Isidoro Sousa: “Os sócios mais antigos pediram-me, chorando, para levar o Olhanense à I Liga”

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Isidoro Sousa chegou à presidência da direção do Olhanense em 2007, tendo sido posteriormente reeleito em 2009 e em 2011. Está no clube há 28 anos e já trabalhou com cinco presidentes. Antes de liderar os destinos do emblema “rubro-negro” ocupou vários cargos, o último dos quais o de vice-presidente para o futebol sénior. Quando assumiu a presidência colocou como meta a subida à I Liga, um sonho antigo dos olhanenses que seria concretizado dois anos depois. No ano em que o clube celebra o seu centenário, Isidoro Sousa falou-nos da realidade do Olhanense, das dificuldades e dos projetos

Domingos Viegas

Quando assumiu a presidência do Olhanense esperava celebrar o centenário do clube na I Liga?
Quando esta direção tomou posse, depois de uma fase conturbada no clube, em que houve três assembleias e não se encontrava direção, traçámos uma meta. Sempre disse que o Olhanense não era sustentável na Liga de Honra, devido às diminutas receitas e às grandes despesas. Só havia duas hipóteses: a subia à I Liga ou a descida à 2.ª Divisão. Traçámos a meta de colocar o Olhanense na I Liga em três anos. Felizmente aconteceu antes, logo na segunda época. A partir de aí o esforço teria de ser muito grande para celebrar o centenário na I Liga. Veio a acontecer, apesar das grandes dificuldades, pois não é fácil para um clube como o Olhanense ter sustentabilidade para se manter na I Liga. Penso que é uma honra muito grande para todos que o clube celebre o seu centenário na I Liga.

Nas épocas que antecederam a subida, o Olhanense chegou a estar perto da I Liga por várias vezes. O que é que faltou, na altura, para que a subida não se tivesse concretizado antes?
Efetivamente, nessa altura fiz parte da direção liderada por Carlos Nóbrega, um presidente muito dinâmico e que veio dar uma lufada de ar fresco ao clube. Disse-lhe bastantes vezes que o Olhanense precisava de subir. Penso que faltou um pouco, talvez, de coragem e de aventureirismo. Lembro-me que no primeiro dia em que disse que o Olhanense tinha de chegar à I Liga chamaram-me lírico e aventureiro. É verdade que talvez não estivesse ciente de todas as dificuldades que iria encontrar, mas estive sempre ciente de que com trabalho e com uma entrega muito forte o clube tinha essa possibilidade. Ainda para mais, o passado do clube obrigava-nos a ter essa responsabilidade. Os sócios mais antigos, e com idade mais avançada, pediam-me para conseguir a subida. Diziam-me, chorando, que não queriam morrer sem voltar a ver o clube na primeira divisão. E os mais novos também me pediam encarecidamente para subir de divisão. E este é um sentimento muito forte, que ainda hoje guardo. Entretanto, algumas dessas pessoas já faleceram neste curto período. Penso que foi um prémio mais do que merecido, principalmente para os nossos sócios mais antigos, mas também para os mais novos, que nunca tinham visto o clube na I Liga. Isto foi, de facto, o que mais me moveu e o que mais me sensibilizou para a subida de divisão.

Os sócios pediram-lhe a subida e agora pedem as competições europeias…
Temos de ter os pés bem assentes na terra e perceber a realidade do Olhanense. Antes de mais, é preciso conseguir sustentar o clube na I Liga. Depois, com o tempo, logo se verá. Tudo o que possa acontecer neste clube tem de acontecer com naturalidade, mas sem precipitações. O trajeto que fizemos nos últimos anos foi muito bem programado e não aconteceu por acaso. Foi o trabalho de fundo de toda a estrutura do clube que permitiu chegar, naturalmente, à I Liga. Para ir mais longe terá de ser por este caminho. Não pode ser de outra forma.

Com estes tempos de crise, como é que se consegue manter uma equipa na I Liga?
Essa tem sido a grande dificuldade, não só do Olhanense, mas de todos os clubes. É obvio que o estado em que se encontra a nossa economia tem repercussões negativas na vida dos clubes. As dificuldades têm sido enormes. Este ano, os apoios que esperávamos e que seriam normais noutra situação, não foram cumpridos por via das dificuldades financeiras. Por exemplo, a nossa autarquia está com grandes dificuldades. Compreendemos a situação e sabemos que a câmara municipal tem feito um esforço enorme para poder acompanhar o Olhanense dentro das suas possibilidades. Muitas receitas ficaram por terra, como é o caso do Turismo do Algarve, que este ano já não patrocinou. O tecido empresarial do concelho é muito pequeno e também não tem capacidade de resposta.

…e quais foram as soluções?
Por exemplo, temos conseguido vender alguns ativos desportivos, ou seja, jogadores. Este ano já vendemos o Salvador Agra e vamos ter de fazer mais uma venda ou duas para equilibrar as finanças do clube. A solução tem de passar por aí, porque atualmente as receitas não são suficientes para cobrir as despesas. E na próxima época vamos ter de reduzir substancialmente o orçamento. Não há outro caminho. Mas também entendo que se conseguirmos ultrapassar este período mais difícil em termos financeiros, o Olhanense poderá sustentar-se na I Liga por muitos anos.

Sendo o Olhanense o único clube do Algarve a disputar a I Liga, também não tem havido resposta positiva da parte do tecido empresarial algarvio?
De facto o Olhanense representa a região algarvia, mas este ano não temos tido muito apoio. Há dois anos as coisas correram relativamente bem, mas este ano houve uma redução muito grande. Como já referi, o Olhanense precisa de fazer alguns negócios, nomeadamente desportivos, para se poder sustentar nesta divisão, que tem umas exigências muito grandes. Ainda por cima, o Olhanense está muito deslocado, geograficamente, o que nos causa despesas acrescidas por causa das deslocações.

Mas como é que está a situação financeira do clube?
Há dois anos, o Olhanense fez um investimento de 2,5 milhões de euros no seu estádio. Foi um investimento necessário, pois, caso contrário, não poderia competir na I Liga. O Olhanense está a pagar esse investimento e tem sido isso que tem pesado significativamente neste período de dificuldades. Estamos a negociar com os bancos para poder alargar um pouco mais o período de pagamento, já que são pagamentos a curto prazo. Estamos a tentar fazer com que o encargo financeiro seja menor. Mesmo assim, pensamos que ainda serão necessários mais dois ou três anos para estabilizar o clube. No entanto, o Olhanense é capaz de ser, excetuando os três grandes, o clube com mais património. Tem 27 frações, entre as quais o estádio, o bingo, a sede social, apartamentos, lojas no Ria Shopping, entre outras. Felizmente é um património muito grande e muito superior ao passivo. E todo o património está a ser rentabilizado.

Falou da venda de ativos desportivo. A aposta na formação também tem esse objetivo?
Há três ou quatro anos, o Olhanense iniciou um trabalho de fundo nas camadas jovens, para tirar dividendos, a médio prazo, para a equipa principal. Também estamos a fazer um trabalho árduo e constante, em todo o país, em termos de observação de jogadores das divisões inferiores. E tem dado frutos, pois nos últimos anos temos conseguido fazer vendas de jogadores oriundos das dessas divisões, como foi o caso do Agra e, também, do Vinícios. Este ano já temos mais três jogadores praticamente contratados para a próxima época, oriundos das divisões inferiores. Mas, como é evidente, ainda não podemos divulgar os nomes porque os campeonatos ainda estão a decorrer e não seria ético da nossa parte.

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Uma grande aposta na formação, mas os jogadores oriundos das camadas jovens do Olhanense ainda não conseguiram singrar na equipa sénior…
Durante várias décadas, a maioria dos jogadores dos diversos plantéis seniores eram da terra. Houve depois um vazio neste âmbito durante muitos anos, mas agora a nossa preocupação é apostar forte na formação para que possamos ter na equipa principal, a médio prazo, jogadores da nossa “cantera”. Mas esta é uma lacuna que não é só do Olhanense. Há poucos jogadores algarvios a jogar a alto nível, na I Liga e na II Liga. Isto mostra que o mal não está só no Olhanense e que é um mal geral. Mas o Olhanense está a trabalhar para inverter essa situação. Este ano temos o Vasco Fernandes, que foi formado no Olhanense, e há mais dois ou três jogadores oriundos dos júniores que, na próxima época, deverão integrar a equipa principal.

Que projetos é que a Direção tem na manga para os próximos tempos?
Queremos construir uma nova bancada nascente no Estádio José Arcanjo, a qual substituirá a atual bancada amovível. O projeto está em marcha e vamos ver se conseguimos os apoios para o concretizar. A ideia é aproveitar a bancada e criar, por exemplo, um espaços para o bingo, para lojas… Mas vai depender do desenvolvimento financeiro do processo e, como se sabe, a altura também não é a ideal. De facto, é uma obra necessária, também, para dar outra comodidade aos espectadores. Temos outros projetos, mas a altura, realmente, não é a melhor. A nossa grande preocupação é estabilizar o clube financeiramente. Só depois é que avançaremos para novos projetos. Também precisamos de um campo de treinos com relva natural e esperamos que possa ser uma realidade porque continuamos a efetuar treinos fora do concelho de Olhão. Mas o grande objetivo é cimentar o clube na I Liga e apostar forte nas camadas jovens.

O que é que os sócios podem esperar da equipa na próxima temporada?
Todos os anos dizemos que queremos melhorar a classificação do ano anterior. E a próxima época não será exceção. O primeiro objetivo é a manutenção e, como diz o nosso treinador, se conseguirmos continuar na I Liga já seremos campeões.

A mudança de treinador acabou por ser benéfica para a equipa…
Não tenho o hábito de mudar constantemente os treinadores. O Daúto Faquirá tinha transitado da época anterior mas, a dada altura, achei que era necessário mexer porque as coisas não estavam a correr de acordo com o valor do plantel. Por isso alterámos a equipa técnica em janeiro. O Sérgio Conceição é uma aposta num treinador jovem, tal como já tínhamos apostado no Paulo Sérgio, que subiu a equipa à II Liga, e no Jorge Costa, que conseguiu a subida à I Liga. É um treinador que ainda tem uma margem de progressão muito grande e estou convencido de que, a médio prazo, vai chegar a um clube com outra dimensão.

Sérgio Conceição é para continuar?
O Sérgio Conceição tem mais um ano de contrato e é para continuar. E, aliás, já estamos a preparar a próxima época. Tenho a certeza de que ajudará a projetar o Olhanense um pouco mais acima daquilo que temos feito até aqui.

…e há intenção de prolongar o vínculo?
Já falei com ele sobre isso e disse-lhe, inclusivamente, que estava disponível para assinar outro contrato, por mais um ano ou dois, se ele assim o entendesse. Há aqui um trabalho a seguir e entendo que o trabalho nos clubes não pode ser a curto prazo, mas sim a médio e a longo prazo. Quanto mais tempo os treinadores estiverem nos clubes, mais garantias dão de um trabalho mais sólido.

O Olhanense continua a ser um dos clubes que leva mais adeptos aos jogos fora de Olhão. Como é que explica este fenómeno?
Costumo dizer que a nossa massa associativa, se não é a melhor, é das melhores. Os nosso sócios têm uma paixão enorme por o clube. Olhão é um concelho pequeno e com poucos recursos, mas se o Olhanense chegou onde está hoje é porque temos atrás de nós uma massa associativa que nos permite sentir que este clube tem de ser grande e que tem de estar na elite do futebol português. Há uma paixão enorme em Olhão. Antigamente falava-se do Benfica, do Sporting, do Porto e só depois do Olhanense. Hoje, os mais pequenos já dizem que são do Olhanense antes de ser de qualquer outro clube, o que não acontecia há alguns anos atrás. E eu sinto um orgulho muito grande nisso. É uma paixão. Por muito longe que seja a deslocação da equipa, há sempre pessoas de Olhão. Em todos os jogos conseguimos levar um, dois ou três autocarros com adeptos. Nos percursos mais curtos, por exemplo, à zona de Lisboa, de Leiria ou de Coimbra, o Olhanense consegue levar milhares de pessoas. Estas pessoas percorrem milhares de quilómetros, independentemente da hora e do dia do jogo. Ainda este ano, em Setúbal, tivemos cerca de dois mil adeptos. Só os três grandes é que conseguem arrastar tanta gente. Isto é um sentimento de apoio muito forte e não me canso de lhes agradecer o esforço que fazem. Só assim é que conseguimos ter, neste momento, quase tantos pontos conseguidos fora como os que conseguimos em casa.

Mas o Olhanense não é só futebol…
O Olhanense move-se, quase exclusivamente, em torno do futebol. Atualmente tem na sua “cantera” cerca de 350 miúdos. Tem ainda uma secção de boxe, outra de ginástica e, obviamente, gostaríamos de ter outras modalidades, mas nos dias de hoje é impossível. Gostaríamos de ter basquetebol, andebol, futsal… Já me apresentaram alguns projetos, mas entendo que não é o melhor momento para avançar por esse caminho, a não ser que surjam apoios muito fortes para que o clube não tenha mais despesas. Se forem criadas as estruturas que idealizamos, penso que a médio prazo poderemos avançar com mais duas ou três secções. Mas, atualmente, a mola real do clube é o futebol profissional.

(entrevista publicada na JA Magazine, que acompanha a edição impresa do Jornal do Algarve do dia 26 de abril)

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