Lei de 1975 obriga a missão impossível

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Se SIC, RTP e TVI decidissem cobrir apenas a campanha em Lisboa, onde há nove candidatos, teriam de organizar 36 frente-a-frente, além de ter de seguir os nove nos atos de propaganda. E quem iria vê-los?

A democracia em Portugal ainda não tinha completado um ano quando o Presidente da República Francisco da Costa Gomes promulgava, a 26 de fevereiro de 1975, a lei que torna hoje praticamente impossível a cobertura da campanha eleitoral das autárquicas e a realização de debates. E mesmo que fosse seguida à risca, mesmo que houvesse meios humanos e técnicos, as horas de emissão televisivas não seriam sequer suficientes.

O decreto-lei n.º 85-D/75 , iniciativa do governo de Vasco Gonçalves, impõe “um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas” para que estas fiquem “em condições de igualdade”. Na altura, o mundo era outro, os meios de comunicação eram escassos e na sua maioria nacionalizados, daí que, ao longo dos anos, a interpretação da lei tenha sido suavizada até 2011, no segundo mandato do juiz jubilado Fernando Costa Soares na presidência da Comissão Nacional de Eleições.

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Em 38 anos, a lei não mudou, mas uma aplicação cada vez mais restritiva por parte da CNE obriga, acusam as televisões, a que as próximas autárquicas sejam as primeiras eleições sem debates e sem cobertura eleitoral em noticiários televisivos, nem nos canais generalistas nem nos canais de informação no cabo (SIC Notícias, TVI24 e RTP Informação).

O problema é que a leitura da CNE das “condições de igualdade”, implica que, para se falar com um candidato, os meios de comunicação social sejam obrigados a falar com todos os outros. E para se fazer reportagens sobre a campanha é necessário cobrir todas as campanhas de todos os candidatos ao mesmo concelho.

Considerando, por exemplo, Lisboa, seria preciso seguir nove candidatos, alguns dos quais sem a mínima hipótese de serem eleitos, sempre que um deles tivesse uma ação de campanha. Se se quisessem ouvir as ideias de todos, seriam obrigatórios 36 frente a frente, para não fazer um debate a nove.

No Porto, onde há oito candidatos, ter-se-iam de realizar 28 debates e, em Sintra, onde há 11 candidatos, poderiam ser emitidos 55 debates, que ocupariam dezenas de horas de emissão.

A campanha eleitoral, que começa dia 17, termina no dia anterior às autárquicas, marcadas para dia 29. Assumindo que, em cada dia, um órgão de comunicação poderia cobrir um concelho, seguindo então, por exemplo, Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Sintra, Vila Nova de Gaia, Cascais, Oeiras, Braga, Funchal e Ponta Delgada, teria de seguir as ações de 78 candidatos, ou mesmo realizar 258 debates entre todos.

“O que há aqui é uma confusão entre jornalismo e propaganda”, defende Alcides Vieira, diretor de informação da SIC. “Não vamos cobrir a campanha nos termos dos anos anteriores”, admitiu ao Expresso, tal como José Alberto Carvalho, da TVI, e Paulo Ferreira, da RTP, à Lusa.

“Para falarmos com um candidato, temos de seguir todos os outros candidatos, algo que é humanamente impossível e pode nem sequer haver relevância jornalística. Em vez de fomentar o esclarecimento, esta lei acaba por excluir informação”, diz o diretor da estação de Carnaxide, que acrescenta que a SIC fará reportagens sobre vários concelhos, mas em termos de “análise social e política”, evitando assim o contacto com os candidatos.

Tudo se radicalizou em 2011

A questão agravou-se substancialmente nas eleições legislativas de 2011, quando, após uma providência cautelar interposta pelo Movimento Esperança Portugal (MEP) – partido que entretanto já foi extinguido -, e pelo MRPP, o Tribunal de Oeiras obrigou as três televisões generalistas a emitirem debates com os queixosos.

Foi explicado que, perante a lei, todas as candidaturas têm de ser tratadas como iguais, pelo que o facto de uma televisão transmitir, por exemplo, um debate entre os candidatos do PS e PSD pode obrigar a que a estação tenha de fazer o mesmo para todos os outros partidos.

Na altura, os três diretores de informação das televisões acataram a decisão, mas repudiaram-na porque não respeitava “a autonomia e a liberdade editorial dos meios de comunicação social”.

As televisões queixaram-se que teriam de fazer então 136 debates para colocarem todos os 17 candidatos em pé de igualdade, o que levaria “ao fim dos debates frente a frente em próximos atos eleitorais porque não se vislumbra nem útil nem razoável nem exequível a organização de tantos frente a frente”.

“É impossível garantir cobertura idêntica para todos os candidatos”

Dois anos depois, a previsão concretiza-se. “Houve há uns meses reuniões na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), com a CNE, em que os diretores de informação manifestaram o seu ponto de vista, mas a lei manteve-se na mesma”, conta Alcides Vieira. Contatada pelo Expresso, a ERC prometeu declarações para mais tarde.

“É impossível garantir cobertura idêntica para todos os candidatos, não há meios, nem sequer horas de emissão suficientes. Eram necessários vários telejornais para emitir tudo. A interpretação da CNE coloca ao mesmo nível um grande comício e uma distribuição de panfletos”, explica o diretor de informação da SIC, acusação à qual o Expresso procurou obter resposta da CNE, sem sucesso.

Mariana Cabral (Rede Expresso)
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