Após três anos e meio, o Brexit foi finalmente oficializado a 31 de janeiro 2020. Esta medida, vista por alguns, inclusive por mim como sendo nacionalista, foi tomada pelo Reino Unido, com o objetivo de proteger a sua economia, apesar das variadas advertências por parte do FMI e da OCDE de que o crescimento económico do país seria prejudicado.
Boris Johnson foi um dos grandes defensores do Brexit, focou-se na defesa da soberania do seu país, na imigração, na saúde e na melhoria do sistema económico. Prometeu um maior investimento na saúde, bem como uma melhoria dos direitos dos trabalhadores.
Foi sendo incutido na população o medo da continuidade do crescimento da imigração e do seu impacto na sociedade, não só na atualidade, como nos próximos 20 anos. Foi também incutida a defesa da soberania do Reino Unido face à União Europeia, sendo reforçada a ideia de que o Reino Unido e a União Europeia nunca tiveram uma relação fácil, esta ambivalência transformou-se em hostilidade. A população ficou dividida; a mais idosa que apenas tinha apoiado a entrada do país por razões económicas, e a geração mais jovem, mais apologista da união entre países.
No referendo de 2016 a população britânica tomou a sua decisão e, como consequência, o Reino Unido saiu da União Europeia. E agora colocam-se algumas questões: será que as promessas de Boris Johnson serão cumpridas? Será que um Reino Unido divorciado e livre para outras relações comerciais conseguirá seduzir outros países? A União Europeia será mais prejudicada nesta separação? Quais os seus efeitos colaterais? Ora bem, uma coisa é certa, o impacto foi grande. O Brexit retira o país do mercado único, o que se traduziu no fim da livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais entre o Reino Unido e a União Europeia. A partir de agora formam-se dois mercados separados e dois espaços distintos, tendo em conta que as importações e exportações estão sujeitas a formalidades aduaneiras.
É evidente que terá de ser preenchido o vazio deixado pelo Reino Unido, um dos maiores contribuintes da União Europeia, seja no orçamento comunitário, nos projetos de defesa, na City de Londres – centro financeiro da Europa, ou nos programas da ciência e educação, com Universidades de topo no mundo. Nos dias de hoje, um dos pontos mais discutidos é o fim do programa Erasmus. O fim da aplicação deste programa, apenas no Reino Unido, originou devastadoras consequências para a comunidade estudantil, que certamente dificultará o acesso dos jovens europeus nos tão almejados cursos oferecidos naquele país.
Na tentativa de minimizar este problema, o governo britânico já anunciou a criação de um novo programa estudantil alternativo. o Turing, em homenagem ao matemático Alan Turing, que aliás é a nova face da nota de 50 libras, desde 2019. Mas será que este novo programa, ainda a ser delineado, será tão atrativo para os estudantes, como o programa ERAMUS? Só o futuro dirá.
Por outro lado, considero que será muito importante existir uma atenção especial no que diz respeito às exportações e importações, sendo este um dos mercados mais relevantes. O mundo empresarial global não está desenhado para um mundo geopolítico de nacionalismos e protecionismos, que aqui e ali começam a surgir. E o reflexo do aumento dos custos entre o Reino Unido e a União Europeia já se faz sentir, e podemos citar, como exemplo, as duas das maiores transportadoras em Portugal, a DPD e a DHL, que passaram a cobrar uma taxa de cinco euros para aquele destino, desde o início de 2021, para compensar os custos alfandegários.
Verificamos com os dados fornecidos pelo ONS (Office for National Statistics) que as exportações globais para a União Europeia perderam 6.500 milhões de euros do seu valor, tendo o setor automóvel sido particularmente atingido. As exportações de produtos britânicos para a União Europeia caíram 40,7% em janeiro, face a dezembro de 2020, devido ao fim do período de transição, segundo o gabinete de estatísticas nacionais britânico.
Se voltarmos o nosso olhar para a rota migratória de Portugal para o Reino Unido, esta quase triplicou no quarto trimestre de 2020, antes do fim do prazo para garantir o direito de residência pós-Brexit. Isto demonstra que, independentemente do país pertencer ou não à União Europeia, a população acredita que a oferta de emprego e a qualidade de vida será melhor naquele país.
Relativamente ao fim da livre circulação de pessoas dentro da Europa, os cidadãos da União poderão viajar sem visto, o que demonstra a continuação da aliança entre o Reino Unido e a União Europeia mas, sem dúvida, num âmbito muito menor. No entanto para estas viagens sem visto são impostas condições, como estadias curtas ou visitas com a duração de seis meses. Já quanto aos turistas que pretendam viajar para o Reino Unido terão de passar pelos controles de imigração, sendo suprimida a fila rápida reservada aos cidadãos da União Europeia e do Espaço Económico Europeu (Islândia, Liechtenstein e Noruega e Suíça), o que poderá aumentar a espera nas suas fronteiras. Atualmente é necessário um visto para trabalhar no Reino Unido, porém os cidadãos que já viviam no Reino Unido antes do fim de 2020 têm, a partida, os seus direitos garantidos, necessitando apenas formalizar o seu estatuto de residência, mas que tem se mostrado um caminho muito burocrático e que poderá prejudicar muitos cidadãos europeus.
Contudo, o Brexit também poderá trazer alguns benefícios aos Estados-Membros da União Europeia, uma vez que tem sido constatada uma grande afluência de entidades financeiras e de empresas sediadas no Reino Unido para o lado de cá do Canal da Mancha, o que aumentará a oferta de emprego e atrairá mais empresas aos países da União Europeia.
É fundamental nunca olvidarmos que hoje vivemos o período mais longo de paz na Europa e não resta dúvidas de que o projeto europeu foi um dos alicerces desta fortaleza. O Brexit, abriu uma fissura nesta construção, com consequências políticas, económicas e sociais ainda por serem avaliadas pelos peritos da história. Esperemos que seja este um facto isolado e que possa ser reparado de maneira cirúrgica, sem maiores danos para os seus pilares, e os tijolos, que foram sendo colocados com tanto suor, ousadia e coragem, pelos designers deste projeto, há mais de setenta anos, comemorados no dia 9 de maio, continuem assentes na paz e na união, tão almejados pelos pais da Europa!
Margarida Silva