-ferro. Esses indivíduos em nome dos quais eles registam os terrenos nem sequer sabem onde fica a propriedade”, detalha Sérgio Martins.

Quase não restam testemunhas dos anos 80


Quase literalmente a arder fica o proprietário inicial, que ficou sem o terreno e está a leste do que se passa nas suas costas, e (às vezes) o comprador final, porque quando a trama se descobrir pode ser anulada. “O legítimo dono não vai pedir dinheiro a um drogado que nunca viu a cor do dinheiro, a não ser 200 euros. Ele vai-lhe pagar como?”, questiona Sérgio Martins, lembrando que a essa hora já o autor e executor da ideia “se pôs a milhas” com o dinheiro do negócio.


“Identificam a ruína ou casa abandonada (as casas valem mais dinheiro do que os terrenos), a seguir agarram num tipo qualquer, que vai ao notário declarar que comprou aquilo verbalmente nos anos 80 e desde então toma conta daquilo à vista de toda a gente e sem oposição. O registo nunca foi feito e agora vem fazer a justificação para fazer o registo, o tal usucapião, ou a inscrição de um prédio omisso nos registos”, reforça, sublinhando que normalmente como data de fecho do suposto negócio, é dada uma data muito atrasada, porque isso tem vantagem: “Depois se alguém reclamar tem que ir buscar testemunhas da altura, tipo anos 80, e eles já morreram, ou mudaram, ou desapareceram. É difícil encontrar alguém dos anos 80 que testemunhe que não foi vendido verbalmente. Há casos de terrenos com várias parcelas e as pessoas até pagam menos IMI e ficam contentes e depois vai-se a ver e desapareceu uma parcela e o proprietário nem tinha dado por isso”.


“Tenho uns 10 casos desses já, em quatro ou cinco anos”, garante o eleito local, que jura terem aparecido dezenas de pessoas vítimas de fraudes congéneres desde que postou o caso no Facebook, em maio. “Fui com a informação toda, e apareceram advogados e pessoas vítimas dessas operações. Depois fui à PJ dar-lhes conhecimento e levei documentos, em agosto”.

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Sérgio Martins junto a um dos terrenos que foram objeto de tentativa de venda fraudulenta,
em Santa Bárbara de Nexe


O primeiro caso de que Sérgio se lembra foi espoletada por uma funcionária da junta cuja familiar se viu confrontada com uma dessas situações. “Acompanhei a situação, que na altura me parecia ser um caso isolado. Entretanto começaram a aparecer outras reclamações com o mesmo teor. E há um ano e tal houve um edital na junta de um indivíduo de Loulé que dizia que tinha comprado verbalmente uma propriedade aqui na freguesia, em 1980 e tal, sem escritura, mas dizia que desde então tomava conta da propriedade. Eu como conhecia a propriedade bastante bem denunciei aquilo ao Ministério Público. A dizer que parecia mesmo ser uma fraude”.


Passado um ano, apareceu um senhor na junta a pedir “para recolher um edital que nunca tinha ali dado entrada e eu fui confrontar o senhor, que estava a ser indelicado com as funcionárias. No fundo estava a tentar atrapalhar as moças a ver se elas carimbavam como o edital tivesse estado afixado. Era um homem de 60 e tal anos, bem apresentável e bem-falante. E ele falou numa propriedade dos Gorjões de que eu tinha feito queixa, mas já estava a resolver o assunto. Concluí que era o mesmo que tinha estado envolvido na outra situação em que fiz queixa. Fiquei a saber depois que aquilo foi a tribunal e foi declarado nulo. E ele estava na companhia de um outro senhor e de um outro e achei estranho”.


E foi aí que decidiu pôr o caso nas redes sociais, avisar as pessoas para terem cuidado, verem os seus registos: “Foi através do Facebook que eu consegui identificar a pessoa, o tal inspetor principal das finanças. Os vídeos têm milhares de comentários. São três redes de chicos-espertos ou ligados a agências imobiliárias ou às finanças que arranjaram uma maneira de registar em nome de um desgraçado qualquer – um bêbado, um drogado, um indigente – registam em nome deles, mas já têm uma pessoa em vista para uma venda. Eles só fazem isto tudo quando já têm um comprador”, sublinha Sérgio Martins.

“Tentaram vender-me o meu próprio terreno”


Após a denúncia do autarca do concelho de Faro, o JA chegou à fala com a proprietária de um terreno próximo de Almancil a quem chegaram a tentar vender um terreno que era dela (!), depois de ter rejeitado um negócio com um terreno contíguo: “Apareceu-me um senhor com aparência de ser de Leste e propôs-me vender um terreno contíguo ao meu. Claro que me interessava aumentar a propriedade. De repente começa a falar de outra propriedade que era a minha e eu descobri que não passava de um esquema fraudulento!”, disse ao JÁ a lesada, que por razões de segurança prefere ser tratado como Luísa F.
“Aconteceu comigo e está a tornar-se comum este fenómeno da venda ilícita de terras com proprietários e sem usucapião, sem que os seus proprietários saibam, retirando direito de serventia às outras hortas, com a usurpação, por terraplanagem ou mesmo por venda ilícita”, acrescentou Luísa F.


Sobre a venda ilícita de courelas em Almancil, Ludo, Esteval e outras terras próximas, Luísa F mostrou ao JA documentação que identifica o indivíduo que lhe tentou vender um imóvel de forma fraudulenta e as mensagens trocadas com ele.


“Este indivíduo também anuncia venda de terrenos em Querença, Alte e Loulé. Não se tratando de usucapião nem de outra figura aceite, os terrenos são anunciados à descarada na Internet, em plataformas de venda em redes sociais, sem conhecimento dos legítimos proprietários, apenas através de burla simples ou agravada, forjando documentos, que aparentam ter a necessária cobertura de outras entidades. Tendo denunciado o caso às autoridades competentes, assusta-me a desinformação dos proprietários de muitas pequenas terras, tanto no Ludo como na serra ou no barrocal, que estão descansados, pagando as suas contribuições.


Segundo Luísa F., conhecem-se casos similares com proprietários residentes no Esteval, em Almancil e em Santa Bárbara de Nexe, “mas raramente as pessoas denunciam as situações principalmente porque a justiça paga-se bem e porque não acreditam nela. Conheço um único caso em tribunal, o de um terreno junto ao cemitério de Santa Bárbara de Nexe, que foi vendido por 100mil euros à revelia da sua proprietária”.

João Prudêncio

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