JOSÉ CARLOS BARROS

FICCÕES

[11.] Um caminho

 

UM NOVO ANO traz consigo essa mistura de tédio e exaltação, de nostalgia e esperança. Porque um novo ano representa o que desconhecemos. Mas representa também os dias por abrir, inteiros, disponíveis para as nossas resoluções de mudarmos e mudar o mundo. Não é diferente em épocas de crise. Mesmo quando, como agora acontece, a crise deixou de ser apenas uma palavra, um prenúncio, uma velada ameaça, uma realidade provisória. É com as expectativas intactas, com um obscuro alento – feito às vezes de contradições ou procuras desencontradas – que, ainda assim, os caminhos se nos desenham. E, ainda assim, há um desperdício, uma energia imensa que deixamos perder-se: uma energia que vem do período imediatamente anterior ao do fim do ano, em crescendo, entre símbolos e árvores iluminadas, entre o presépio e as ruas e os largos; uma energia feita de fé em nós e em todos os homens, de forças solidárias, de correntes positivas. Uma energia que parece que vai diminuindo, depois das primeiras boas-festas, lentamente, à medida que se anuncia a contagem decrescente da última meia-noite do calendário velho e entramos num ano novo entre esperança e uma já pressentida, inevitável, desolação.

TALVEZ HÁ MUITO, no entanto, não necessitássemos tanto (como hoje) de manter, de conservar, de guardar em nós e estender no tempo essas forças que unem, essas resistências capazes de convocar a regeneração e confrontar o cinzento-escuro dos conflitos. Porque os dados são novos, porque a realidade é outra, porque há um paradigma que mudou. E porque, portanto, terão que ser outros os modelos, outras as soluções, outro o modo de nos confrontarmos com os dias ainda por abrir.

É INCRÍVEL, aparentemente contraditório, que a crise atual proceda de uma época de êxitos, de sucesso, de tão gabadas e empolgantes transformações da sociedade. Em Portugal, por exemplo: a terciarização conseguida num ápice; a eliminação quase instantânea de sistemas arcaicos de exploração da terra (há nos supermercados…); a destruição da pesca artesanal; a eliminação de escolas, de centros de saúde, de urgências, de maternidades, de estruturas em territórios de baixa densidade, possibilitando a concentração e a consequente racionalização económica (era ver os gráficos…); as energias alternativas, as barragens de elevado potencial hidroelétrico (esqueçamos os valores não discriminados nas faturas – a mensal, em papel, e a outra, a da destruição irreversível dos recursos endógenos); os subsídios à inovação e aos empreendimentos estruturantes; o Magalhães ou a redução estatística das retenções (delicioso eufemismo para designar uma raposa); os quilómetros de autoestradas e ips e viadutos (ah, pois, esta chatice das portagens…); a inovação tecnológica e a burocracia administrativa; as empresas na hora; o acesso generalizado ao crédito; a reiterada promessa da abundância.

UM NOVO ANO traz consigo essa mistura de tédio e exaltação, de nostalgia e esperança. Porque um novo ano representa o que desconhecemos. Mas representa também os dias por abrir, inteiros, disponíveis para as nossas resoluções de mudarmos e mudar o mundo. Porque é sempre possível escolher um caminho. Um outro caminho.

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