JOÃO LEAL

O estranho mundo das feiras outonais

Prestes a chegar o São Miguel (28 de Setembro), que tem o seu patronato ao Cerro na freguesia de Moncarapacho, desde os tempos remotos com todo o sortilégio e encantamento que em si mesmo comporta, mirante único para todo este litoral sotaventino, citado pelos mais famosos geógrafos da Antiguidade Clássica, marca o calendário anual de eventos em Terras do Meio dia o início do designado “Ciclo das Feiras Outonais”.
Era e é, segundo novos figurinos que os tempos e os homens impuseram, neste evolucionismo constante em que Teillard de Chard nos abriu caminhos e rumos, o desejado início do “ir à feira”, que o mesmo era dizer percorrer o Algarve, rebocado por este mundo, então exótico, diferente, estranho e cativante, que estranhas gentes e modos de vida, de ser e de estar comportava.
Olhão, acolhe a Feira de São Miguel, num prelúdio de carrousel, que termina “mais uma volta, mais uma voltarela para a Menina Manuela”, como o “speaker” do “Alverca” anunciava, que tem o ser términus em Lagos, lá para a segunda quinzena de Novembro.
Naqueles tempos em que as meias altas nos chegavam aos joelhos, a um escasso meio-palmo dos calções e no acompanhamento ritmado das botas cardadas (que as brochas faziam durar mais e o sebo tornava mais macio e durável o tanado), compradas, não raro a artesãos “serrenhos”, que se faziam acompanhar de outros com o serrobeco para as ja-ponas dos marítimos (o plástico ainda era escasso ou uma desejada invenção), os peros monchiqueiros e os bolinhos caseiros e aguardente de figo e de medronho e licores com poejos e outras ervas aromáticas.
Depois da ida obrigatória à Feira de Olhão, acontecia a de Moncarapacho, um compasso para a Feira de São Francisco (4 e 5 de Outubro) em Tavira, ali à beira-Ria, junto aos Milagres de Santo António e à Moagem (ex-Convento Cisterciense), com todo o diferente movimento que as gentes da Serra do Caldeirão lhe emprestavam, de modo próprio nessa “bolsa de quadrúpedes” que era uma verdadeira universidade da “arte de bem negociar a toda a sela”.
Seguia-se, a partir do 10 de Outubro, a mais desejada para os feirantes feira outonal do Algarve, com a Feira da Praia, em Vila Real de Santo António e a invasão pacífica, ruidosa (hombre, coño, salud…) dos espanhóis, já que muitos de “nuestros hermanos” aproveitavam o “toma cá dá lá” que a “diplomacia policial fronteiriça dos dois regimes ibéricos permitiam do visto para cruzar o Guadiana (os portugueses pelas Angústias, 8 de Setembro e os andaluzes pela “Feira da Praia”. E por cá ficavam e ficam (felizmente, outrora milhões de pesetas e agora centenas de milhares de euros.
O ciclo prosseguia até Faro nesta sua viagem com circos (“barracões” como se lhe chamavam – Luftman, o Royal, o Cardinali e tantos, tantos outros…), os “robertos e marionetes” (“Ai Carolina da ponta da unha”…), o “tinga latinga” (com a polícia de por perto, o “poço da morte” (lembra-se desse “heróico e destemido algarvio” que foi o ciclista José Martins, o aparecimento do “Carroussel V Oito” (construído em Faro por uma equipa do Júlio da Varina, conceituado comerciante de loiças e utilidades domésticas na Rua de Santo António, gentes estranhas e com estranhos hábitos e toda a presença que era um mundo diferente.
20 de Outubro era o dia principal desta “Feira de Santa Iria”, data que assinala a festividade desta mártir cristã e que antes do Largo de São Francisco correu outros locais como a zona de ao Pé da Cruz, enquanto a corredoura tinha lugar certo lá para São Luís, muito antes desta capital sulina ser uma cidade em quarto crescente. Foi a feira primeira a dar o grito de “mudança” e a buscar na modernidade outros chamamentos.
Seguiu-se a “Feira de Santos” (31 de Outubro e 1 de Novembro, na histórica Silves e nestas andanças, com passagens curtas por outras terras do Al-Gharb, até Portimão (“Feira de São Martinho”, com data maior a 11 de Novembro (dia litúrgico do santo que, segundo a lenda, cortou a capa e deu metade a um pobre – “São Martinho lapa vamos ao larapa, São Martinho vinho vamos ao copinho” –  tradições que se perderam e cuja lembrança nos trás recordações felizes de tempos idos).
Lagos (20 de Novembro) era e é o ponto final deste “Ciclo de Feiras Outonais” numa viagem ao Algarve bem fora acompanhando, que os nossos dias bem diferentes são daqueles de há três ou quatro décadas. Sinais do tempo e dos homens…

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2 COMENTÁRIOS

  1. O Outono, estação mágica dos frutos vermelhos

    O Outono é a estação dos frutos vermelhos autóctones do Algarve e em toda a Europa até à do Norte, nomeadamente na Polónia, onde matura se recolhe a cereja.

    No Algarve, temos a apanha do medronho que medra entre o barrocal e a serra; das romãs que outros povos apelam de “granadas” pela sua similitude com tal artefacto explosivo; das uvas tintas e da azeitona negra por fora e tintorra por dentro; e também da batata doce (avermelhada).

    E das castanhas a norte do país e seu vizinho castelhano. Do mirtilo e das cerejas no norte da Europa (na Polónia) maturadas no Outono.

    Dos doces de tomate; das compotas de frutos variados e geleias dos nossos avós. E dos marmelos, que quando cozidos a água e o fruto atingem uma cor próxima do avermelhado.

    Tudo reservas alimentares que compunham a despensa para a travessia do cru Inverno, para os mais afortunados, de alguns remediados e de muitos pobres algarvios que se contentavam com os figos secos enceirados em empreitas e perfumados com folhas de moita. E para alguns também o privilégio do figo cheio com amêndoas torrado nos fornos de lenha que existiam junto às casas pelos campos fora à espera que chegasse o folar da Páscoa, também ele a aproximar-se do vemelho em que tinha sido forneado.

  2. (Correcção ao texto do comentário anteriormente enviado)

    “O Outono, estação mágica dos frutos vermelhos”

    O Outono é a estação dos frutos vermelhos autóctones (do Algarve), e em toda a Europa, até à Polónia.

    No Algarve, temos a apanha do medronho vermelho, que medra e matura entre o barrocal e a serra; das romãs que outros povos apelidam de granadas pela sua similitude com tal artefacto explosivo; das uvas tintas; da azeitona negra por fora e tintorra por dentro; e também da batata doce (avermelhada)

    Das castanhas a norte do país e do seu vizinho castelhano. Do mirtilo e das cerejas na Polónia.

    Dos doces de tomate; das compotas de frutos variados; das geleias e da marmelada. E dos marmelos, que quando cozidos, a água e fruto atingem um tom próximo do avermelhado.

    Todas estas iguarias ajeitavam a despensa para a travessia do cru Inverno de antanho. Para os mais afortunados havia fartura. E para os remediados pouco sobraria no final do frio. Para os mais pobres restava-lhes ir pedir de porta-em-porta e receber dois tostões e alguns figos secos. Mas não em todas as casas. Outros remediados contentavam-se com os figos secos enceirados em empreita (palma), e perfumados com junco do campo ou folhas de moita. E para alguns também o privilégio do figo cheio com amêndoas, torrado no forno de lenha com um pouco de canela, acompanhado com um “calcezinho” de aguardente de figo ou de medronho, na noite das “janeiras”, de porta-em-porta, ou em casa.

    Muito disto, à espera que chegasse o folar da Páscoa, também ele avermelhado pelo forno onde tinha sido cozinhado e saído crestado.

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