MARTINS COELHO

NOTA CHARINGADA

O sétimo conceito estratégico da NATO

 

O SUMMIT acabou, os holofotes apagaram-se, os aviões partiram e as bandeiras contestatárias foram enroladas. E agora?
Em tudo há um antes e depois. A NATO desde 1991, data do falecimento do Pacto de Varsóvia, ficou sem inimigo político-ideológico credível. Paradoxalmente o vencido deu um golpe forte no vencedor que ficou só em campo, e quando parecia que tinha tudo na mão foi obrigado, para sobreviver e justificar a continuidade da sua existência, a inventar adversários e inimigos.


Quem imaginaria que iríamos viver no final da primeira década do Séc. XXI situação semelhante: desaparecimento da URSS e do “socialismo real” na totalidade do Leste europeu, do Pacto de Varsóvia e do COMECON; fim de Bandung e dos Não-Alinhados; mudança de campo e transformação de número significativo de movimentos de libertação em ditaduras e forças de opressão dos seus próprios povos; o capitalismo de estado na China “de um país dois sistemas” que enriquece e se aburguesa; o Fidel reformado e autocrítico; a Coreia do Norte feita monarquia absoluta; a morte do PCI e o afundamento do PCF e do PCE; o surgimento do BRIC e do G20.  E a NATO ficou.
E cresceu, tem agora 28 membros, dos quais 21 são da UE e vieram do Leste 10 para a UE, mas primeiro tiraram o “bre-vet” na NATO.
Dos NATO que não são da UE temos: Albânia, Canadá, Croá-cia, Islândia, Turquia, EUA e Noruega. Alguns estão em tirocínio, à espera da luz verde para entrarem na UE.


Dos países da UE que não são membros da NATO constam os “neutrais ou neutrais” na sequência da IIGM: Áustria, Finlândia, Suécia, Irlanda, Chipre e Malta
Ressalta à evidência que actualmente são quase os mesmos actores que representam os dois actos da mesma peça.
E foi esta a NATO que veio à EXPO numa Lisboa chuvosa sabotadora do lado turístico do evento.
Veio para definir o 7.º conceito estratégico da sua existência após a era Bush e começo da era Obama, atestando o fim do mundo unipolar  hegemonizado pelos EUA num mundo multi-polar, revitalizando alianças e enterrando a perigosa e provocadora política unilateral Bush/Cheney, lançando parcerias e propostas em direcção aos supostos inimigos da véspera.


A crise económica e financeira do mundo ocidental teve o seu papel nesta reviravolta, mas o facto determinante é a situação que se arrasta há mais de nove anos no Afeganistão tribal e corrupto, sugador de dólares, onde a NATO se enterra lentamente, cresce o número de baixas, perde prestígio e plumas e procura uma forma de sair deste atoleiro rapidamente, tentando limitar os estragos.
O mundo mudou e o BRIC aí está como seu testemunho, assim como a participação dos excluídos de ontem no G20, no qual entraram sentando-se à mesa sem pedir licença. A estratégia NATO de 1999 estava ultrapassada pela realidade, implodiu e precisava de mudar para subsistir.


Em Abril de 2009 foi decidido na Cimeira da NATO de Estrasburgo/Kehl constituir um grupo de 12 “peritos”, comandados pela Madeleine Albright, para estudar e propor um novo conceito estratégico para a NATO.
Numerosos outros “peritos” foram consultados como o Henry Kissinger, sempre disponível para dar as suas opiniões reaccionárias, pagas a bom preço.
Trabalharam depressa e a 17 de Maio deste ano o relatório final foi apresentado.
Entretanto, em Abril, em Praga, Obama abre pela primeira vez a perspectiva da possibilidade de um mundo sem armas nucleares, coisa inédita num presidente americano, apesar de ter atrelado o Robert Gates, ex-secretário de defesa de Bush.


O efeito Obama fez-se sentir no novo conceito estratégico aprovado.
A NATO regressa à sua concepção de organização regional de segurança colectiva, aos princípios e limites da Tratado, mas com interesses globais, enterra o conceito estratégico arrogante de 1999, ainda contaminado pela herança da Guerra-Fria, que ignorava as fronteiras que o Tratado do Atlântico Norte estabelecia e intervinha para lá da sua área violando o Direito Internacional e em confronto com a ONU, armada em “rambo” dos interesses capitalistas.


Na sua essência a NATO não muda, ou seja o Artº 5º, o tal que estabelece que caso se verifique um “ataque armado contra uma ou várias delas (nações que a constituem)… será considerado um ataque contra todas”.
Táctica semelhante ao lema do Benfica, “um por todos, todos por um”.
É a sua marca e um factor de dissuasão forte.
O novo conceito estabelece que as intervenções fora das fronteiras da Aliança só em legítima autodefesa ou mandata-das pelo Conselho de Segurança.
Isto é, a NATO oferece-se para ser polícia da ONU, dado que esta não tem recursos nem meios militares para intervir, nem os estados que lhe podem facultar esses meios estão interessados em o fazer.
Esperemos que a ONU ponha a NATO ao serviço de boas causas e não se verifique ser a NATO a usar a ONU para servir os seus interesses, como já aconteceu.


O novo conceito estratégico não poderia deixar de ter o palavreado politicamente correcto: paz, segurança, justiça internacional, herança civilizacional, estado de direito, democracia, liberdade, direitos humanos, Carta das Nações Unidas etc.
É bom que estejam lá mas todos sabemos que a NATO nunca se incomodou muito no passado, nem no presente, com os regimes políticos dos seus membros e dos seus amigos, nem com a sorte dos povos sob esses regimes.
Positivo que se aponte prosseguir o desarmamento nuclear mas mantendo o poder dissuasivo quanto baste. Recordamos que existem mais de 14.000 bombas nucleares, número absurdo ilustrativo da demência humana e suficiente para destruir várias vezes este planeta.


Dentro deste espírito é de saudar o relançamento do Conselho NATO-Rússia e UE-Rússia, o Acordo START II EUA-Rússia que reduz o armamento nuclear para 1550 ogivas e 700 lançadores para cada um, e a promessa de reduzir as armas nucleares tácticas estacionadas na Europa. Esperemos que o Congresso dos EUA o aprove. Um desaire aqui seria negativo para o combate pela contenção e desarmamento nuclear mundial.
O recuo na questão antimíssil é outro factor positivo, procurando-se agora colaborar com a Rússia na implementação integrada de um sistema de defesa antimíssil que defenda toda a Europa e a América do Norte.
O facto é que a NATO na era Bush cercou a Rússia e tentou transferir para esta o antagonismo com a defunta URSS, política provocatória falhada.


Agora tenta cercar e isolar a China, estranho inimigo que está cada vez mais inserido no comércio mundial, com ou sem OMC e que até compra a dívida pública do “inimigo”.
A nova orientação, na procura de parcerias, prova do falhanço do unilateralismo, deixa para o futuro a verificação da sua sinceridade.
Outro aspecto é o da definição das novas ameaças ou ameaças não convencionais: extremismo religioso, ciberataques, ataques químicos, biológicos, radiológicos, e mesmo nucleares terroristas, pirataria, segurança energética, narcotráfico.
E, claro, combater as alterações climáticas.


Para algumas destas “ameaças” não se percebe o que a NATO pode fazer.
O extremismo religioso, supõe-se que é o muçulmano o referido, tem um epicentro que se chama Palestina e que há mais de 60 anos espera por uma solução justa.
A pirataria, que é um problema de desenvolvimento económico e social, se calhar resolvia-se com um terço da despesa provocada pelos resgates e pela operação naval de escolta e segurança aos navios.


Para além destes aspectos e da estratégia para sair do Afeganistão, o novo conceito abre as portas a novas adesões, a uma reforma administrativa dotando-se de capacidades civis para gerir crises e, principalmente, ao estabelecimento de um novo modelo de estrutura militar.
Os actuais 11 Comandos passam para 6, crise obriga. Quer-se uma estrutura de comando mais flexível, operacional e eficaz. As mudanças já começaram a ser operadas nas forças dos EUA com a formação de unidades especiais de “combate futuro”, com repercussão inevitável no seio da NATO.


A “NATO REPONSE FORCE” , que engloba unidades dos três ramos (terrestres, aéreas e navais), já está operacional desde fins de 2006, pronta em poucos dias a entrar em acção em qualquer parte do mundo como força de choque inicial para todo o tipo de missões e que pode rondar os 30.000 elementos.
Paradoxalmente quando na Grã-Bretanha e em França a “austeridade” bate em força, constatamos a criação de uma força comum anglo-francesa de 6.500 elementos que pode tanto estar sob comando próprio para acções fora das suas fronteiras que os dois países considerem necessárias, como sob comando da ONU, NATO ou UE.


Não avança a PESD (que não está esquecida), mas já temos mais um corpo militar a somar aos já existentes, como o EUROCORPO, a Divisão Multinacional Central da Nato, a Força Anfíbia Anglo-Holandesa, a Eurofor, a EUROMARFOR etc.
Concluindo, a NATO não mudou na sua essência nem na sua natureza, continua a ser uma aliança militar em que os dois principais pilares são os EUA e a UE, e está ao serviço da “economia de mercado”, para o dizer da forma mais suave.


Não vai acabar nos próximos anos, será a evolução da situação política mundial que lhe determinará o destino, que pode ser apressado pela pressão dos povos que não entendem nem compreendem da sua necessidade.
Portugal não deve participar em missões da NATO, é um direito de que não deve abdicar e não deve renovar a participação nas missões onde está actualmente.


Não declaramos guerra a ninguém e dentro e fora da NATO a nossa política deve ser centrada na PAZ e na defesa da ZEE, e as nossas FFAA devem estar condicionadas a esses objectivos em número e recursos.
Não devemos aceitar as pressões exteriores sobre que forças armadas, equipamentos e armamentos nós devemos ter.
Missões só no âmbito da ONU em acções humanitárias, catástrofes, de prevenção de conflitos e de manutenção de paz.

*http://notaxaringada.blogspot.com

Nota: O autor não escreveu o artigo ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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