– Neste segundo artigo seguindo a cronologia da crise, vamos começar por nos concentrar nas desvantagens de se ter uma moeda forte. Uma moeda forte é algo que convém à economia alemã não apenas porque evita processos inflacionários via importação, como exprime poder e porque este país tem uma estrutura produtiva de bens de elevado valor acrescentado, não facilmente substituíveis, de que o resto do mundo não prescinde em regra (veja-se no sector automóvel, cuja maioria das marcas se situa no denominado segmento pre-mium). Por este motivo, não admira que a Alemanha, (cuja economia vale mais de 30% do total do PIB da U.E.) tenha uma balança comercial exce-dentária (ou seja, o valor das exportações é superior ao das importações). É neste contexto que uma economia com um sector produtivo assente em indústrias de tecnologia inter-média, como a portuguesa, se tem que mover. Tradicionalmente importamos mais que exportamos o que contribui para uma balança comercial deficitária, outrora equilibrada com remessas de emigrantes (caíram 34% de 2000 para 2009). Com a moeda única perdemos a possibilidade de fazer o movimento do costume para repor o equilíbrio ou seja, desvalorizar o escudo e obter competitividade do tecido produtivo dessa forma. Agora o cenário é o inverso e a saída que nos restava era cortar na despesa pública no sentido de se promover a desvalorização pela via fiscal. Ora nós fizemos ao contrário: por exemplo, entre 2002 e 2006, a produtividade aumentou 1,38% em média mas os salários cresceram 2,18%. Como se tudo não bastasse, a Alemanha fez aquilo que nós devíamos ter feito ou seja, nos últimos anos, os salários estabilizaram e fizeram acordos laborais de flexibilização do mercado de trabalho. Por tal motivo, a economia líder que é suposto ser o motor da U.E. resolveu consolidar a sua posição competitiva no mercado mundial emagrecendo, cortando nos custos, aumentando a poupança (21,5%) e não fomentando o consumo (as compras) na zona Euro. Ou seja, não se pode contar com esta muleta para puxar pelo crescimento da zona euro (recorde-se que em 2009 a DE foi o maior exportador mundial). O resultado de tudo isto é que a U. E. viveu uma década de crescimento económico algo fraco (1,5% face a 2% nos EUA) e que Portugal cresceu em média menos de 1%. Ou seja, uma verdadeira anemia que ficou clara nos sucessivos défices orçamentais, resolvidos com recurso à dívida externa (por exemplo, os alemães que tinham excesso de poupança emprestavam-nos dinheiro, o que é um investimento pois rende juros), nos íamos pondo a jeito se algum problema ocorresse com os mercados financeiros internacionais e se tivéssemos problemas de acesso ao finan-ciamento da dívida entretanto criada. Os problemas de competitividade da economia foram pois agravados com o facto de termos uma moeda cujo valor não se coaduna com a nossa estrutura produtiva; os nossos salários que no contexto da zona euro são baixos, são altos face à produtividade conseguida; elementos transversais como as telecomunicações, energia eléctrica ou combustíveis, são mais caros que a média da U.E. Se a isto acrescermos a lentidão da justiça, temos o cocktail ideal para afugentar o denominado Investimento Directo Estrangeiro, que normalmente traz tecnologia e promove as exportações. Por melhores ideias que por vezes tentemos por em curso, como o plano tecno-lógico ou as energias alternativas, o país foi ficando peado por um fardo de excesso de despesa (recorde-se que cerca de 700 mil portugueses são funcionários públicos, 2.700.000 são reformados e pensionistas, 600.000 estão desempregados e cerca de 22.000 beneficiam do rendimento social de inserção. No global, com os dependentes, mais de metade da população está à mesa do orçamento do Estado). Como se não bastasse uma moeda desajustada das nossas condições produtivas, com a queda do muro de Ber-lim a U.E. abriu-se a leste (economias concorrentes com a nossa, que fomentam a nossa posição periférica) e a China tornou-se a fábrica do mundo. Em suma, pusemo-nos a jeito pelo que no próximo artigo revisitaremos o que esteve na base da crise que nos há-de apanhar em cheio: a crise dos empréstimos sub-prime e os problemas no mundo da finança.
* Professor da ESGHT Universidade do Algarve