Lince ibérico. Busca de venenos nos campos alentejanos já decorre

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A fêmea Kayakweru foi solta no cercado da Herdade das Romeiras, a 7 de fevereiro deste ano. Morreu a 12 de março. Tinha dois anos e nascera no dentro de reprodução em cativeiro de Silves
A fêmea Kayakweru foi solta no cercado da Herdade das Romeiras, a 7 de fevereiro deste ano. Morreu a 12 de março. Tinha dois anos e nascera no dentro de reprodução em cativeiro de Silves

Levou mais de um mês, mas finalmente o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) conseguiu colocar no terreno uma equipa cinotécnica especializada em detetar venenos nos campos.

Desde a morte da fêmea de lince ibérico Kayakweru, a 12 de fevereiro, que se fala nisso, mas só esta quinta-feira a equipa espanhola, constituida por um homem e vários cães, chegou à região de Mértola. Por coincidência, as buscas de iscos de veneno (usados sobretudo para controlo de predadores) na freguesia de São João dos Caldeireiros, tiveram início esta quinta-feira, o mesmo dia em que o ICNF confirmou que Kayakweru morreu envenenada.

A equipa já começou a perscrutar montes e vales dentro e fora da Herdade das Romeiras, para evitar que os outros cinco linces ali reintroduzidos (Jacarandá, Katmandu, Kempo, Liberdade e Loro) possam sofrer o mesmo desfecho. Esta espécie está em “perigo crítico de extinção” e depois do que aconteceu a Kayakweru todo o cuidado é pouco. A vistoria no terreno também é essencial antes de se libertarem quatro novos exemplares, oriundos dos centros de reprodução em cativeiro português e espanhóis, que estão prontos para ser devolvidos aos montes alentejanos ainda este mês.

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Dificuldades financeiras

Burocracias e dificuldades financeiras retardaram a vinda da equipa espanhola, apurou o Expresso junto de fontes várias ligadas ao plano de conservação do lince íbérico em Portugal. O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas está a rever o Plano de Ação (PACLIP) e a proposta que se encontra em consulta pública prevê “prevenir e mitigar a mortalidade e a morbilidade potencial antropogénica” através do “reforço, até final de 2016, do programa Antídoto, e da vigilância e fiscalização ao abate e captura ilegais”.

“É preciso dotar o ICNF e o SEPNA (serviço de proteção da natureza da GNR) de mais e melhores meios”, afirma Samuel Infante, da associação Quercus, lembrando que “o orçamento do ICNF para análises a suspeitas de envenenamento não ía além de 2000 euros no ano passado”. Além disso, acrescenta, “há anos que se fala na criação de brigadas cinotécnicas para deteção de venenos nos campos e até agora nada”.

Mas isto vai mudar. O SEPNA deverá receber, ainda este mês, sete pastores-belgas Malinois treinados na República Checa para detetarem venenos. Tal foi possível no âmbito do programa Live Águia Imperial (2014-2018), coordenado pela Liga para a Proteção da Natureza (LPN). O projeto conta com um investimento de 2,4 milhões de euros (75% comparticipados por fundos comunitários) e prevê, entre outras ações, a criação de sete equipas homem-cão, que serão distribuídos pelos distritos de Beja, Évora e Castelo Branco. O objetivo é fiscalizar o uso de venenos nas áreas do país onde estes são mais usados, por caçadores e agricultores, para o controlo de predadores.

Kayakweru envenenada

Foi um isco envenenado que levou à morte da fêmea de lince ibérico. Kayakweru foi encontrada sem vida a 12 de março, num terreno florestal para os lados de Almodôvar, fora da Herdade das Romeira, onde fora colocada a 7 de fevereiro. A necrópsia feita após a recolha do corpo detetou pulmão de porco dentro do estômago. Mas só agora, um mês depois, as análises toxicológicas permitiram confirmar a suspeita de envenenamento, como anunciou o Expresso em primeira mão esta quinta-feira.

Também dificuldades orçamentais terão estado no atraso dos resultados conclusivos da necrópsia feita na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. Kayakweru foi analisada um dia depois de morrer, mas a causa de morte manteve-se inconclusiva até esta terça-feira devido à falta de uma peça mecânica num aparelho. Para confirmar a suspeita de morte por envenenamento era preciso realizar uma análise toxicológica, que só foi possível de realizar no início desta semana, porque faltava a dita peça ao aparelho (um cromatografo gasoso).

O SEPNA da GNR e vigilantes do Parque Natural do Vale do Guadiana estão a acompanhar a brigada cinotécnica espanhola na busca de venenos na zona de Mértola e na investigação do crime. Operações anteriormente desenvolvidas pelo SEPNA no terreno só tinham encontrado laços e armadilhas ilegais associadas a caça furtiva. Pelos menos 45 laços e 52 armadilhas ilegais foram apreendidas no concelho de Mértola, em 2014 e 2015, informa a GNR.

“O ICNF, em conjunto com o SEPNA, continuará a desenvolver todos os esforços necessários à minimização de riscos de morte, quer como o que vitimou Kayakweru, quer por utilização de laços ou outras armadilhas que possam ameaçar a boa reintrodução desta espécie”, afirma o ICNF em comunicado enviado quinta-feira às redações.

A culpa poderá morrer solteira

“É uma situação de envenenamento mas não podemos adiantar mais pormenores para não comprometer a investigação”, confirma ao Expresso o major Ricardo Alves, chefe da repartição de Natureza e Ambiente do SEPNA/GNR. Está aberto um processo crime na Procuradoria de Beja e as investigações ganham agora novo fôlego.

Porém, um mês depois do crime haverá pistas que podem ter sumido. E, como acontece na maioria dos casos de envenenamento de animais de espécies protegidas em Portugal, a culpa poderá morrer solteira.

Na noite anterior à morte de Kayakweru, os técnicos do ICNF que monitorizam os linces soltos no Alentejo tinham avistado a fêmea de dois anos em plena atividade, numa herdade de caça para os lados de Almodôvar. Na manhã seguinte, encontraram-na morta. Chamaram o SEPNA e foi feita uma batida na propriedade. Esta não integra a associação ANPC, que representa empresários e proprietários de herdades de caça que aderiram ao pacto pela conservação do lince ibérico.

RE

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