Meter água a propósito da seca

Noutro dia dei-me conta, da pior maneira, de como o problema da falta de água no Algarve ainda não entrou na agenda das coisas verdadeiramente urgentes, e graves, para os próprios algarvios. Quase sempre acertam ao lado. Para um jornalista como eu, que já por quase uma dezena de vezes num só ano fiz da seca, da água e das soluções para a falta de água, assunto de manchete no jornal em que trabalho, é exasperante ver tanto disparate escrito nas redes sociais. E o pior é que nem só o “povão” está contagiado pela ignorância nem pela indiferença. Alguns políticos também.

Comentava-se numa rede social uma frase do ministro do Ambiente, que veio a Faro dizer aos algarvios que não adianta construir mais barragens se não houver chuva. A frase de Matos Fernandes, pronunciada como um aviso numa noite em que se discutia o Plano Regional de Eficiência Hídrica, parece saído de uma sebenta de Jacques La Palice, mereceu uma revoada de críticas, impropérios e insultos entre os comentadores. “Burro” foi o mais inofensivo dos insultos, em mais uma demonstração da imbecilidade da maioria dos utilizadores das redes.


Obviamente, ainda que banal e amigo do óbvio, o comentário está prenhe de razão: de que adianta fazer uma barragem como a Foupana a 25 quilómetros do sistema de barragens Odeleite/Beliche se a falta de chuva nos últimos meses faz com que estas barragens, que abastecem grosso modo todo o sotavento, estejam a cerca de 20% da sua capacidade útil? A Foupana tornar-se-ia mais uma barragem a um quinto da sua capacidade total, ainda assim muito inferior à dupla capacidade das suas vizinhas!

Fica-se por tão óbvia depreensão a racionalidade ministerial. O resto é irracional. Da boca do ministro não saiu uma palavra sobre as mais eficientes, rápidas e baratas soluções. Como medidas mais exequíveis, falou de reaproveitamento das águas das ETAR para os golfes e de “resiliência” (SIC) do abastecimento de água, que é como quem diz em evitar o desperdício. Esta última é precisamente o que os nossos autarcas andam a tentar fazer há décadas, com resultados limitados. E o golfe vale 6% do consumo de água no Algarve. Uma gota num oceano de 150 milhões de metros cúbicos, agricultura incluída.


Para desgosto de alguns dos autarcas que foram a Espanha aprender como se faz água tirando sal ao mar, não falou de dessalinização. Nem invocou o projeto das captações no Guadiana, da autoria de Carmona Rodrigues, que tem vindo a recolher a simpatia de boa parte dos autarcas, especialistas e responsáveis de organizações descentralizadas do Algarve. Nem evocou transvases ou túneis solidários vindos do Norte chuvoso para regar o sul estioso. E é isso que me deixa deveras preocupado.


A captação de água do Guadiana – que os espanhóis já fazem há 20 anos sem terem dado cavaco aos portugueses esbarra, do lado nacional, com o servilismo lusitano que indica ferozes negociações e exaustivas cimeiras ibéricas.


As razões a favor dessa solução são tão intensas, de muito longe, face às demais, que me espanto como ela não faz parte das prioridades do Governo e isso é sintomático do divórcio entre o poder central e a região, mas sobretudo da má qualidade dos nossos políticos.


Trata-se de aproveitar a água que corre nos 725 km do terceiro maior rio ibérico, em zonas do Norte de Espanha, com grande abundância de chuva, retirando-a diretamente, na zona do Pomarão, entubando essa água e drenando-a para o sistema Odeleite/Beliche. O expediente, com recurso a bombagem reguladora de fluxos, encaminharia para consumo uma pequena percentagem de não mais de 10 por cento do intenso caudal de 30 a 40 mil litros por segundo que corre a caminho da foz do Guadiana, dispensa barragens, leva metade do tempo de uma Foupana e custa um terço do preço. E como bónus é muito mais eficaz do que qualquer barragem a construir na mesma zona. É a solução mirífica que que esperávamos, que pode ser complementada por outras, que não lhe chegam aos calcanhares, em eficiência, volume, prazos, preços.


Pois a maior parte da turba do Facebook desconhece a opção do Guadiana e tem opiniões anódinas, incipientes, ou pouco fundadas sobre as restantes soluções. Boa parte acha que o problema da seca se resolve proibindo os abacateiros (um sofisma idiota, pois uma laranja gasta a mesma água de um abacate), ou evitando o desperdício, ou povoando o Algarve de barragens, de Leste a Oeste, ou tirando água do mar. E é este o panorama geral das opiniões sobre a seca entre os algarvios.

Desconhecem totalmente os planos para o Pomarão, desconhecem que a dessalinização da água do mar é solução para uma pequena parte das necessidades, que a purificação das águas das ETAR tem uma utilização limitadíssima.


Gente que não lê a Imprensa, que desconhece soluções. Como aliás parece acontecer também com os políticos.


O hierarquicamente mais alto deles, Marcelo, disse há dias que o problema da água é talvez o maior problema do Algarve.

Sim, ele disse “talvez”. E se não chover o Algarve tem água até ao fim do ano. Ele disse “talvez”. Quero ver o que será do Turismo sem uma gota nas torneiras.

João Prudêncio

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