Mortes associadas a infeções hospitalares aumentaram 55%

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A essencial higiene das mãos só tem a adesão de 70% dos profissionais de saúde

Ser internado para sobreviver a uma doença grave e morrer com uma infeção provocada pelo tratamento é um contrassenso, mas acontece. E não para de aumentar. A mortalidade associada à contaminação por dispositivos como cateteres ou ventiladores, somou 2973 vítimas em 2010 e em 2013 já ascendia a 4606 mortos.

Em apenas três anos, os hospitais públicos portugueses foram palco de um aumento de 55% nos óbitos relacionados com material clínico invasivo, que implica entrar no organismo. Morreram nestas circunstâncias, só em 2013, sete vezes mais pessoas do que em acidentes rodoviários – 637 vítimas, de acordo com dados dos institutos de medicina legal.

O cálculo é apresentado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que quer baixar para metade a ocorrência deste tipo de infeções e, assim, diminuir as mortes associadas. “Os números são bastante expressivos, apesar de não ser possível aferir-se, com total rigor, se a infeção foi causa única da morte, uma vez que aqueles dispositivos são colocados em doentes com situações clínicas graves”, reconhece a equipa do projeto ‘STOP infeção hospitalar, um desafio Gulbenkian’.

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Problema “relevante”

A dificuldade em estabelecer a causalidade entre a infeção e a morte não minimiza o problema – que a Direção-Geral da Saúde (DGS) afirma ser “relevante” – , pois Portugal está entre os piores nesta matéria. “A taxa de infeção hospitalar é mais elevada do que a média europeia e há infeções do local cirúrgico, como na cesariana ou na cirurgia da vesícula biliar, que apresentam tendência crescente”, lê-se no relatório publicado no ano passado pela DGS.

Portugal tem não só um dos piores desempenhos na prevenção e controlo das infeções, que incluem ainda a contaminação por via não invasiva, como esse valor (10,5%) é quase o dobro da média europeia, 5,7%. O objetivo da Gulbenkian é colocar o país ao lado dos outros. O desafio é um dos três que lançou em 2014, no relatório ‘Um futuro para a Saúde’.

O projeto, com o Ministério da Saúde e o Institute for Healthcare Improvement (EUA), elegeu 12 hospitais. Vão ter três anos e 100 mil euros para cumprir o objetivo. “Considerámos critérios técnico-científicos e motivacionais”, explica Jorge Soares, diretor do Programa Gulbenkian ‘Inovar em Saúde’. Em causa estão quatro infeções por procedimentos invasivos e os serviços de cuidados intensivos, cirurgia geral ou a ortopedia e a medicina interna.

O acompanhamento será como no futebol: “Se os hospitais não cumprirem etapas, terão um cartão amarelo e serão expulsos com dois.” E as 12 instituições eleitas vão ter de começar já a trabalhar. “Nos primeiros seis meses vamos estabelecer a linha de base e depois a monitorização será muito apertada, com relatórios que podem ser semanais. Queremos mudar a cultura e incorporar a ideia de que a qualidade é um motor de mudança”, afirma Jorge Soares.

A exigência do desafio lançado pela Gulbenkian, com assinatura esta terça-feira, não intimida quem vai ter de zelar pela ‘limpeza’. “No contexto atual de escassez de recursos, é uma grande responsabilidade, mas queremos assumir o compromisso de melhorar a qualidade dos cuidados”, garante Margarida da Silveira, presidente da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, a única eleita a sul do Tejo.

A gestora confessa que há dificuldades, sendo a maior de todas “envolver as chefias intermédias”. Na prática, “as visitas aos serviços são, por vezes, mal entendidas como tendo um caráter inspetivo”.

Matosinhos na liderança

A norte, na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, também há entraves, mas de outro género. A instituição obteve a nota máxima na escolha da Gulbenkian e tem sido pioneira em vários campos da prevenção e controlo da infeção, no entanto, precisa de verbas para avançar ainda mais.

“Somos a única unidade hospitalar pública portuguesa com um programa de controlo para a MSRA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) há oito anos e a reduzir o número destas bactérias e os casos de infeção”, revela a coordenadora da Comissão de Controlo de Infeção e de Resistência aos Antimicrobianos, Isabel Neves. A médica diz que até “na higienização das mãos (com dados nacionais aquém do desejado) a adesão é acima da média”.

Com tanto sucesso, as dificuldades ali são muito particulares. “Queremos desenvolver um software que integre todos os dados em tempo real, aumentar o rastreio ativo a doentes e aos vizinhos de quarto e melhorar a higiene das superfícies com recurso a um aparelho inovador”, por exemplo. A ‘máquina’ já testada, mostrou que “o parece limpo aos nossos olhos muitas vezes não está”.

No próximo dia 5 celebra-se o Dia Mundial da Higiene das Mãos. Portugal é um dos países que não esquecerá a data. Será mais uma oportunidade para recordar as razões pelas quais a infeção se propaga pelo Serviço Nacional de Saúde.

As razões são várias. “Ausência de visão holística dos dados, incapacidade de passar de ‘medir’ para ‘intervir’, falta de sinergias, escassez de pessoas a trabalhar na área e défice de pedagogia desde os níveis básicos da clínica”, enumera José Artur Paiva, diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos.

RE

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