Entrevista Hélder Martins: “Teremos que abrir portas à imigração”

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Em entrevista exclusiva ao JA, Hélder Martins, o novo presidente da associação hoteleira AHETA mostra-se preocupado com os entraves ao desenvolvimento do Turismo da região, Entre eles, destaca a falta de braços para a hotelaria. E não hesita em apontar um afrouxar das fronteiras como uma saída. Critica a falta de voos na região e a política da TAP, a política fiscal para o setor, os torvelinhos que bloqueiam a ocupação do território, os atrasos nas decisões estatais sobre investimentos. Aos 64 anos, o empresário, ex-presidente da RTA, aponta a aposta na promoção como segredo para o desenvolvimento do Turismo regional

JORNAL do ALGARVE (JA) Ganhou a liderança da AHETA por uma margem relativamente confortável, de 10%. A que se deve esta manifestação de confiança dos hoteleiros?
Hélder Martins (HM)
– Deve-se à necessidade de mudança que os hoteleiros sentiam. As pessoas não se devem perpetuar nos cargos, por isso vamos propor brevemente uma limitação do número de mandatos, para que possa haver rotação. Cada vez que chega uma equipa nova, traz novas ideias, novos projetos, nova dinâmica. E foi acreditando nisso que os sócios da AHETA deram a confiança à nossa lista.


JA – Porque decidiu avançar para esta nova fase da sua vida e da vida da AHETA?
HM
– Primeiro, sou empresário, sei o que custa pagar impostos, pagar salários, gerir uma empresa em tempos de crise. Por outro lado, fui convidado por um grupo muito significativo de associados e dirigentes da AHETA, segundo os quais o meu nome reuniu o maior consenso para uma nova fase da associação. E isso deixou-me com muito orgulho, ponderei a minha vida pessoal e profissional e decidi aceitar. Com muito orgulho.


JA – Foi acusado de protagonizar os interesses de empresários de fora da região e de patrões de grandes multinacionais. Como é que responde a essas críticas?
HM
– Eu gosto mais de falar para a frente do que para trás. O que se passou atrás já passou, as eleições já foram e a partir de agora não há mais listas, há sócios da AHETA para trabalhar em conjunto. Isso tem a ver com o calor do ator eleitoral, mas nunca vi essa crítica como sendo realista, uma vez que as pessoas de quem estamos a falar têm sido aquelas que ao longo dos anos têm feito parte dos corpos sociais da AHETA. Portanto, não foi agora que passaram a ser os “papões”! Foi uma questão relacionada com o ato eleitoral e já passou.


JA – Como avalia os 26 anos de Elidérico Viegas à frente da AHETA? Quais os maiores defeitos e virtudes desses mandatos sucessivos?
HM
– Eu estava numa fase da minha vida, a fase da criação da AHETA. Eu trabalhava com o Cabrita Neto no Governo Civil, que era simultaneamente o presidente da AIHSA, e entretanto aparece a criação de uma nova associação. Grande mérito de criar a associação e de a trazer até aos nossos dias com uma vida estável e dentro dos seus objetivos. Mas a partir do momento em que as pessoas se perpetuam no cargo passa a haver um afrouxar dos objetivos da associação. E foi isso que se passou: na fase final passou a haver uma relação não tão profícua entre os membros dos corpos sociais, a associação sofreu com isso e esperamos que esse período tenha passado. Há muito mérito na criação de uma associação, mas não é de uma pessoa só, é de uma equipa. E foram elas, que lideraram a AHETA desde o primeiro momento até hoje que tiveram o mérito de trazer a associação até ao que ela é hoje.


JA – O seu mandato será mais suave nas críticas às políticas para o Turismo que estão em vigor? Ou será mais duro?
HM
– O meu mandato vai-se caracterizar por estar sempre defendendo os interesses dos associados do setor e do Algarve junto de quem de direito, sem olhar se quem está no cargo dirigente nacional é do partido A ou B. Para nós não há partido, há apenas o Turismo, e o nosso mandato vai ser incisivo na defesa dos interesses do Algarve sem questões de política partidária.


JA – Qual a primeira medida a tomar, ou que já tomou, como novo presidente?
HM
– Já manifestámos à tutela que queremos uma reunião rápida para apresentar um primeiro conjunto de pontos importantes para nós. São questões importantes: a questão da fiscalidade, pois estamos sobrecarregados com impostos, com taxas, taxinhas, que vêm asfixiar as empresas. Há questões de custos de contexto, como a da energia, que altera completamente o planeamento que se faz de um ano para o outro. Há o problema gravíssimo dos recursos humanos, que as empresas têm hoje, não há recursos humanos suficientes. Na formação temos que ser competitivos e melhorar mais a prestação das nossas empresas, e isso só se consegue com melhor formação dos empregados. Temos um conjunto de objetivos para os primeiros 100 dias, mas ainda é cedo. Mas temos já um caderno reivindicativo.

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JA – Como avalia as políticas governamentais para o Turismo?

HM – O Algarve é considerada uma região rica, em termos europeus. Isso impede o Algarve, na área da promoção e outras, de recorrer a apoios que outras regiões do País têm. Na promoção temos que fazer mais e melhor, todos em conjunto, privados e públicos, mas temos que ter soluções para que o Algarve não seja o parente pobre neste processo, como região turística mais importante do País. Depois é importante que quem pensa pense o Turismo em primeiro lugar. E muitas vezes nas políticas do Governo não é isso que se passa. Quando se lançam impostos, investimentos, decisões não se olha a chamada “galinha dos ovos de ouro” e se há problemas aí também há no que vem atrás. Nos sucessivos governos de há uns tempos para cá nunca sentimos que o Turismo tivesse políticas prioritárias nas decisões.


JA – Foi presidente da RTA durante quatro anos, entre 2004 e 2007. Quais as suas principais críticas e elogios às orientações dos seus sucessores, nomeadamente deste último presidente, João Fernandes?
HM
– Em todos estes mandatos houve um momento crítico, quando foram alterados os estatutos, a seguir ao meu mandato, em que as regiões de Turismo perderam autonomia. administrativa e financeira. E hoje em dia, a Região de Turismo para tomar qualquer decisão importante tem que pedir autorização a Lisboa. No meu tempo – não tem a ver comigo mas com a legislação da altura – a RTA era um colégio de 33 pessoas (16 públicas, 16 privadas mais o presidente) que geriam o orçamento como bem entendia. Não tinha que pedir autorização quando tinha que tomar uma decisão. E com essa alteração de estatutos as regiões de Turismo perderam muita eficácia. Há muita gente que defende a extinção das regiões de Turismo. Passar as regiões de Turismo para as CCDR é muito mau, porque significaria a perda de autonomia do Turismo. Nestes últimos tempos a RTA e a Associação de Turismo do Algarve debatem-se com um problema de falta de verbas. Não havendo verbas não há milagres, ninguém consegue a multiplicação dos pães. Esse é o grande problema, que não tem a ver com críticas ao João Fernandes ou seus antecessores. Tem a ver sim com a necessidade de haver mais meios financeiros para a RTA e a ATA poderem fazer mais e melhor.


JA – Para lá da questão da pandemia, o que é que faz falta ao Algarve, em tempos normais, para atrair turistas e melhorar a qualidade do acolhimento a quem nos visita?
HM
– Em primeiro lugar fazem falta mais voos. Temos uma companhia aérea que se diz de bandeira, para a qual nós pagamos todos, que não serve o Algarve. Não vale a pena contarmos com a TAP! Esta decisão recente de haver uma ligação direta ao Canadá é muito importante. Hoje as ligações têm que ser ponto a ponto, porque o turista não quer fazer mudanças de avião pelo meio para chegar ao Algarve. Para isso, vai para outro destino. Não havendo aviões não há turistas. O Algarve tem uma oferta qualificada de grande qualidade que tem que melhorar ainda mais e falta um plano para as questões energéticas. É preciso uma forma de aliciar as empresas que permita que elas possam fazer essa transição. Nós suprimos a pandemia, os turistas sentem-se seguros no Algarve, mas é preciso chegar à região. E hoje o turista não é aliciado para sair de casa. Sai de casa, não sabe como volta, se tem que fazer testes, não sabe o que tem que fazer, e isso não motiva as pessoas a sair.

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JA – Faltam aqui grandes polos de atração, como parques recreativos, concertos, centros de exposições, pavilhões e espaços para grandes eventos, acontecimentos desportivos?
HM
– Tudo isso é muito importante, mas entronca noutras questões como os PDM, licenciamentos, questões que devem estar na primeira linha. Hoje o investidor chega ao Algarve para planificar um projeto e a pergunta que faz a seguir é “quando é que eu posso investir?”. E essa é uma resposta “de 1 milhão de dólares”!


JA – Em seu entender, tem sido correta a forma como o Governo tem lidado com a pandemia, no que respeita aos interesses turísticos dos empresários
da região e dos hoteleiros?
HM
– Podemos criticar mas também temos que dar um benefício, porque este foi um problema sem manual de instruções. Em cada dia que passa existem novos dados. E ninguém estava preparado para isto. É verdade que toda a gente critica esta ou aquela decisão, porque tivemos que fechar as empresas, porque tivemos que não renovar contratos ou despedir empregados. Mas eu gosto de dar o benefício da dúvida porque não sei se fossem outras pessoas a gerir como é que fariam. O que esperamos é que no pós-pandemia possa haver políticas efetivas para recuperar as empresas e os postos de trabalho. Porque continua a haver turistas, nenhum destino foi afetado. A pandemia afetou as pessoas!


JA – No que respeita à mobilidade, agora que temos autoestrada até Lisboa e A22 até Lagos? O que falta? O comboio? Defende um comboio de velocidade alta que venha de Espanha?
HM
– Já temos um comboio de velocidade média entre o Algarve e Lisboa. O problema é o número de frequências, há um comboio de manhã e outro à tarde. Mas pelo menos o grande investimento para deixarmos de ser pré-históricos nesse aspeto já foi feito. Agora é caricato, e aí sim pré-histórico, o que temos hoje entre uma ponta e outra do Algarve. O tipo de comboios que hoje circulam entre VRSA e Lagos não lembra a ninguém. Depois é caricato continuarmos a discutir se deve ou não haver uma ligação ao aeroporto. Enquanto não formos capazes de tomar estas decisões essa ligação a Espanha é qualquer coisa de fulcral. O problema é que os espanhóis não definiram a ligação entre Huelva e Ayamonte. Mas isso são questões transfronteiriças que as entidades têm que debater.


JA – Os empresários do Turismo queixam-se da falta de mão-de-obra para o setor. Falta gente. Como encontrar essas pessoas? Abrir as portas à imigração?
HM
– Teremos que abrir essas portas, não vejo outra solução! Para o turismo e para outras áreas, como a agricultura. E os médicos. Temos que criar condições para que essas pessoas que se querem fixar no Algarve para trabalhar tenham condições para ter uma casa. A habitação e os seus custos é um tema fundamental. A partir do momento em que haja estabilidade as empresas têm que pensar nas carreiras dessas pessoas, em fixá-las. Lembro que noutros destinos havia programas com o IEFP para fixar pessoas, mantendo-as durante o Inverno a trabalhar nas empresas, num período de formação intensiva mas trabalhando nas empresas. Sai mais barato fazer isto do que estar a pagar o subsídio de desemprego. Agora onde vamos buscar trabalhadores? Repare que há algumas unidades em construção para abrir. A pergunta é onde vamos buscar os trabalhadores para essas unidades? E no ano passado e há dois anos verificámos que houve unidades que houve outras unidades que não abriram precisamente por falta de mão-de-obra.


JA – Como é que se combate essa sazonalidade do Algarve? É possível acabar com ela?
HM
– É possível esbater, não acabar com ela, por causa da incidência no produto “sol e praia”. E infelizmente não temos esse produto principal no ano inteiro. Mas tem que haver outras infraestruturas, como a área dos congressos, com um bom comportamento agora no pós-pandemia. É uma boa forma de trazer milhares de pessoas para o Algarve no Inverno. Mas como é que traz se não há voos? Como localizamos um grande parte temático com atrações para o Inverno se os PDM não os deixam localizar?


JA – Em resultado da pandemia como está a saúde do setor? E, em sua opinião, quando vai recuperar?
HM
– Ninguém tem a varinha de condão para saber o dia de amanhã. Quando pensávamos que as coisas estavam calmas agravou-se outra vez. É evidente que a saúde financeira das empresas está débil Como se combate? Bem, nós continuamos a pagar impostos como se estivéssemos a trabalhar numa época normal e isso estrangula a atividade das empresas. Não faturamos mas temos que pagar impostos sobre o trabalho, as mesmas licenças, etc. No pós-pandemia esperemos que haja coragem de tomar decisões que às vezes têm que ser drásticas mas são importantes para o futuro. Esperemos que a pandemia dê tréguas e nós estejamos preparados. Mas lembro que os outros destinos estão na sua maioria a trabalhar ativamente no pós-pandemia. Devíamos aproveitar este período para requalificar unidades, maior formação, para a promoção. Porque não pensar, no Algarve, em reafetar uma parte do IVA que pagamos para a promoção? Os empresários não querem que esse IVA seja para seu benefício próprio, mas porque não meter uma parte desse imposto na promoção? E termos uma promoção mais ativa, que chegue ao consumidor? Temos que lhe chegar, mas depois temos que ter condições para o consumidor vir para cá. O destino tem que estar preparado para, no pós-pandemia, nós termos todas as condições para o receber.

João Prudêncio

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