O Algarve eternamente doente

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O presidente do CHA defende “uma redistribuição de médicos de forma racional”

A região tem doentes a mais ou médicos a menos? A resposta é fácil: há muitos anos que os números apontam claramente para uma carência de profissionais de saúde no Algarve. Agora, o Governo anuncia incentivos financeiros para fixar médicos em zonas carenciadas, mas serão suficientes? Em declarações esta semana ao JA, o presidente do Centro Hospitalar do Algarve (CHA) fala de uma “medida positiva”, mas não garante o fim de todos os problemas na região. “É obrigatória uma reforma global que imponha uma discriminação positiva e racionalize os recursos”, defende Pedro Nunes

 

Acabar com falta de médicos no Algarve levará anos. Quem o reconhece é o próprio Ministério da Saúde, admitindo a existência de um “problema crónico” na região.

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“A carência de recursos humanos, em particular médicos, é transversal a toda a região do Algarve”, sublinhou o ministro Paulo Macedo, no ano passado, durante uma visita à região. Na altura, o governante adiantou que estava a estudar soluções para esta situação, que se arrasta há longos anos, assim como a insatisfação e a revolta dos utentes e dos profissionais de saúde.

Um ano depois, os incentivos a médicos para trabalhar em zonas carenciadas de clínicos vão concretizar-se em breve, depois da publicação na semana passada do decreto-lei que faz avançar a medida.

Estes incentivos, que não existem em nenhum outro setor da função pública, já estavam previstos no Orçamento do Estado para 2015, sendo que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) acredita que a medida vá beneficiar cerca de 100 médicos.

“Um valor que pode fazer alguma diferença”

O incentivo financeiro é de mil euros mensais, extra-salário. Seis meses após a colocação, o médico passa a receber metade desse valor (500 euros).

“Sendo que um médico em início de carreira ganha 2.700 euros mensais, trata-se de um incentivo que vai ajudar os profissionais de saúde a deslocarem-se para o Algarve, pois trata-se de um valor que poderá fazer alguma diferença no pagamento da renda da casa ou noutras despesas”, salienta o presidente do conselho de administração do CHA, Pedro Nunes.

Ao incentivo financeiro somam-se outras regalias, como a transferência da escola dos filhos e facilidades na colocação de emprego para o cônjuge. Além disso, os médicos têm direito a um abono por compensação das despesas que resultam da sua deslocação e do seu agregado familiar. Os incentivos também são atribuídos aos médicos com casa própria nas zonas do interior identificadas.

Em declarações esta semana ao JA, o responsável pelo centro hospitalar algarvio considera “razoável” esta proposta do Ministério da Saúde e diz que se trata de “uma medida positiva”, mas “vamos ver se é suficiente”.

Pedro Nunes lembra que a deslocação de profissionais de saúde para o Algarve depende de muitos fatores, “logo a começar pelo facto de os médicos serem seres humanos e, como tal, também têm a aspiração de fazer uma boa carreira profissional, associada a vantagens económicas”.

Além disso, o presidente do CHA sublinha que “é sempre complicado deslocarem-se para outras zonas do país sem as suas famílias”.

Falta de empregos para além do turismo e saúde

Mas, afinal, porque é tão difícil atrair médicos para o Algarve? Segundo Pedro Nunes, um dos principais motivos está na falta de empregos na região para além das áreas do turismo e da saúde.

“Lisboa, Porto ou Coimbra têm mais oportunidades de emprego do que uma região periférica como o Algarve, onde não há empregos para além das áreas do turismo e da saúde. Ou seja, os familiares dos médicos têm sempre grandes dificuldades em encontrar emprego nas zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos e isso conta como um forte fator de desmotivação para muitos profissionais de saúde”, explica.

Por isso, o presidente do conselho de administração do CHA considera que “tem de haver discriminação positiva para que os médicos optem por sair das grandes cidades e escolher regiões periféricas para trabalhar”.

Pedro Nunes sublinha que a falta de médicos no Algarve é um problema estrutural que vai demorar anos a resolver, até porque não há fórmulas mágicas num país endividado. “Não é possível pagar fortunas aos médicos, isso não faz sentido na conjuntura atual do país. Mas é necessário haver discriminação positiva, pois é a única forma de atrair médicos para zonas periféricas”, sustenta.

Próximo governo deve avançar com reforma global

Por outro lado, continua, “os doentes também não podem fazer 300 quilómetros ou demorar mais de uma hora e meia para serem tratados”, pelo que, seja qual for o próximo Governo, “será obrigatório avançar com uma reforma global no país e racionalizar os recursos para colocar mais médicos nas regiões periféricas”.

Atualmente, segundo contas da própria ARS Algarve, faltam cerca de 300 médicos na região, sendo que uma das especialidades mais afetadas é a anestesia.

“Só a cidade de Coimbra tem mais de 100 anestesistas, enquanto no Algarve temos 19 para os dois hospitais da região”, revela ao JA o presidente do centro hospitalar algarvio.

As carências nos hospitais algarvios também se fazem sentir ao nível de outras especialidades. Nos concursos abertos, invariavelmente há vagas que ficam por preencher, nomeadamente nas áreas da pediatria, obstetrícia e ginecologia.

Para Pedro Nunes, é absolutamente urgente “uma redistribuição de médicos de forma racional” para que todos os portugueses tenham acesso igual aos serviços hospitalares. “E o Algarve é uma região que tem de ser beneficiada com mais médicos e injeção de capital para novos investimentos na saúde”, acrescenta.

CHA preparado para fazer grandes investimentos

Por outro lado, o presidente do conselho de administração confirma ao nosso jornal que o CHA saiu de “uma falência técnica crónica” e que, neste momento, tem as contas equilibradas e as dívidas em atraso saldadas.

“Há três anos existiam dívidas a fornecedores na ordem dos 200 milhões de euros, mas essa situação foi totalmente resolvida, ou seja, foi tudo pago. Sem dívida, estamos agora preparados para fazer grandes investimentos, porque já estamos numa posição mais sólida e vamos pensar no futuro”, refere.

Pedro Nunes afirma ainda que os hospitais do Algarve são cada vez melhores sítios para trabalhar, quer em condições humanas, quer em termos técnicos. “No último ano foi realizado um investimento significativo em equipamentos de ponta, o que torna as unidades hospitalares da região mais aliciantes para os profissionais de saúde”, salienta o responsável, adiantando que este investimento incide praticamente sobre todas as especialidades.

“Problema com chefes de urgência está ultrapassado”

O administrador do Centro Hospitalar do Algarve (CHA) garantiu ainda esta semana ao JA que o problema com os 17 chefes de urgência já foi ultrapassado.

Em causa estava o novo regulamento dos serviços que transfere para os coordenadores de enfermagem a competência de transferência de doentes e validação de ambulâncias. O texto não agradou aos médicos.

Em declarações esta semana ao JA, Pedro Nunes fala de um “erro de interpretação” por parte dos clínicos.

“Tinha todo o gosto de ter resolvido este assunto mais cedo, mas os chefes de urgência trataram de tudo através do sindicato. Entretanto, já esclareci tudo com o sindicato e ficou tudo clarificado”, afirma, frisando que tudo não passou de “um mal-entendido na interpretação do regulamento sobre a gestão das ambulâncias”.

“Se os médicos entendem que para eles é muito importante e relevante serem eles a fazer a autorização das ambulâncias, a administração tem todo o gosto em ir ao encontro do que eles desejam”, garante.

Pedro Nunes explica que a medida pretendia retirar trabalho aos chefes de urgências que fazem horários mais prolongados do que os coordenadores de enfermagem.

Nuno Couto/JA

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