JOSÉ CARLOS BARROS

 Ficções [22.] Um outro lugar

 

SOUTO MOURA, depois de Álvaro Siza em 1992, acaba de vencer o Pritzker. Podíamos olhar a sua obra como uma metáfora e uma lição. Como um sinal das coisas que deveriam guiar-nos na procura difícil dos caminhos do futuro. A metáfora de um outro lugar. Um outro lugar que deveríamos todos procurar em vez da crispação militante, da canelada e do clubismo acéfalo. Em vez de vestirmos sempre as mesmas camisolas sem nos interrogarmos. Em vez de vestirmos as camisolas que já vestimos uma vez e outra. As camisolas com que ganhámos várias batalhas e fomos perdendo todas as guerras. As camisolas que estamos disponíveis para vestir de novo com o fito de ganhar uma batalha ainda que antecipadamente saibamos que vamos perder uma guerra.

A OBRA DE SOUTO MOURA desenhou-se sempre num espaço de absoluta modernidade. Mas, simultaneamente, sempre vinculada às lições da pedra erguida por um homem do campo ao construir os muros das propriedades ou as paredes das casas. O poder, na sua obra, é representado por esse luxo que vem das coisas simples, elementares, elementais, estilhaçando as fronteiras das relações de poder. Em cada um dos seus projetos o todo é importante porque reverte do cuidado com o pormenor. A ousadia e a escassez parecem avançar em conjunto como se anun-ciassem um outro lugar. Um novo lugar. Como se o lugar do futuro precisasse da compreensão do passado para que seja possível desenhar um lugar novo.

MAS NÃO HÁ TEMPO nem espaço, no tempo que corre, para discutir o Nobel da arquitetura e o que está por detrás da atribuição dele. Não há tempo nem espaço que não sejam o espaço e o tempo da crispação militante. Lá fomos nós todos, de súbito, buscar as nossas camisolas penduradas atrás da porta. Lá fomos nós todos, de repente, buscar as nossas bandeirinhas de acenar às janelas. Como se não fosse tempo de procurar um outro lugar. Como se não fosse tempo de pôr em causa o espaço que tem vindo a ser ocupado em alternância. Como se não houvesse novos sinais: os sinais da descrença. Os sinais de um fim de ciclo. Como se a demagogia e a retórica pudessem impor-se indefinidamente.

DE PAULO FUTRE haveremos de ficar sempre com a imagem da sua genialidade em campo, das suas incursões pela esquerda, da sua finta rápida, da sua velocidade e da sua criatividade, do seu remate pronto, da sua entrega dentro das quatro linhas. E o episódio recente da militância numa lista à presidência do Sporting, os seus dislates, a sua ingenuidade, as suas promessas bem intencionadas e risíveis (como se, por exemplo, em tempo de crise um político nos prometesse milhares de novos empregos), não haverão de apagar a imagem do futebolista ímpar que foi. E que será sempre quando nos recordarmos dele. É verdade que Paulo Futre nos lembrou demasiado uma realidade fora do futebol. Essa irrealidade delirante em que ninguém está já disposto a crer. Mas que, enfim, vamos desculpando.

A LISTA DE PAULO FUTRE à presidência do Sporting prometia Rijkaard como treinador. E o génio não fazia a coisa por menos: com Rijkaard, dizia Paulo, «o Sporting vai praticar o futebol que pratica o Barcelona». Mais coisa menos coisa, é isto que nos dizem fora do futebol, ambos em alternância: que é agora que vamos praticar, fora das quatro linhas, um futebol como o Barcelona. Como se as pessoas não tivessem já interiorizado que é preciso, que é indispensável, a procura de um outro lugar. Mesmo que não saibam ainda que lugar é esse, e que caminhos teremos que percorrer para encontrá-lo.

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