Jorge de Mendonça Pessanha: de adail de Tânger a capitão de Ceuta

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Jorge de Mendonça Pessanha, “cheio de rectidão e disciplina”: de adail de Tânger a capitão de Ceuta

legenda: Grandiosa vitoria que alcanzó de los moros de Tetuán Jorge de Mendonça y Piçaña, general de Ceuta, quitándoles gran suma de ganados cerca de las mismas puertas de Tetuán. Este año de 1633. Compuesto por doña Ana Caro de Mallén

Como é de conhecimento geral, foi em 1640 que o reino de Portugal, que via o seu império ameaçado pelos ataques de ingleses, franceses e holandeses, declarou guerra a Espanha, colocando fim a sessenta anos de União Ibérica. Foi nesse contexto que Ceuta, contrariamente a todas as colónias e territórios ultramarinos que constituíam o vasto império português, optou pela soberania espanhola, mantendo a lealdade a Filipe IV e que Tânger foi cedida a Inglaterra em 1661, como dote de casamento da princesa portuguesa Catarina de Bragança com o rei inglês Carlos II. Com efeito, não será exagerado afirmar que a transição destas cidades para a administração espanhola e inglesa acabou por eclipsar em larga medida a História destas cidades do Estreito no século XVII, nomeadamente, no que se refere aos anos que antecederam o rebentar da Guerra da Restauração. É nesse sentido que o presente artigo tem como objectivo recordar uma personalidade algo esquecida da Expansão Portuguesa. Referimo-nos, desde logo, a Jorge de Mendonça Pessanha.

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Assinatura de Jorge de Mendonça Pessanha


De facto, foi com alguma surpresa que constatámos não existir qualquer estudo ou resenha biográfica mais aprofundada acerca deste bellator português da Idade Moderna, ainda que alguns autores de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX tenham tecido rasgados elogios à sua acção guerreira e administrativa no Norte de África. De facto, diz-nos Afonso de Dornellas que “o Governo de Jorge de Mendonça Pessanha, foi cheio de rectidão e disciplina, salientando-se entre a maioria dos seus antecessores” (Historia e Genealogia, Vols 3-4). Já Fernando Mendes, em A dynastia de Bragança, refere que “Em Ceuta, vemos Jorge de Mendonça Pessanha co o triumpho ganho contra os moiros a fama dos mais intrepidos capitães d’aquella praça” (Volume I). Posto isto, torna-se pertinente esclarecermos, ainda que em traços gerais, alguns aspectos biográficos de Jorge de Mendonça Pessanha. Antes de mais importa referir que este indivíduo era descendente de uma linhagem cuja origem em Portugal remonta aos inícios do séc. XIV, quando o rei D. Dinis entregou o almirantado da marinha de guerra portuguesa ao genovês Manuel Pessanha. Linhagem, aliás, que marcou presença no Norte de África desde o primeiro momento da Expansão Portuguesa, já que entre a nobreza que acompanhou D. João I na conquista de Ceuta de 1415 encontrava-se o almirante Lançarote Pessanha (Zurara, CTC, Cap. L).


De acordo com documentação à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Jorge de Mendonça Pessanha era fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo. Porém, a rectidão e disciplina que caracterizaram o governo deste capitão de Ceuta deve-se, antes de mais, à sua notável carreira militar em Tânger, praça ocupada por Portugal no seguimento da conquista de Arzila de 1471. Se seguirmos a Historia de Tangere de D. Fernando de Meneses, capitão daquela praça do Estreito entre 1656 e 1661, apercebemo-nos de que Jorge de Mendonça Pessanha manteve-se como adail de Tânger desde antes de 1 de Março de 1608, ou seja, ao longo de aproximadamente duas longas décadas! Sabemos que em 1615 ausentou-se de Tânger, sendo substituído temporariamente pelo almocadém Gaspar Ribeiro. No entanto, a sua ausência não deve ter sido longa, uma vez que em 1617, reconduzido no posto de adail, comandou uma força constituída por duzentos e vinte e cinco cavaleiros contra os campos de Sid Alxambra. Com efeito, as cavalgadas comandadas por Jorge de Mendonça Pessanha não poucas vezes resultavam no aprisionamento de adversários, gado e outros despojos, como aconteceu em Agosto de 1619, quando retornou a Tânger com “quatrocentas cabeças de gado grosso, quinhentas do meudo”. Para além disso, a sua reputação foi igualmente construída em função de situações de guerra em que revelou assinalável coragem e sagacidade contra adversários valorosos e bastante superiores em número, tal como aconteceu em 1625, quando novecentos cavaleiros mouros “investiraõ tres vezes o Adail”, que aguentou a sua posição num combate comandado pelo Conde de Linhares, o então capitão de Tânger. Não é portanto de estranhar que este tipo de triunfos fizessem com que fosse “recebido do seu General, e de toda á Cidade (de Tanger) com os louvores que sе lhe deviaõ por taõ honrado successo”.


Finalmente, em 20 de Março de 1627 deu início ao seu governo em Ceuta, sendo acolhido efusivamente pela cidade. Através da Historia de la mui noble y fidelíssima ciudad de Ceuta, de Alejandro Correa de Franca, ficamos a saber dos êxitos militares de Jorge de Mendonça Pessanha, como o socorro prestado em 1628 às tropas espanholas em Mamora ou a batalha contra os mouros de Tetuão que teve lugar em 1629 e que fez com que o capitão português entrasse em Ceuta vitorioso e aplaudido pela população. De resto, foi esta façanha militar que inspirou a escritora Ana Caro de Mallén a escrever Grandiosa vitoria que alcanzó de los moros de Tetuán Jorge de Mendoça y Piçaña, general de Ceuta, quitándoles gran suma de ganados cerca de las mismas puertas de Tetuán…, obra poética publicada em Sevilha, em 1633. Em meados do ano seguinte Jorge de Mendonça Pessanha foi substituído no cargo, regressando à Corte. Acabou por falecer em Lisboa, em 17 de Novembro de 1636, o célebre adail de Tânger e capitão de Ceuta. Que a História dos Algarves de Além-mar não o deixe cair no esquecimento…

Fernando Pessanha

*Historiador

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