Nova associação de apoio à vítima aposta na rapidez

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As vítimas de violência doméstica do Algarve têm agora uma nova associação de apoio e uma alternativa mais rápida para ganharem uma nova vida. Na passada semana foi criada a associação “SOS Point – Ajudar Sem Julgar”. Além de salvar vidas, pretende criar centros de acolhimento temporário nas escolas primárias desativadas, uma iniciativa que tem tido algumas dificuldades de implementação na região

A associação foi criada na passada semana, mas já traz na bagagem muito trabalho realizado pela portimonense Sandra Lopes, que viveu 26 anos em Londres onde trabalhava na mesma área. A própria psicóloga algarvia já sofreu de violência doméstica e agora, quando recebe um pedido de ajuda, larga tudo e vai de encontro com a vítima, no mesmo instante.

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O tempo é essencial


“Se eu não largar tudo para ir ao encontro de quem me pede ajuda, quando chegar lá, amanhã, a vítima pode já não estar viva”, confessa Sandra ao JA, salientando que o tempo de reação e de ajuda neste tipo de situações “é essencial”.


Esta nova associação foi criada “para combater essas falhas” na rapidez dos processos, que em Portugal são muito demorados devido à “burocracia e ao processo a seguir”.


No entanto, Sandra, 49 anos, considera que “tem de haver uma equipa que atue imediatamente” e retire a vítima do sítio onde está, “porque depois se a deixam ficar, começa a pensar, a ganhar medo, muda de ideias e retira as queixas” feitas às autoridades, principalmente nos dias de hoje quando os casos de violência doméstica dispararam com o confinamento consequente da pandemia de covid-19.


“Se uma vítima começa a ver as coisas a funcionar rapidamente, enche-se de esperança. É uma vida nova onde não quer voltar atrás”, refere.


Uma vez que esteve no Reino Unido a trabalhar na mesma área, Sandra salienta que naquele país este tipo de processos “funcionam à velocidade da luz” e que este método, aplicado por si em Portugal, “tem resultado”.


Sandra é contactada diariamente por vítimas, que pedem auxílio através das redes sociais, por telefone, ou por conhecimentos em comum. No Facebook, a psicóloga gere um grupo restrito a mulheres há cerca de um ano, com cerca de 700 membros, onde trabalha situações de violência doméstica e por onde, muitas vezes, é contactada.

Sandra Lopes

Uma nova vida, de um dia para o outro


Quando Sandra Lopes recebe um pedido de ajuda, a primeira coisa que faz é dirigir-se imediatamente à vítima, no seu próprio carro. Com a vítima a aceitar mudar de vida e ser ajudada, dirige-se para a estação de comboios mais próxima.


No entanto, a primeira abordagem é muito importante: “Como sou psicóloga e vítima, sei muito bem o que dizer e fazer. Os estudos podem ensinar muita coisa, mas não há nada como a experiência e saber o que a vítima precisa de ouvir naquele momento”, salienta Sandra.


Até agora, não houve nenhuma vítima que tenha pedido ajuda a Sandra, que quisesse voltar atrás na sua decisão. “Não posso forçar as mulheres a saírem. Pergunto sempre se precisam de ajuda e se querem sair”, confessa ao JA.


Durante o tempo em que espera pelo comboio com a vítima, Sandra começa a usar os seus contactos e a preparar a nova vida da pessoa que está a ajudar. Contacta Câmaras Municipais, médicos e outras entidades, para que quando a vítima chegue ao seu novo destino, esteja lá alguém à sua espera, que a leve a um hospital, que lhe dê roupas e comida, um sítio para dormir e até uma oferta de trabalho. “Não as deixo sozinhas. Na primeira noite não se deixa uma mulher sozinha”, salienta, acrescentando ainda que as despesas são pagas através das quotas anuais dos sócios da associação.


Um dos exemplos que dá foi de uma vítima que, em apenas uma semana, mudou de cidade, “já assinou contrato e começou a trabalhar”, além de já estar registada no centro de saúde da localidade. “É tudo muito rápido”, disse Sandra ao JA.


Esta rápida evolução e mudança de vida das vítimas tem preenchido as falhas de outras associações, segundo Sandra, pois existem entidades que “estão sempre fechadas ou não atendem”, o que faz com que, muitas das vezes, a queixa acabe por ser retirada “por medo e represálias”.


No entanto, “não se pode fechar uma porta a uma vítima só porque tirou uma queixa por medo”, defende Sandra Lopes.
Mas o trabalho de Sandra não acaba quando a vítima entra no comboio. Apesar de muitas vezes as autarquias que apoiam as vítimas que acolheram no seu concelho oferecerem acompanhamento psicológico, as mesmas preferem continuar com Sandra, à distância, através da internet.


“Como foi uma vida toda com um sistema a falhar e fui eu que resolvi a vida delas, sentem-se mais confortáveis a falar comigo”, revela Sandra ao JA.

O futuro da associação


Para os próximos tempos, Sandra Lopes pretende apostar na sensibilização do assunto da violência doméstica, com foco nas escolas, pois “a violência começa no namoro”.


Devido à pandemia de covid-19 estas ideias estão agora suspensas, mas poderá haver a possibilidade de um dia vir a organizar palestras, além de estar a tentar criar duas linhas telefónicas que ficarão disponíveis 24 horas por dia.


Outros dos objetivos para o futuro da associação é dar formação, uma vez que “há mulheres que passaram a vida inteira na situação de violência doméstica e nunca trabalharam” e assim teriam “mais autonomia” e mais possibilidades de entrar no mercado de trabalho.


Quem quiser contactar a associação pode fazê-lo através do endereço eletrónico [email protected], do telemóvel 916 116 475 ou da página de facebook disponivel em www.facebook.com/sospoint2019/.

Transformar escolas abandonadas em centros de acolhimento

Um dos grandes objetivos da nova associação de Sandra é a transformação de escolas abandonadas ou desativadas em centros de acolhimento temporário.


Esses centros iriam servir para as vítimas pernoitarem, antes de mudarem a sua vida para outra zona do país, tal como iriam acolher vítimas oriundas de outros pontos do território nacional.


No entanto, as Câmaras Municipais algarvias recusam disponibilizar esses espaços, segundo Sandra Lopes, “sem qualquer justificação”.


“Em Portimão, andei à procura e pedi apoio durante quase um ano. Nem um gabinete me disponibilizaram e tive de alugar uma loja, pagando do meu próprio bolso, onde atendia as vítimas de violência”, algumas delas crianças, refere Sandra ao JA.
Nestes centros de acolhimento, as vítimas poderiam permanecer “o tempo que for necessário, até que elas se organizem” e com um refeitório “a funcionar para todo o tipo de vítimas”.


O espaço teria ainda uma creche, “porque há mulheres que não vão trabalhar porque não têm com quem deixar os filhos”.
A dificuldade de encontrar apoios na região do Algarve, fez com que Sandra Lopes criasse a associação e a sede fora do distrito, com uma delegação em Portimão.


Na sua delegação, tem duas salas e uma casa de banho e pretende, no futuro, adaptar o espaço para que possa acolher vítimas, enquanto o seu objetivo de transformar escolas em centros de acolhimento não se concretiza.

Gonçalo Dourado

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