Loulé: Atas de vereação classificadas como “Tesouro Nacional”

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Carlos Albino foi homenageado pelo empenho no processo de classificação como “Tesouro Nacional” das Atas do século XIV e pela entrega às causas louletanas

Um tesouro que não é apenas de Loulé ou de Portugal mas de todo o mundo, e que é imperativo preservar e divulgar, legando-o às gerações vindouras. Esta foi a ideia transmitida pelos intervenientes na sessão comemorativa dos 635 anos das primeiras Atas de Vereação de Loulé, as mais antigas de Portugal e classificadas como “Tesouro Nacional” no passado mês de junho.
Durante a noite da passada quinta-feira, 12 de dezembro, no Cine-Teatro Louletano, falou-se da importância destes testemunhos escritos datados dos séculos XIV e XV, desde logo na mesa-redonda moderada pela jornalista Rosa Veloso e que contou com a presença de três especialistas – Maria Helena da Cruz Coelho, da área da História, Eduardo Vera-Cruz, da área do Direito, e Silvestre Lacerda, da área da Arquivística -, mas também na homenagem a Carlos Albino e na peça teatral do grupo Ao Luar Teatro, “No alpender da dicta villa”, que apresentou uma viagem ao passado de Loulé, com a recriação de episódios do quotidiano da antiga vila durante a Idade Média, inspirados nos textos das Atas.


“A raridade destes 11 livros de Atas” que, no seu conjunto, foram distinguidos como bens arquivísticos de interesse nacional, foi um fator decisivo para esta classificação, de acordo com a docente da Universidade de Coimbra, Maria Helena da Cruz Coelho. Apesar do elevado número de atas lavradas nas reuniões de Câmara durante a Idade Média, em vários municípios do país, a esmagadora maioria perdeu-se devido sobretudo à “fragilidade dos documentos feitos em papel”, restando apenas como principais conjuntos, para além de Loulé, os do Porto e do Funchal. No entanto, é de Loulé a Ata mais antiga (1384) e o conjunto mais completo.
A historiadora Maria Helena da Cruz Coelho sublinhou a importância dos conteúdos destes documentos, que integram um espaço temporal compreendido entre 1384 e 1497, que abarca a crise dinástica, ilustrando a vida de Loulé nos mais variados aspetos mas que contêm um espaço geográfico bem mais amplo: “Os assuntos não são só de Loulé, são nacionais mas também à escala global”, explicou.
Já Eduardo Vera-Cruz, docente de Direito da Universidade de Lisboa, sublinhou a importância histórico-jurídica destes documentos que permitem, por exemplo, comparar a lei vigente do século XIV, possibilitando, a partir daí, fazer uma série de estudos sobre o poder local.
E é precisamente por essa notoriedade, ao mesmo nível do que a Carta de Pêro Vaz de Caminha ou do que o Tratado de Tordesilhas, que estas Atas são uma parte integrante e um contributo para identidade nacional e constituem “monumentos enquanto evidências das vivências em sociedade”, sendo, como tal, fundamental a sua preservação.

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Até porque foi graças do cuidado das consecutivas vereações que estas Atas chegaram até aos dias de hoje e a partir daqui o Município de Loulé passará a ter ainda mais responsabilidade nesta matéria, como sublinhou o diretor da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Silvestre Lacerda. As Atas continuarão à guarda da Câmara Municipal de Loulé que, para além da permanência ao nível da conservação terá ainda outras responsabilidades como a transcriação, adequação e disponibilização, por exemplo, através da internet.
A partir de agora, os três especialistas responsáveis pelos pareceres e classificação de “Tesouro Nacional”, acreditam que há um manancial de áreas a explorar, desde logo que estas atas sejam o ponto de partida para novas investigações, estudos, o mote para ciclos de congressos, para as escolas, as artes criativas e performativas ou a divulgação nos meios de comunicação social. Mas a historiadora Maria Helena da Cruz Coelho foi mais longe, e considerou que estes valiosos documentos que são também “um pedaço da história da cristandade medieval” poderão atrair turistas à cidade, constituindo-se como uma componente importante do turismo científico-cultural, cada vez mais em voga.
“Queremos que este tesouro possa reluzir cada vez mais”, afirmou a docente da Universidade de Coimbra.
Um dos pontos altos desta noite foi a homenagem a Carlos Albino, um louletano inquieto e apaixonado pela sua terra, figura indissociável da Revolução dos Cravos, jornalista conceituado, um homem que tem tido um papel importante nas atividades culturais que acontecem no concelho de Loulé e que propôs à Autarquia o início do processo de classificação das Atas medievais de Loulé como “Tesouro Nacional”. Foi também ele o principal organizador do programa comemorativo do 40º aniversário do 25 de Abril no concelho de Loulé, com um conjunto de ações que permitiu trazer a este município personalidades e iniciativas de grande relevância. Carlos Albino é o mentor e o Diretor da Bienal de Humanismo que arranca em 2020.
Visivelmente emocionado, sobretudo após as palavras do amigo de longa data Eduardo Paz Ferreira, Carlos Albino, figura determinante no passado histórico português disse de forma clara: “Contem comigo para o futuro!”. E foi desse mesmo futuro que falou, levantando um pouco do véu daquilo que será a Bienal do Humanismo, adiantando que o Parque Municipal de Loulé irá acolher, já no próximo ano, “A Cidade dos Livros”, iniciativa que se prevê venha a ter lugar em anos diferentes, em Loulé e em Quarteira/Vilamoura, com o envolvimento de importantes entidades ligados à leitura e ao livro.
Neste momento, Vítor Aleixo falou do homenageado como “um exemplo de dádiva à sua terra, um exemplo de generosidade, de ousadia, de querer bem à terra e de estar constantemente a sonhar transformá-la, a deitar a semente à terra para que dela possa germinar a luz”. Quanto ao papel que teve na Revolução do 25 de Abril, o autarca disse de forma perentória: “Tudo o que possamos fazer para te agradecer esse gesto de ‘passar a senha’ é pouco para aquilo que permitiste que coletivamente sonhássemos e fossemos, ou melhor, que sejamos. Para que, a cada dia, possamos continuar a construir esta democracia imperfeita e a perceber que temos de lutar para a aperfeiçoar, por ti e por todos os que acreditaram que era possível viver em liberdade, numa sociedade mais justa e, acreditamos, mais feliz!”.

Neste dia o autarca de Loulé, Vítor Aleixo, lembrou outras pessoas importantes para a valorização e elevação deste “Tesouro Nacional” que constituem as Atas de Vereação de 1384, com destaque para Joaquim Romero de Magalhães, responsável por um parecer que se incluiu no processo de classificação destas Atas e que, em breve, passará a ter o seu nome inscrito na fachada do Arquivo Municipal de Loulé, além do prémio de investigação criado para homenageá-lo e que terá o primeiro vencedor já no próximo ano.
O presidente da Câmara de Loulé falou igualmente de várias iniciativas que fazem parte da linha estratégica do Município na área patrimonial e cultural: a Revista Al-Ulya, os Cadernos do Arquivo, o Encontro de História de Loulé, catálogos de exposições e outras publicações culturais, mas também projetos como a ampliação do Arquivo Municipal, o Quarteirão Cultural de Loulé, que irá aliar ciência, cultura, património, conhecimento e educação em pleno Centro Histórico, o aspirante Geoparque Mundial da UNESCO – Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira ou a obra de musealização dos Banhos Islâmicos.
A noite de celebração das primeiras Atas de Vereação do país encerrou com a peça de recriação histórica levada a cena de forma soberba pelo grupo Ao Luar Teatro, escrita por Rui Penas que partiu dos textos desses documentos para trazer ao palco do Cine-Teatro Louletano episódios do quotidiano da antiga vila de Loulé.

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