Jovens do Algarve dão cartas no mundo do cinema

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Em curtas ou longas metragens, o cinema de origem algarvia tem dado que falar no meio cinematográfico português e no estrangeiro. As várias produções da nova geração estão presentes nos maiores festivais de cinema nacionais e internacionais e os produtores e realizadores trazem vários prémios para casa, enchendo de orgulho um setor que, por vezes, não recebe o devido reconhecimento e apoio. O JA MAGAZINE foi à procura das novas caras da região. E não precisou de procurar muito para achar uma mão cheia delas, plenas de talento e saber

A curta-metragem “2 Dto”, realizada pelo algarvio Hernâni Maria Cabral, recebeu recentemente um prémio internacional, tendo levado para casa o troféu de Melhor Filme e Melhores Realizadores no Trapped Film Festival que decorreu nos Estados Unidos da América.

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“A nossa curta-metragem foi aplaudida nos EUA neste festival tão bem feito e com pessoas impecáveis e, como tal, agradecemos humildemente estes prémios e as palavras que nos enviaram de incentivo”, revelou o realizador algarvio na rede social Facebook. O JA tentou contactar o cineasta até ao fecho desta edição, mas sem sucesso.

Hernâni Maria Cabral


Aos 29 anos, Henrique Prudêncio é um dos mais jovens realizadores de cinema algarvios, com vários prémios no seu currículo. A paixão pela sétima arte começou quando pegou na câmara do seu pai e fez uns filmes com um colega, com quem entretanto criou a Onirico Filmes, em 2013.


“O meu amor pelo cinema acabou por ser mais forte que o teatro, tendo tirado o curso de Vídeo e Cinema Documental em Abrantes, pelo Instituto Politécnico de Tomar”, conta Henrique Prudêncio ao JA MAGAZINE, acerca do seu início de carreira artística.


Ao longo dos anos, foi conhecendo várias pessoas que o ajudaram nas suas produções e, assim, “o projeto de infância foi continuando”.


Mesmo pagando o preço de ter faltado às aulas durante uma semana, o realizador fez o se primeiro filme mais a sério em Faro, onde nasceu, e percebeu aí que “a qualidade estava a ser muito boa”: um sinal de que tudo estava no caminho certo.


Neste momento, o mercado faz com que a sua empresa faça muitos videoclips de artistas musicais, como é o caso dos algarvios Filipe Cabeçadas, Galopim ou Fernando Leal, além de anúncios promocionais e publicitários para a Câmara Municipal de Loulé e para a Timberland.


“A maneira que faz com que a empresa consiga subsistir é esse mercado, mas claro que a nossa paixão real é sempre o cinema, a ficção e o documentário”, sustenta o jovem realizador.


As paisagens do Algarve são alguns dos cenários principais das produções de Henrique Prudêncio, que confessa que nesta região “consegue-se gravar de uma forma diferente do que numa capital” e que “é extraordinário todo o espaço em volta e a paisagem que existe”, que considera “incomparável e mais natural”.


“Um Dia” é o nome de uma curta-metragem assinada por Henrique, gravada em 2013 e lançada em 2015 e que lhe deram os primeiros prémios: Melhor Ficção nos prémios C(h)orta de 2017, Menção Honrosa da Fundação Inatel em 2015, Prémio do Público nos Shortcutz em Faro em 2016 e Melhor Curta nos Shortcutz da Figueira da Foz em 2018.


No entanto, a produção que tem sido, como faz questão de dizer, “o pequeno bebé” da sua carreira até ao momento é “Um Retrato de Borboletas”, que foi selecionado para prémios na Escócia e Rússia. Para casa, Henrique Prudêncio trouxe ainda os galardões de festivais norte-americanos, japoneses e franceses, em categorias como “Melhor Escrita”, “Melhor Realizador”, “Melhor Atriz” e “Melhor Ator”.

Henrique Prudêncio


“Acima de tudo, tenho uma preferência pela realização de filmes de ficção e gosto muito de escrever diálogos onde o naturalismo é muito importante”, referiu Henrique ao JA MAGAZINE, salientando que também gosta de se focar “em histórias que mudam outras pessoas, quando podemos descobrir-nos a nós próprios através do olhar do outro”.


A escrita, outra das paixões que partilha com o seu pai, é um dos elementos que considera fundamental para o cinema, uma vez que o ajuda a si próprio: “Sinto sempre que tenho de ser eu a escrever. É um processo muito íntimo, porque me obriga a estar do lado das personagens para retratá-las com fidelidade. Às vezes ficamos anos a olhar para nós sempre da mesma perspetiva e depois conhecemos uma pessoa que nos faz olhar de outra forma”, confessa.


Durante a época de confinamento devido à pandemia de COVID-19, o realizador aproveitou o tempo para enviar candidaturas a concursos públicos, “10 anos depois de fazer cinema pelas próprias mãos” e para escrever uma longa metragem.


“Com a produção parada, não há muitas condições para voltar a gravar. No mercado dos videoclips, os artistas estão com algum medo. Os planos de videoclips que tínhamos para fazer recuaram”, revelou o jovem.


No entanto, apesar das dificuldades vividas devido à pandemia, Henrique finalizou um documentário sobre Ana Cristina Oliveira (sua mãe), “uma referência no teatro no Algarve” e o seu grupo de teatro escolar, intitulado “Tapete Mágico”.


Entretanto, juntamente com o seu colega, estão também a escrever duas séries e esperam ter o apoio da Netflix ou da RTP. Após o envio das candidaturas, Henrique percebeu que “tem sido bastante interessante”, pois considera que “a cada candidatura que fazemos, aprendemos mais”.


“Sinto-me um melhor escritor a cada guião que acabo”, concluiu.

Bichinho da animação


Na área do cinema de animação, Catarina Calvinho Gil tem vindo a destacar-se, apesar da sua curta carreira artística. A jovem farense de 26 anos é realizadora de filmes de animação e tem vindo a ter reconhecimento a nível nacional, com a conquista de um prémio Monstra, em 2019.


“Desde pequena que sempre tive esta paixão e este grande interesse pela animação, mas nunca pensei em trabalhar na área ou em estudar mais sobre o assunto”, confessou Catarina ao JA MAGAZINE.

Catarina Gil


No entanto, “as coisas foram acontecendo” e as “pequenas aventuras” foram levando a jovem realizadora por este caminho, após ter participado num workshop de animação na ETIC, em Lisboa, durante uma semana: “foi muito intensivo, mas aproveitei para experimentar e gostei”.


O bichinho da animação já existia, uma vez que uma das suas grandes influências são filmes que o seu pai lhe mostrava do animador japonês Hayao Miyazaki e “todos os clássicos da Disney” que Catarina assistia quando era pequena.


No ano passado, uma das curtas-metragens que a jovem algarvia produziu durante o seu percurso na Universidade Lusófona, em Lisboa, ganhou o prémio do festival Monstra na categoria de “Melhor Filme de Estudante Português”. Trata-se de “Querido Algarve”, realizada em contexto académico.


Essa curta-metragem vencedora foi feita para uma disciplina, cujo professor “incentivou a fazer um filme que falasse ou que refletisse sobre o espaço e a maneira como podíamos usar a animação para pensar sobre os locais que nos rodeiam”, referiu.


“Na altura não sabia muito bem o que fazer, mas como cresci em Faro, pensei falar sobre isso”, revelou Catarina acerca da curta-metragem, que é “uma reflexão sobre como o Algarve mudou ao longo dos anos, uma vez que vivemos sempre num constante processo de mudança”.


No mesmo ano, Catarina trabalhou como animadora e co-realizadora do episódio do Lince Ibérico para a série de animação “Crias”, que foi transmitida na RTP, além do trailer para a 20ª edição da Festa do Cinema de Animação Francês.


Na área da animação, que é desconhecida por muitos, Catarina Gil considera que “há cada vez mais jovens a investir, a ter curiosidade, a querer fazer filmes e a produzir”, apesar de ainda não haver muito mercado “nem valorização cultural a nível nacional”.


Após várias curtas metragens em contexto académico, Catarina Gil encontra-se neste momento a trabalhar numa longa metragem intitulada ”Nayola”, realizada por José Miguel Ribeiro e que está em produção.


Para o futuro, a jovem pretende “fazer outra curta-metragem de animação e falar, desta vez, de questões relacionadas com o ambiente e o desrespeito pelo mesmo”, confessou, salientando que tenta sempre “transmitir uma mensagem”, uma vez que “o cinema tem essa característica muito forte e bonita”, mesmo que as pessoas não se identifiquem.

De ator a realizador


Diogo Simão tem 26 anos e é natural de Pechão, onde começou a dar os primeiros passos como ator em peças de teatro que fazia nos escuteiros, com amigos, tendo pisado o seu primeiro palco pelas mãos de Ana Cristina Oliveira.


“Comecei a escrever com amigos, mas sempre com vontade de contar histórias e não necessariamente de representá-las”, referiu o realizador ao JA MAGAZINE.


Uma vez que as suas peças de teatro apenas chegavam a um pequeno grupo de pessoas, o jovem algarvio pensou que a melhor solução para chegar a um público maior seria o cinema, “pois era mais fácil e podia gravar tudo com uma câmara”.


No entanto, continuou como ator em cinema mas foi “aprendendo como é que os técnicos trabalhavam e até fazia atividades que não eram de ator, para perceber como a coisa funcionava”, revelou.

Diogo Simão


Quando terminou a sua licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade do Algarve, em Faro, esteve a estagiar numa produtora e foi apresentador e produtor do Shortcutz, na capital algarvia.


Em relação às suas curtas-metragens, o realizador começou a realizá-las em contexto académico e algumas delas tiveram “viagens a nível nacional e internacional” por diversos festivais de cinema.


A sua segunda curta, “Trindade”, ganhou um prémio de realização na Roménia, enquanto “Sam”, a mais recente, “que está no princípio da sua viagem de festivais”, viu o seu percurso interrompido devido à pandemia de COVID-19.


Apesar de haver festivais de cinema que devido ao novo coronavírus passaram a decorrer de forma online, o jovem realizador algarvio confessa que essa via “não interessa a filmes com uma produção maior ou com um orçamento elevado, porque se o filme fica exposto online, depois pode não entrar noutros festivais e em projeções em cinemas”.


Diogo é uma das pessoas que está a frente do Young South Film Festival – Couch Edition, que pretende manter as pessoas em casa durante a pandemia com a transmissão de curtas-metragens semanais nas redes sociais do Cine-teatro Louletano e do Loulé Film Office.


Para o jovem realizador, o Loulé Film Office “tem sido uma pedra basilar do desenvolvimento do cinema do Algarve”, uma vez que “tem atraído produções nacionais e internacionais com muito valor, que têm ganho prémios”, referiu ao JA MAGAZINE.


“A primeira produção da Netflix a gravar em Portugal foi em Loulé, tal como outros grandes nomes internacionais vêm cá fazer filmes”, destacou Diogo Simão, que congratula o trabalho feito pelo Loulé Film Office em “captar produções e técnicos para o Algarve”, principalmente portugueses e jovens”, além de apostar na formação.


“Tenho a certeza que no futuro vamos ver frutos recolhidos do Loulé Film Office e ainda vão surgir mais”, salientou.


“Quando comecei a trabalhar como apresentar e produtor, não havia muitos realizadores no Algarve. Havia dois ou três, mas neste momento, e felizmente, consigo dizer uma, duas ou três mãos cheias de realizadores e de técnicos”, referiu Diogo Simão ao JA MAGAZINE.


O jovem considera ainda que a Universidade do Algarve tem falta de um curso dedicado ao cinema, “pelo menos um mestrado ou uma pós-graduação”, pois há “muitas pessoas a saírem de Ciências da Comunicação ou Imagem Animada com vontade de ir para cinema e têm de ir para Lisboa ou para a Covilhã”.


Apesar de existir a ETIC, em Faro e Lisboa, “que tem feito um bom trabalho”, segundo Diogo, “não é suficiente, pois tem de haver uma especialização e investimento maior”.


“Há massa crítica, pessoas que gostam de ver e de fazer cinema”, concluiu.

“Quem corre por gosto não cansa”


Nasceu na Covilhã, onde, quando era pequeno, frequentava os nostálgicos e extintos clubes de vídeo. Grande parte da vida de Luís Campos, de 34 anos, foi depois passada em Portimão, até ingressar no curso de Cinema na universidade da Covilhã, até 2008.


Hoje, sente-se metade algarvio e metade covilhanense. Na cidade serrana começou “a desenvolver o conhecimento teórico e histórico do cinema” no curso que frequentava, além de várias curtas-metragens que realizou, disse Luís ao JA MAGAZINE.


Já no ensino secundário, em Portimão, o bicho da sétima arte percorria o espírito de Luís, que chegou a realizar “alguns exercícios” relacionados com o cinema para a escola.


Em 2017, a curta-metragem “Carga” encheu as prateleiras de Luís com prémios nacionais e internacionais. Ao todo, são mais de 10 prémios e cerca de 20 participações em festivais de cinema em todo o planeta – da Europa à América -, que o enchem de orgulho.


Entre outros projetos como produtor ou a fazer parte da área criativa foi também argumentista numa longa-metragem intitulada “Funeral à Chuva”, que esteve em 20 salas de cinema nacionais e também ganhou vários prémios.

Luís Campos


Neste momento trabalha em duas produtoras, na Squatter Factory e na Bro, onde produz filmes e festivais de guiões, outra das paixões de Luís.


“Acho que é o ponto de partida de um processo de criação cinematográfica. A ideia, a imaginação, criar uma história, são coisas que me atraem muito, tal como a parte de organização de eventos e iniciativas”, confessou o cineasta.


Entretanto, Luís “tinha previsto filmar em junho uma curta-metragem em Portimão e Alvor”, mas as gravações foram canceladas devido à pandemia de COVID-19.


No entanto, este plano foi apenas adiado e Luís pretende iniciar as gravações “em breve, com a participação das entidades envolvidas” como as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia.


Com os poucos apoios que existem em Portugal para o cinema, Luís considera que “é sempre difícil, uma vez que o meio de financiamento é muito pequeno e limitado comparativamente com outros países”.


“Mas quem corre por gosto não cansa”, destaca o realizador, referindo ainda que “parte do financiamento tem de ser feita com imaginação e criatividade”, para responder às necessidades.


Em relação às novas gerações de cineastas, Luís salientou ao JA MAGAZINE que a “diversidade é sempre positiva. Quantas mais vozes existirem e continuar a vontade de fazer filmes, é sempre bom. As novas gerações vão trazer olhares diferentes”, concluiu.

Gonçalo Dourado

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