Lusitano chegou à primeira divisão há 75 anos

A equipa do Lusitano Futebol Clube chegou à primeira divisão da modalidade há 75 anos, mais propriamente no dia 6 de julho de 1947, após uma vitória por 3-1 contra o Famalicão no campo do Lumiar, em Lisboa. Após mais de sete décadas, este acontecimento ainda é recordado com orgulho pela população de Vila Real de Santo António e serve de exemplo para os mais jovens amantes de futebol e jogadores do clube

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Apesar da equipa do sotavento ter estado perto de subir à primeira divisão do futebol português na época de 1942/1943, o sonho apenas foi concretizado em 1947, depois da vitória na série 16 da segunda divisão, sem derrotas, com cinco vitórias e um empate, num jogo que começou pelas 11:00.
Na altura, o clube ficou classificado à frente de equipas como o Portimonense, o Desportivo e Faro e o Boa Esperança Portimonense.

No entanto, até lá, houve um pequeno sobressalto. Segundo contou ao JA o jornalista desportivo Armando Alves, autor do livro “Associação de Futebol do Algarve – 100 Anos”, o Lusitano “chegou a festejar a conquista do título e a subida ao escalão principal na sequência de uma denúncia de um jogador do Onze Unidos (do Montijo) que afirmou que tinha sido aliciado por pessoas do Braga”.

“Em consequência os bracarenses foram suspensos para investigações e o jogo entre os Onze Unidos e o Braga não se realizou na data prevista. Perante este quadro, em Vila Real de Santo António acreditou-se que a promoção era já um dado assente, mas assim não sucedeu”, acrescenta.

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No entanto, a Federação Portuguesa de Futebol ordenou a disputa do jogo e o Braga ganhou por 2-0, atingindo os mesmos oito pontos que o Lusitano, mas com vantagem dos minhotos no saldo de golos.

“Nem tudo porém estava perdido”, conta Armando Alves ao JA. Sob o comando do treinador Norberto Cavém, o Lusitano alinhando com Isaurindo, Mortágua, David, Camarada, Madeira, Caldeira, Cavém, Almeida, Vasques, Angelino, Calvinho e Germano, bateu o Famalicão por 3-1 com golos de Almeida, Calvinho e Angelino e arbitragem de Luís Vaz.
E assim concretizou-se o sonho.

O jogo na Imprensa

Esta subida de divisão foi acompanhada, na época, pela Imprensa generalista e desportiva. O “Stadium” escrevia na altura que “A vitória do Lusitano foi justíssima”.

“Os dois grupos, empatados um a um até ao intervalo, praticaram futebol de diferente estilo: nos algarvios, jogo de conjunto e funcionamento de peças ligadas. Os ataques desenvolviam-se com todas as unidades traçando desenhos. Nos minhotos, o caso era diferente: se, nos setores defensivos, se registava articulação, as ofensivas revelavam o cunho individualista”, descrevia o órgão de comunicação social.

Os elogios do “Stadium” à equipa algarvia eram muitos: “Notou-se da parte dos algarvios excelente moral e boa preparação física. Eles suportaram perfeitamente as fortes exigências de um jogo decisivo e tiveram forças até o fim para se darem à luta com todo o entusiasmo. Já ao seu adversário não sucedeu o mesmo: na segunda parte, de certa altura em diante, o seu cansaço era nítido. O que impressiona no Lusitano, team de boa fibra, é o seu conjunto. Mas algumas das suas unidades revelam-se habilidosas e destras. Enfim, o lugar na Primeira Divisão foi conquistado com brio e jogo”.

Já o Diário Popular escrevia que “os algarvios tiveram uma entrada fulgurante e durante os primeiros dez minutos, a golpes de energia e entusiasmo, conseguiram lançar o pânico na grande área dos famalicenses. Mais rápidos sobre a bola, os algarvios culminaram este período de ascendente com um golo, aos 16 minutos, resultante de um pontapé longo do extremo direito, Almeida”.

“Mas afirmamos com toda a franqueza que foi um regalo para os espectadores compreender quanto esteve de extrema confiança e de sólido moral naquele punhado de moços do Algarve para ascenderem a um plano que eles totalmente desconhecem, mas que sabem que importantizam o clube, expande o futebol na região e atrai mais adeptos à coletividade, para uma comunhão de esforços em que até o comércio local tem de interessar-se”, acrescentava.

Este jornal destaca ainda uma atitude de Mortágua, após o apito final: “Uma atitude, porém, não sabemos esquecer, pelo que de grandioso ela encerrou: a ligeireza com que Mortágua, acabado que foi o jogo e enquanto todos os seus companheiros se abraçavam, correu para o meio do campo, frente às bancadas, e de braços erguidos e mãos juntas, gritou a plenas pulmões: Obrigado!”

A festa foi também descrita pelo “Mundo Desportivo”, que escreveu que “os algarvios bem mereceram os aplausos que o público tributou. Tornaram-se simpáticos pelo brio com que lutaram.

No final do desafio caíram nos braços uns dos outros numa sinceríssima manifestação de alegria pelo triunfo. Podiam tê-la. Foram realmente belos representantes do seu clube e da sua província”.

Depois do jogo, a festa fez-se na rua, mas sem grandes manifestações de apoio como acontecem aos grandes clubes nacionais, “desceram o Campo Grande, a pé, quase sem ninguém dar por eles, tranquilos, modestos, talvez a pensar timidamente que desde ontem entraram num domínio que para eles é uma novidade. Não tiveram automóvel a esperá-los, nem corte de admiradores a escoltá-los, a não ser meia dúzia de marinheiros que à saída do campo aguardavam Isaurindo, o guarda-redes, para o abraçar; mas tiveram a grande alegria, a alegria que sabe bem ao atleta, de haverem merecido vencer”.

A festa em Vila Real de Santo António

O jornal “A Bola” relatou no dia seguinte a receção festiva que os vilarrealenses ofereceram à equipa do Lusitano.

“Quando a equipa chegou, a estação do Caminho de Ferro encontrava-se apinhada de entusiastas e, fora, circundava-a uma multidão compacta de povo que queria saudar os jogadores”

No local estava a Filarmónica 1.º de Dezembro com a sua música, além de elementos dos bombeiros, dos clubes recreativos locais, os escuteiros e uma delegação do Clube Náutico.

“Mal desceram da carruagem que os transportara, os componentes da turma de futebol foram envolvidos pelos circunstantes que se entregaram a clamorosas manifestações de regozijo. Um nunca acabar de palavras, vivas e abraços… O entusiasmo atingiu o delírio. Formou-se, depois, extenso cortejo que percorreu as principais ruas da Vila sob uma chuva de aclamações, que culminaram quando a multidão passou em frente da Câmara Municipal. Alguns dos jogadores foram conduzidos em ombros”.

Já na sede do clube, com a presença do presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, José Ortigão Gomes Sanches, e do vice-presidente, decorreu uma sessão solene, à noite.

António Soares, o presidente do Lusitano na época, afirmou “com incontível emoção, que a equipa do seu clube fizera prova de reais capacidades e de um espírito desportivo dos melhores. Ganhara jogando, sem violências e sem asperezas de combate, embora com aquela energia que é elemento do próprio jogo”.

Já o presidente do município salientou “a alegria de todos os conterrâneos pela atuação da equipa na capital, defrontando um adversário experimentado e valoroso; e afirmou, por entre o entusiasmo do numeroso auditório, que o feito dos jogadores merecia de alguma forma o reconhecimento do município, e que a maneira melhor e mais positiva de exteriorizar e materializar esse reconhecimento seria dotar o clube de um autêntico campo atlético, com todos os dispositivos necessários às práticas desportivas e com capacidade bastante para garantir receitas compensadoras nos jogos em que o clube terá de receber, na próxima época, os melhores grupos nacionais”.

Falando do futuro, o autarca “fez alusão às dificuldades que terão de vencer-se, mas que não são invencíveis, e à participação do Estado nas despesas a fazer, dado o volume que elas deverão atingir”.

A Câmara disse ainda que iria dar “o seu concurso material e não poupará esforços para conseguir que o Lusitano encontre meios de tornar-se o grande clube que merece ser”.

José Victor Adragão, Sebastião Santos Silva e Luís Gonçalves Camarada foram outras das personalidades que discursaram na iniciativa.

Nos dias seguintes, “a vitória do Lusitano continua sendo motivo obrigatório de todas as conversações entre os apaixonados da bola, realçando-se nelas o aumentado prestígio do Algarve com a presença de um seu segundo representante na prova máxima do futebol português”.

A equipa de Vila Real de Santo António manteve-se na primeira divisão durante três épocas, classificada em 12.º lugar em 1947/1948, 13.º em 1948/1949 e em 14.º e último lugar em 1949/1950.

Lusitano

O futebol era um acontecimento

”O futebol era vivido com entusiasmo porque também não havia nada. Não tínhamos centros comerciais, nem cinemas nem divertimento. O futebol era um acontecimento”, descreve Armando Alves ao JA.

Segundo o autor, uma das provas desse entusiasmo foi o facto de estarem cerca de duas mil pessoas do Algarve no jogo entre o Lusitano e o Famalicão. Esse público eram pessoas “que estavam instaladas no Barreiro a trabalhar na indústria da cortiça e cada vez que havia um jogo importante de uma equipa algarvia, para essa comunidade, independentemente do clube, era o Algarve que estava em causa”.

Para o atual presidente do Lusitano, Miguel Vairinhos, esta subida de divisão “significa orgulho nas pessoas que, naquela época, com aquele tipo de futebol, quando o Algarve ainda era considerado como uma região muito pequena e escondida, conseguiram chegar a um sítio onde poucos lá chegaram”.

“Este acontecimento tem de continuar a ser um exemplo para todos. Os feitos pelo que o clube passou têm de servir sempre de exemplo, principalmente para os mais pequenos, para continuar o bom trabalho e para o crescimento do clube”, acrescenta ao JA.

No entanto, ainda há esperança para que, um dia, este acontecimento possa repetir-se: “A esperança todos temos, mas temos de ter a perfeita noção de que o que acontece hoje já não é o que acontecia há 75 anos. Nessa altura, até chegar à primeira divisão, tínhamos três divisões. Agora temos sete ou oito e cada vez é mais difícil”.

Sobre este marco na história do Lusitano, o presidente do clube relatou ao JA algumas histórias que eram contadas por pessoas e jogadores que viveram aquele momento, incluindo jogadores já falecidos.

“Contavam histórias dos equipamentos que usavam, da bola que era pesada como chumbo, das botas que usavam que não têm nada a ver com as de hoje. Tudo aquilo a que a evolução levou. Não digo que se suava mais do que agora mas são realidades completamente diferentes”.

Apesar de não estar prevista nenhuma celebração desta data, “o clube vai apenas relembrá-la para que a memória daqueles que lá chegaram perdure e continue”.

Gonçalo Dourado

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