Nas minas de sal-gema em Loulé é possível viajar no tempo

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A Mina da Sal-gema de Loulé é a única Mina portuguesa visitável (e no ativo) que se encontra a 30 metros abaixo do nível médio das águas do mar. Até chegarmos às galerias da Mina, descemos 230 metros através de um elevador (que pouco se assemelha aos que estamos habituados a usar nos edifícios). Lá em baixo, encontrámos formações geológicas com 230 milhões de anos, uma piscina (sim, leu bem), mas também serenidade, silêncio, beleza natural e sal. Muito sal

Uma montanha de sal

Antes da viagem começar, os visitantes equipam-se com coletes refletores e capacetes de mineiro. Afinal, a segurança está em primeiro lugar. É no Poço 1, onde se localiza o principal elevador da Mina, que começa a aventura. É também naquele espaço que se encontra um altar com a figura de Santa Bárbara, padroeira dos mineiros e que com a sua presença abençoa o local e os homens que ali trabalham.


A entrada para o elevador é um misto de emoções. Adrenalina, medo, curiosidade e a sensação de se fazer algo pela primeira vez estiveram lá. A descida faz-se na escuridão, pautada por rasgos de luz das lanternas que cada visitante transporta nos capacetes. São precisos cerca de quatro minutos até atingir os 230 metros de profundidade – o equivalente a 75 andares de um arranha-céus. Assim que o elevador chega ao Nível 1 (onde atualmente é feita a extração do sal) parece que recuámos no tempo. Há a sensação de aterrar noutra dimensão, num labirinto, num cenário cinematográfico ou pelo menos noutro momento dos primórdios da Terra.


Questionámos de imediato a origem do som que ecoa nas galerias. Não se tratava de um hipotético “som do interior da terra”, mas sim do sistema de ventilação artificial da Mina, essencial para a purificar do ar viciado. No início da visita fomos alertados para uma realidade: Caso os dois elevadores existentes na Mina deixem de funcionar, a “opção B” será um escadote de madeira, através do qual se pode demorar cerca de 45 minutos até voltar a ver a luz do dia. Curiosamente, os alertas e as indicações ainda estimulam mais a curiosidade dos visitantes, que acabam a visita de sorriso nos lábios e com um brilho no olhar.


Dispostos em linha reta, os dois níveis (ou “andares”) até agora identificados na Mina de Sal-gema de Loulé somam mais de 45 quilómetros de galerias subterrâneas, onde existe uma quantidade de sal estimada para ser objeto de 3000 a 5000 anos de exploração, imagine-se.

Depois de ser triturado, o sal é transportado pelo tapete rolante até ao poço 2

Fragmentação da Pangeia justifica a existência de sal-gema em Loulé


Para onde quer que se olhe durante a visita de duas horas e ao longo do percurso de 1,3 quilómetros, tudo é sal. As paredes, o chão e até os tetos da Mina são constituídos por sal. A presença destes sais e de outros minerais nesta localização resulta da evaporação de água salgada em ambientes marinhos quentes e pouco profundos que se formaram durante o início da Deriva Continental, associado à fragmentação da Pangeia e posterior abertura do Oceano Atlântico, tal como foi explicado na visita. Ou seja, sabe-se que há milhões de anos atrás, onde hoje se localiza a Mina, existia um mar – o Mar de Tétis. Durante este período de fragmentação, depositaram-se ali sequências de sal-gema (sal em rocha), cloreto de potássio, sulfato de cálcio, mas também argila, magnésio, ferro, material vulcano-sedimentar e gesso (um dos limites da exploração mineira).


Posteriormente, a pressão exercida sobre as camadas de sal pelas rochas carbonatadas que se depositaram, bem como as movimentações tectónicas, levaram a uma lenta deslocação do sal em direção à superfície, o que levou à formação de domos de sal no meio das rochas. A estes domos dá-se o nome de diápiro (corpo de massa rochosa e sólida) e é graças à existência de um desses diápiros de sal por baixo da cidade de Loulé que a Mina “está de pé”. Dada a sua constituição rochosa e simultaneamente elástica, em caso de sismo, a Mina é um dos locais mais seguros para se estar, isto porque pela firmeza, as paredes de sal absorvem ondas sísmicas de grande magnitude. Na Mina não existem proteções no terreno. O risco de derrocada é quase nulo e não há o perigo de libertação de gases. Nesta Mina, o sal suporta-se a si próprio, o que justifica a não ocorrência de acidentes.

Alexandre Andrade, engenheiro geólogo

Sal foi descoberto por agricultores locais


A Mina de Loulé localiza-se por cima de uma zona de campina e de terrenos agrícolas. Antes de 1964, data da ativação da Mina, o Algarve atravessava um período de seca, o que levou os proprietários das terras circundantes a afunilar os furos na esperança da descoberta de água. A água estava lá, mas os agricultores ficaram intrigados pelo facto de encontrarem água salobra. À medida que perfuravam o solo, a água vinha cada vez mais salgada – um mistério que fez com que os moradores chamassem especialistas e geólogos que atingiram os 100 metros de profundidade, momento em que se viu sal pela primeira vez na Campina. Foram os Serviços Geológicos de Portugal (instituição que funcionou de 1918 a 1993) que fizeram a prospeção do terreno.

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Foi Pereira Júnior, natural do Barranco do Velho, o primeiro grande investidor, intitulado até hoje como “o Pai da Mina”. Os poços e os acessos são os alicerces de qualquer Mina, tal como explicou Alexandre Andrade, engenheiro geólogo formado na Universidade de Coimbra e diretor técnico da Mina. Para Alexandra Andrade, é importante destacar que “os poços e os acessos da Mina estão muitos bem construídos e isso deve-se à equipa de mineiros que veio da Mina da São Domingos , que encerrou na altura em que Loulé abriu portas à atividade mineira. “Sem eles a Mina não teria tido tão bom começo”, prestando homenagem aos 130 mineiros que “construíram à mão o futuro da Mina”.

Turismo e Saúde são as principais áreas de negócio


Entre 1972 e 2005, sob alçada do Grupo José de Mello (CUF, S.A.), o sal extraído da Mina era utilizado no setor da indústria química, para a produção de lixívias e afins. A partir de 2005, a exploração para a indústria química parou e a CUF desafiou Alexandre Andrade a encontrar novas áreas de negócio. Hoje, a Segurança Rodoviária (sal para evitar o congelamento das estradas em períodos de neve) e a Alimentação Animal (sal para rações e blocos alimentares) são as principais áreas de negócio da Mina. O sal extraído da Mina não vai para consumo humano, uma vez que necessita de tratamento industrial prévio, processo que não é realizado na Mina. O período áureo das exportações de sal-gema foi entre os anos 80 e 90, com a extração a chegar às 115 mil toneladas anuais com destino à Alemanha, França e Reino Unido. Hoje, saem até 15 mil toneladas por ano e é o mercado nacional que assume a maior fatia das receitas. Para além dos atuais modelos de negócio, o Turismo e a Saúde Respiratória são as apostas “mais fortes para o futuro da Mina”, adiantou o diretor técnico. O Turismo pela vontade de dar a conhecer às pessoas “aquilo que não se vê todos os dias – o interior da terra” e a Saúde Respiratória pelas propriedades medicinais e pelos benefícios não do sal-gema em si, mas do pó que se origina para o tratamento da asma.

Galeria de exposições e concertos

Projetos futuros e “ideias fora da caixa”


No futuro, a modernização da Mina, a construção de uma nova torre de extração (de onde é retirado sal para a superfície, no Poço 2) e a amplificação da capacidade (e velocidade) do elevador do Poço 1 são projetos em cima da mesa. Antes da crise de 2008, estava projetada a construção de um hotel no interior da minha, com vista à expansão do setor da Saúde Respiratória, projeto que acabou por ficar “na gaveta”, nas palavras de Alexandre Andrade, assim como a inclusão de uma restaurante no interior e no exterior da Mina.


Uma atmosfera com apenas 4% de humidade, uma temperatura de 23 graus ao longo de todo o ano, a existência de luz solar e fortaleza da matéria-prima permite à Mina ser uma espécie de armazém “à prova de tudo”. Vinhos, arquivos, obras de arte e outras peças oficiais podem ser conversadas a 230 metros de profundidade e por isso mesmo o Arquivismo (storage) esteve para ser uma das ramificações do negócio. Mais uma vez, a crise inviabilizou a parceria com uma empresa norte-americana para a conservação de arquivos cinematográficos, projeto que rondava os 20 milhões de euros.


Ainda na vertente cultural, pela sua acústica singular e pela inexistência de interferências ou ruídos, quando os trabalho de extração estão parados, a Mina tem sido adaptada para receber concertos, sessões de cinema, exposições e outros eventos culturais, que continuarão a fazer parte da génese multifacetada deste espaço.


Inserida no futuro Geoparque Algarvensis, com os concelhos de Loulé, Albufeira e Silves, a Mina de Loulé é também uma das âncoras do projeto, o que pode ser “sinónimo de mais visitantes e o acionar de mecanismos de investigação” na Mina. Enquanto membro da comissão técnica e consultor do projeto, Alexandre Andrade afirma que “tudo fará para que a sede do Geoparque seja na Mina”, garante.


A produção de salmoura, um produto natural e advém de um aquífero salgado é outra das áreas de negócio em estudo. A salmoura pode ser usada para controlar a água das piscinas salgadas, na lavagem de resinas de descalcificação ou como agente de degelo para estradas.


Outra das ambições da direção de Alexandre Andrade passa pelo lançamento de uma linha de pedras da sal “para serem utilizadas como prato, tal como as pedras graníticas que se encontram nos restaurantes” e que estão associadas ao típico “bife na pedra”. Na visão do geólogo, esta será uma forma de expandir o negócio para a área da restauração e gastronomia, garantindo-nos de que nesta dinâmica “o sal-gema intensifica os sabores dos alimentos de uma forma extraordinária”. Uma vez que a continuidade da concessão da TechSalt, a atual empresa que explora a Mina, será avaliada no final deste ano, o engenheiro aguarda “o parecer do Estado para desbravar estas e outras áreas de negócio”.


A concessão da Mina da Campina de Cima, também assim conhecida, foi vendida, em agosto de 2018, pelo grupo CUF à empresa TechSalt, S.A.. Como cofundador, Alexandre Andrade foi chamado para “abrir de novo a casa” e iniciar uma nova era em 2019. À sua responsabilidade tem 13 pessoas a trabalhar consigo – dois mineiros, três técnicos (mecânicos e eletricistas), técnicos que “fazem superfície e fundo”, engenheiros, guias turísticos e pessoal administrativo. A Mina está aberta ao público desde outubro de 2019.


Questionado sobre os momentos mais marcantes à frente da Mina, Alexandre Andrade destacou que “todos os momentos altos estão relacionados com o trabalho de equipa e o espírito de união que são fundamentais neste setor”. É desde o primeiro dia que encara o trabalho na Mina com “amor, entusiasmo e dedicação”, o que o faz dizer, vezes sem conta, que a Mina “é um mundo por descobrir”. Todos os dias, antes de ir lá para baixo, Alexandre toma o seu café nas redondezas. Todos sabem que, a seguir, “vai ver Loulé por baixo”, uma expressão que o próprio cunhou e que anima os louletanos.


As visitas à Mina realizam-se de segunda a sexta-feira em quatro horários: 09h30, 11h00, 14h30 e 16h00. Os bilhetes para adultos custam 25 euros e para séniores (+65 anos) 20 euros. Residentes no concelho de Loulé e crianças (entre os seis anos e os 12) pagam 15 euros.

Joana Pinheiro Rodrigues

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1 COMENTÁRIO

  1. Sejam-me permitidas algumas reflexões adicionais a este excelente artigo, a propósito do sal, embora em sentido mais lato.
    Costuma dizer-se que o sal é prejudicial ao nosso corpo.
    Depende da quantidade que ingerimos.
    Na verdade, o sal é indispensável ao nosso organismo, porém, na quantidade certa.
    Essa necessidade radica no facto de a nossa ancestral origem, na linha de evolução de muitíssimos milhões de anos ter sido o meio marinho, através de peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos.
    Tudo teve início quando, em determinada altura, por motivos que agora não interessa aduzir, os peixes se aventuraram na colonização da parte sólida do nosso planeta, ainda vazia de vida animal.

    Como todos sabemos, o teor de sal dos oceanos, com predominância para o cloreto de sódio, provém da escorrência dos rios, ao longo dos tempos geológicos, os quais carrearam para os mares ao sais dissolvidos das rochas.

    Como resultado da evaporação constante, sem a correspondente reposição de água perdida, existem alguns mares interiores, em que a água atingiu um grau de salinidade tão elevado que os corpos flutuam neles, como são os casos do Mar Morto e do Grande Lago Salgado, no Utah (EUA).

    A função do sal no nosso corpo é a de controlar o necessário teor de água nas nossas células, sem o qual o nosso organismo não conseguiria reter líquidos e as células perderiam o seu volume normal de água, necessária às suas funções normais.
    O sal, na quantidade ideal, permite que o corpo execute as suas funções harmoniosamente.
    É sintomático que, quando suamos em demasia e a concentração do sal aumenta, o corpo reage sinalizando-nos com a sede, “pedindo-nos” que bebamos, a fim de repor a diluição necessária.
    A situação contrária, isto é, o excesso de concentração de sal no corpo, é perigosa para o organismo, na medida em que provoca a retenção excessiva de líquidos no organismo, o que força demais os vasos sanguíneos, podendo levar a um aumento da pressão arterial.

    No final do Período Pérmico, os continentes convergiram para a formação do supercontinente Pangeia, cercado por um oceano global, o Pantalassa.
    Foi de um dos oceanos que compunham o Pantalassa, o Mar de Tétis, que resultaria o Mar Mediterrâneo, na parte noroeste daquele oceano.
    O Mar Mediterrâneo foi, ao longo dos tempos geológicos, teatro de mais do que um fechamento, com a correspondente separação do Oceano Atlântico, sendo que foi numas destas separações do Atlântico que o Mediterrâneo secou – devido a que é um mar interior e sujeito a intensa evaporação – e teve lugar, há cerca de seis milhões de anos, a formação das minas de sal gema de Loulé, naquilo que os geólogos chamam a “crise de salinidade Messiniana”.
    Alí existe mais de um milhão de quilómetros cúbicos de sal.

    No momento em que escrevo estas linhas, está a ocorrer a deriva para Norte da Placa Continental Africana contra a Placa Euro-asiática (sobre a qual onde assentam a Europa e Ásia), deriva de que irá resultar a diminuição da bacia do Mediterrâneo e novo fechamento, num tempo em que, garantidamente, nós, que hoje existimos, já cá não estaremos.
    Os Pirineus, os Alpes e outras formações rochosas, que se estendem até ao Irão, são efeitos de vários eventos tectónicos que ocorreram entre as duas placas, com a subducção da Placa Africana sob a Euro-asiática..

    O termo “gema”, que entra na expressão “sal gema”, é o lat. gemma, pedra preciosa, e tem a sua origem no tema “ge-“, de que resultou o gr. “geo-“, terra, elemento que integra muitas palavras, como geologia, geografia, geodesia e várias outras.

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