Morreu Oscar Niemeyer

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O brasileiro que revolucionou a Arquitetura Moderna, com a introdução da linha curva e novas possibilidades de utilização do betão, morreu hoje aos 104 anos no Rio de Janeiro. Oscar Niemeyer deixa meio milhar de obras, entre as quais a cidade de Brasília.

O arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, que faria 105 anos no dia 15 de dezembro, morreu hoje no hospital Samaritano, em Botafogo, no Rio de Janeiro, onde estava internado desde 2 de novembro, com uma desidratação que evoluiu para uma hemorragia digestiva que perturbou as funções renais pioraram.

O arquiteto estava lúcido, mas era submetido a fisioterapia pulomonar todos os dias e iniciou um tratamento de hemodiálise no final de novembro.

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Na terça-feira, Niemeyer viu agravado o seu estado de saúde com uma infecção respiratória.
Descrito como o maior arquiteto vivo e em plena atividade, o mais importante criador brasileiro, o arquiteto que realizou o maior número de importantes projetos construídos na história da humanidade, e um dos mais reconhecidos em todo o mundo, Oscar Niemeyer trabalhou quase até ao último dia da sua vida.

Autor do Hotel e Casino Pestana inaugurado em 1976 no Funchal – o seu único projeto em Portugal -, o arquiteto não entrou para a história somente pelos emblemáticos edifícios de Brasília, como a catedral da capital brasileira, o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada, edifício identificado pela forma dos pilares da fachada que deu origem ao símbolo e emblema da cidade, presente no brasão do Distrito Federal e Congresso Nacional. Assinou mais de 600 obras de referência em quase todo o mundo, tendo sido o autor, junto com Le Corbusier, do projeto da sede da ONU, nos EUA.

Prémio Prtizker de Arquitetura 1988, Prémio Príncipe das Astúrias de 1989, Prémio Leão de Ouro da Bienal de Veneza/VI Mostra Internacional de Arquitetura 1996, Medalha de Ouro do RIBA ( Royal Institute of British Architects) 1998, Prémio Unesco 2001 na categoria Cultura, Oscar Niemeyer recebeu ainda, entre muitas outras distinções no Brasil e no estrangeiro, o título de Grande Oficial da Ordem do Mérito Docente e Cultura Gabriela Mistral, do Ministério da Educação do Chile (2001) e o Prémio ALBA das Artes, Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua.

Era um dos “100 maiores génios vivos”, ocupando o 9º lugar na lista de 2007 da empresa de consultoria global Syntetics, precedido por Steven Hawking (8º colocado), muito à frente de Bill Gates e Bin Laden (que empataram na 43ª classificação).

“Modernista visionário”

A 12 de dezembro 2007, ao completar 100 anos, o “último grande arquiteto modernista visionário” – como foi considerado pelo jornal britânico ” Daily Telegraph”- recebeu a mais alta condecoração do Governo francês, o título de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra, pelo conjunto da sua obra. Dois dias depois, Vladmir Putin, então Presidente da Rússia, conferiu-lhe a insígnia da Ordem da Amizade. Niemeyer já havia recebido, em 1963, o Prémio Lenine da Paz, da URSS.

No mesmo ano, o IPHAN (Instituto brasileiro do Património Histórico e Artístico) classificou 35 obras de Niemeyer, 24 das quais foram selecionadas pelo próprio arquiteto.

Um dos seus projetos mais recentes é o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, inaugurado em 2011 em Avilés, nas Astúrias. É a sua primeira e única obra em Espanha, e a mais importante na Europa. Outra obra recém inaugurada no continente europeu e igualmente considerada uma obra-prima é o Auditório de Ravello, em Itália, apontando para o Mediterrâneo, cujo projeto data de 2000 mas que somente abriu portas em 2009.

Nos últimos anos, assinou também vários projetos espetaculares no Brasil, de que são exemplo, entre muitos outros, o Museu Nacional e a Biblioteca Nacional de Brasília, inaugurados em 2006, a Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves ( nova sede do Governo do Estado de Minas Gerais) inaugurada em Belo Horizonte em 2010, e a Estação Cabo Branco Ciência, Arte e Cultura, na cidade de João Pessoa, no Estado a Paraíba, que abriu portas em 2008.

Destaque, ainda, para o Museu Oscar Niemeyer, no Centro Cívico de Curitiba, no Estado do Paraná, com mais de 35 mil metros quadrados de área construída, inaugurado em 2002, e que ficou conhecido, por sua forma inustada, como o Museu do Olho ou Olho doNiemeyer. O Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no Rio de Janeiro, projeto de 1996, é outra das suas obras de arte no Brasil.

O Museu Pelé – em construção em Santos, no litoral de São Paulo, e inauguração prevista para dezembro de 2012-, é dos seus projetos mais recentes, tendo sido apresentado em 2010. O arquiteto inspirou-se no salto com que Pelé, com o braço levantado, costumava comemorar os seus golos.

Sempre “atrás de novas curvas”

O arquiteto que aos 103 anos confessou continuar “atrás de novas curvas” está retratado no documentário “Oscar Niemeyer – A Vida é um sopro” (2007), do realizador Fabiano Maciel. O filme sobre a história do “maior ícone da arquitetura moderna brasileira e um dos arquitetos mais influentes do século XX” foi rodado no Brasil, na Argélia, França, Itália, EUA, Uruguai, Inglaterra e Portugal, e conta com o depoimento, entre outros, de Mário Soares e José Saramago.

No filme, Oscar Niemeyer fala sobre a forma descontraída como concebeu os seus principais projetos, mas também sobre a sua vida, o seu ideal por uma sociedade mais justas e, ainda, de questões metafísicas como a insignificância do homem diante do universo.

Com mais de 70 anos de profissão dedicados à arquitetura sem nunca ter recusado um novo projeto, Oscar Niemeyer era um trabalhador inveterado, sempre com jornadas de 12 horas, inclusive aos fins de semana. Junto com Lúcio Costa, integrou a equipa do projeto-piloto de Brasília, e na época da construção da capital do Brasil, chegou a instalar o seu atelier no canteiro de obras.

Com fortes convicções políticas e artísticas, disse há mais de cinco anos, que “Fidel e Chávez representam a luta de hoje. O capitalismo domina, mas vai fracassar. Tenho fé nisso. A revolução não pode parar”.

Comunista militante filiado no Partido Comunista Brasileiro (visitou a União Soviética e teve encontros com vários líderes de então, tendo ficado amigo de alguns), militância que só abandonou recentemente, responsabilizava o imperialismo norte-americano pela injustiça social. Em 2007, deu como prenda a Fidel Castro uma escultura anti-imperialista: a figura de um monstro a ameaçar um homem que se defende empunhando a bandeira de Cuba.

Foi também um homem muito sedutor, namorador, um bon-vivant, e de hábitos pouco saudáveis (era fumador, amante da boa mesa e bebia vinho diariamente ). Tinha muito medo de viajar de avião, o que o impediu de inaugurar quase todas as suas obras no estrangeiro. Pelas suas contas, deve ter viajado apenas três ou quatro vezes de avião.

Considerado o escultor dos espaços urbanos livres, o que o eleva à condição de artista, a sua obra acabou por influenciar arquitetos em todo o mundo, e pese embora a sua fama de vaidoso, Niemeyer não se sentia particularmente importante.

“Titã da arquitetura”

Em 2007, nas vésperas de completar 100 anos, disse em entrevista ao jornal britânico “The Times” que “a data não é importante. A idade não é importante. O que nós criamos não é importante. Somos muito insignificantes. O que é importante é ser tranquilo e otimista”.

Era por assim dizer um neo-otimista, uma vez que o pessimismo acompanhou-o durante grande parte da sua vida. Mas em 2007, em declarações ao jornal britânico, admitiu pela primeira vez que o mundo, a América do Sul, o Brasil e o Rio de Janeiro estavam melhor, “apesar de George W.Bush e das favelas”.

Confessou também que, embora continuasse a trabalhar todos os dias, já se sentia cansado. “O que me faz levantar todas as manhãs é o mesmo de sempre: a luta, o comunismo puro e simples”.

Na reportagem “O Rei das Curvas”, evocativa do seu centenário, que ocupou duas páginas do caderno cultural do “The Times”, o jornalista Tom Dyckhoff descreveu-o como “este titã da arquitetura (…), que definiu a cara do Brasil pós-Guerra (…), que prefigurou o pós-modernismo na arquitetura (…), que na sua juventude era a cara de Marlon Brando, é hoje tão encolhido e antigo quanto um vaso Ming”.

O jornalista britânico comparou o seu encontro com Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, como “o encontro com uma lenda, um nome saído dos livros de história, como Rodin, Picasso ou Jesse James”.

Mas estava longe de reunir o consenso no seu próprio país. Os seus detratores chamavam-lhe “o arquiteto oficial”, dada a sua amizade com muitos governantes, como Juscelino Kubitscheck, ex-Presidente do Brasil, que o escolheu para fazer os edifícios da nova capital brasileira.

Com mais de uma dezena de livros publicados, quase todos sobre arquitetura e traduzidos em diversas línguas, Oscar Niemeyer publicou em 1998 “Sinais do Tempo”, o seu livro de memórias.

“Sem Rodeios” (2006 ) é um livro de contos que tem como pano de fundo a conversa de três amigos. Versando sobre assuntos cotidianos, livros, mulheres e principalmente a política, incluindo a reeleição de Lula da Silva.

Em 2007, lançou “O Ser e a Vida”, com reflexões sobre a importância da literatura na formação humana e na construção de um país mais justo.

Em 2008, faltando dois meses para comemorar o seu 101º aniversário, lançou um livro ilustrado com alguns dos seus desenhos, reunindo 28 artigos, quase todos publicados em jornais e revistas durante as últimas décadas. Em “Crónicas”, o arquiteto reclama o crescimento desordenado de Brasília, e manifesta esperança quando diz que “o Brasil está caminhando bem” e que vê mudança na sociedade norte-americana.

Do seu currículo, consta ainda a revista “Módulo” – publicação dedicada à arquitetura mas que trazia relacionados com as artes, o urbanismo, o design e a cultura-, que lançou em 1955 e que marcou época no Brasil.

Já se fizeram pelo menos 19 filmes e foram publicados mais de 50 livros em 22 países, sobre a sua vida e obra.

No livro “Oscar Niemeyer” (Publifolha, 2007), Ricardo Ohtake, também arquiteto, faz um relato dos seus 100 anos de vida. Conta, por exemplo, que na década de 30, quando o racionalismo se implantava no mundo por meio das linhas retas, uma expressão da indústria, “Niemeyer entrou com as curvas. Na época, tinhamos um país agrícola, e um brasileiro abriu um novo caminho para o racionalismo mundial. Não há como medir a sua contribuição. Era um avanço em novas frentes do modernismo”.

No seu discurso, Niemeyer dizia sempre que sabia separar a palavra do projeto, mas segundo Ohtake não era bem assim. Ou seja, as suas obras, na opinião do autor do livro, partem do conceito de conceber espaços não-exclusivistas e priorizam o coletivo sobre o individual.

“Quando desenvolveu um projeto como o do auditório Ibirapuera (projetado para o mais importante parque urbano de São Paulo, inaugurado em 1954, e que ficou concluído em 2005), por exemplo, ficou clara a sua preocupação da criação de espaços democráticos onde todo mundo se mistura”, afirma Ohtake.

Em fevereiro de 2012, aos 104 anos, Oscar Niemeyer visitou o Sambodrómo, palco do Carnaval no Rio de Janeiro, que projetou há quase 30 anos e que foi recentemente ampliado, com a sua aprovação, para os Jogos Olímpicos de 2016. O arquiteto, que estava visivelmente abatido e já não se podia locomover com os próprios pés, foi reverenciado por populares que participavam nos desfiles carnavalescos. Foi uma das últimas homenagens que recebeu, em vida.

Era, desde 2007, presidente de honra do Centro brasileiro de Educação Popular e Pesquisas Económicas e Sociais (CEPPES).

Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho nasceu no dia 15 de dezembro de 1907, no Rio de Janeiro. O seu avô, Ribeiro de Almeida, era ministro do Supremo Tribunal Federal. Levou uma vida boémia até aos 21 anos, quando casou pela primeira vez, após o que começou a trabalhar na tipografia do pai e decidiu retomar os estudos, matriculando-se na Escola Nacional de Belas Artes , de onde saiu licenciado em arquitetura e engenharia em 1934.

O seu primeiro projeto, pelo qual nada cobrou, foi a Obra do Berço (1937) no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro, um edifício com forte influência de Le Corbusier.

Desapegado do dinheiro, doou muitos projetos – como os da sede do Partido Comunista Francês, do Centro Cultural Internacional em Avilés e da casa do seu motorista-, embora tenha cobrado caro por outros, e não acumulou riqueza.

Liliana Coelho e Maria Luiza Rolim (Rede Expresso)
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