O concelho de Vila Real de Santo António como nunca o viu

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Vista de Vila Real de Santo António desde o alto do farol

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Das curas de Santa Rita à construção da cidade iluminista, entre a fé e o racional, com passagem por Cacela Velha, terra de poetas e da Ria Formosa, pela vila turística de Monte Gordo e, ainda, com uma subida ao farol de Vila Real de Santo António para ter uma visão da cidade e do Guadiana a 46 metros de altura

DOMINGOS VIEGAS

Um local perfeito para iniciar uma visita ao concelho de Vila Real de Santo António pode ser a freguesia de Vila Nova de Cacela, a única do município que abrange as três unidades territoriais do Algarve: o litoral, o barrocal e a serra.

E foi precisamente a meio caminho entre o litoral e a serra, na zona do barrocal, que começou a ‘fam trip’ (visita de familiarização) organizada recentemente pela Região de Turismo do Algarve (RTA) e que pretendeu mostrar a jornalistas e operadores turísticos alguns dos “segredos” do concelho de Vila Real de Santo António. Esta foi a penúltima visita realizada no âmbito do projeto “Redescobrir os Segredos do Algarve”, iniciativa da RTA que começou em 2013 e já passou por 15 municípios (falta apenas Portimão).

Santa Rita: antiga terra de cal, olaria e curandeiras

Santa Rita é uma dessas pequenas localidades que ainda preserva muitas características de outros tempos. A sua população esteve sempre ligada às atividades tradicionais (muitas delas já desaparecidas).

A produção de cal e a olaria são duas das atividades pelas quais a aldeia ainda hoje é lembrada. Ainda há dez antigos fornos de cal nas imediações do pequeno núcleo urbano, recordando os tempos em que a cal de Santa Rita era considerada a mais branca do Algarve e saia daqui para toda a região.

Casa em Santa Rita

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A olaria, que terminou há cerca de 50 anos, foi outra das atividades estruturantes e mais prósperas da aldeia. Os oleiros abasteciam-se no chamado Cerro dos Barros, de onde extraiam a matéria prima para elaborar as suas peças. A agricultura, esta ainda existente mas já sem o fulgor de outros tempos, e o corte de madeira eram outras duas atividades que marcaram a vida da aldeia ao longo dos anos.

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Quem visitar Santa Rita no mês de maio tem ainda o ‘bónus’ de poder apreciar os maios, uma tradição que começou a ser recuperada há um par de anos. A população elabora bonecos, em tamanho humano real, normalmente floridos, no caso das figuras femininas, e coloca-os junto à estrada acompanhados de quadras humorísticas.

O mês de maio traz ainda à memória as famosas curas de Santa Rita: Havia curandeiras que faziam “tratamentos” aos ouvidos e, nessa altura, as pessoas faziam acampamentos, acompanhados de festa, que se podiam prolongar durante vários dias. Vinha gente de todo o Algarve. Realizava-se, principalmente, em maio e coincidindo com as luas cheias.

Quanto ao património, e além dos antigos fornos de cal, a Ermida de Santa Rita (construída em 1740) no centro da aldeia, o antigo Santuário de Santa Rita ou o túmulo megalítico, atualmente em processo de conservação e que certifica a presença humana na zona desde tempos pré-históricos, são alguns dos locais a visitar. A estes, juntam-se algumas casas típicas, entre as quais a que acolhe a mercearia e o barbeiro.

Exposição de antigas profissões de Cacela, no CIIPC localizado em Santa Rita

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A sul da aldeia de Santa Rita, na antiga escola primária, localiza-se o Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela. Além do trabalho que ali se desenvolve (arqueologia, investigação, valorização e interpretação do património, educação…), há também algumas atividades para os visitantes, entre as quais exposições e oficinas de aprendizagem. Atualmente, está patente uma mostra de antigas profissões de Cacela (pastor, barbeiro, empalhador, caleiro, costureira, agricultor, entre outras), com objetos dessas atividades.

É também desta antiga escola primária que partem muitos dos passeios pedestres de interpretação da paisagem (“Passos Contados”) que se realizam uma vez por mês, desde a primavera até ao outono. Os restantes têm como ponto de partida Cacela Velha, o nosso segundo ponto de paragem.

Cacela Velha: Poesia e História com a Ria Formosa como pano de fundo

O entorno paisagístico de Cacela Velha, com a Ria Formosa e o Oceano Atlântico como pano de fundo, é um dos elementos de maior atratividade da povoação. Mas Cacela Velha tem muito mais, principalmente em termos de património e cultura. É outra das localidades do concelho de Vila Real de Santo António que, tal como Santa Rita, ainda mantém características urbanas antigas. Refira-se que o núcleo arquitetónico de Cacela Velha está considerado um dos mais importantes conjuntos patrimoniais do Algarve.

Curiosamente, a antiga fortaleza, reconstruída no século XVI no local do antigo Castelo de Cacela, e, posteriormente, na década de 1770 após o terramoto de 1755, continua a ter ainda funções militares, neste caso na área da segurança e fiscalização, já que é ali que estão instaladas as infraestruturas da Brigada Fiscal da GNR. Por esse motivo, o interior não está aberto ao público e os visitantes podem apenas apreciar o exterior das muralhas e a entrada.

Extremo nascente da Ria Formosa visto desde a fortaleza de Cacela Velha

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Outros dos pontos de interesse são os vestígios arqueológicos, a igreja matriz (edificada em 1518 sobre as ruínas da construção medieval e reconstruída em 1795, depois de terramoto de 1755) e o antigo cemitério islâmico.

O Centro de Informação da Casa do Pároco disponibiliza exposições, visitas acompanhadas a Cacela Velha e o “Walking Poetry”, um audio-guia que permite descobrir a história, o património e a herança literária. Este sistema, baseado nas novas tecnologias, funciona com um mapa e um leitor MP4, solicitados no centro de informação, para que o visitante pode fazer o percurso, ao seu ritmo, usufruindo do conhecimento transmitido pelos textos históricos e literários escolhidos, disponíveis em três línguas (português, castelhano e inglês).

Além dos pontos de interesse, o percurso detém-se sobre os poetas que escreveram sobre Cacela Velha ou aí viveram: Ibn Darraj, Abû al-‘Abdarî, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Teresa Rita Lopes ou Adolfo C. Gago.

Antes da partida rumo à zona mais oriental do concelho, uma última aproximação ao paredão de Cacela Velha para apreciar, do alto da arriba, o extremo nascente da Ria Formosa, a Praia da Fábrica, localizada na língua de areia e que já foi considerada, por algumas publicações dedicadas ao turismo, como uma das melhores do mundo, bem como, no lado oposto, a Praia da Manta Rota, provavelmente a segunda mais concorrida do concelho logo a seguir à de Monte Gordo.

Monte Gordo: Um centro turístico em mudança

Em Monte Gordo, o terceiro ponto de paragem desta visita, é imediatamente percetível a mudança que está a ser levada a cabo, principalmente, na zona da frente de mar.

O novo passadiço em madeira da praia de Monte Gordo

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Os antigos restaurantes foram demolidos e estão a dar lugar a novas estruturas colocadas no novo passadiço em madeira, inaugurado no último verão e que percorre todo o areal. As dunas estão a voltar ao seu local de origem, dando um ar mais natural à praia. Entre o passadiço e o mar, os concessionários já começaram a apostar em zonas de estar diferentes e, nalguns locais, os antigos toldos e sobrinhas em pano já estão a dar lugar a equipamentos mais atrativos e confortáveis.

Concessão de praia com novos equipamentos em Monte Gordo

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O calçadão e a zona de estacionamento também estão a mudar, com as obras de requalificação que ainda estão a decorrer e que se prolongarão durante mais alguns meses.

Com tudo isto “Monte Gordo passará a ter uma praia completamente nova e com mais qualidade, tanto para turistas como para residentes, a partir de 2019”, tal como explicou o vice-presidente da Câmara de VRSA, Luís Romão, ao ainda vice-presidente da RTA (tomará posse como presidente em agosto), João Fernandes.

VRSA: Os “segredos” da cidade iluminista

A última parte desta visita decorreu em Vila Real de Santo António e começou no farol, o único local de onde se pode ter uma vista completa da cidade e de quase toda a freguesia, bem como apreciar o rio Guadiana, a cidade de Ayamonte, na margem espanhola, a Mata Nacional das Dunas Litorais e até Monte Gordo e o castelo de Castro Marim, desde uma altura de 46 metros. Este farol, que entrou em funcionamento em 1923, continua a ter a função de ajudar a navegação, mas também é um dos pontos turísticos da cidade já que está aberto a visitas.

No centro da cidade, a zona pombalina é um dos grandes atrativos em termos culturais e patrimoniais. É aqui que se situa a “vila” original, construída de raiz entre 1774 e 1776, por vontade de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), ministro de D. José I, e projetada para ser a cidade ideal do iluminismo. Uma urbe funcional, pensada para o presente e para o futuro e que deve ser compreendida como um todo.

Praça Marquês de Pombal, em Vila Real de Santo António

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Além da geometria definida na sua construção (quarteirões retangulares, edifícios que seguem uma métrica rigorosa…), Vila Real de Santo António é também uma cidade carregada de simbolismos. A fachada, com a Alfândega (o primeiro edifício a ser construído) exatamente a meio, virada para o rio e para Espanha surgiu com uma mensagem de poder e de superioridade para a outra margem.

A Praça Real (hoje Praça Marquês de Pombal), além da sua centralidade funcional, é outro dos exemplos do simbolismo e de outra mensagem que se quis perpetuar. O “nascer” do Sol (a sua luz simboliza o conhecimento racional) acontece por cima da Casa da Câmara e os primeiros raios “beijam” a coroa de D. José I que se encontra no topo do obelisco. Uma configuração arquitetónica que sublinha a vinculação do espírito racional na governação dos homens.

Com uma composição quadrangular, a Praça acolhe a Casa da Câmara (o poder do Estado) e a igreja matriz (poder espiritual). Possui ainda quatro torreões, um em cada um dos seus cantos, circundando um espaço de poder com uma mensagem ideológica clara. No centro ergue-se o obelisco com elementos que postulam o poder do Estado: o foral e a coroa de D. José I, bem como a esfera armilar (símbolo do império). O obelisco representa o triunfo da clarividência e da razão do poder monárquico, ergue-se a uma altura de 50 palmos, coincide com a altura do lintel da janela da fachada da igreja e está sobre uma plataforma de 50 palmos. Posiciona-se no ponto exato de interceção dos quatro torreões e configura uma composição matemática e geometricamente perfeita e racional.

Vista aérea da Praça Marquês de Pombal, antiga Casa da Alfândega e porto de recreio

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Mas estes são, apenas, alguns exemplos da geometria e dos simbolismos que envolvem o centro da cidade. Atualmente, a câmara municipal proporciona visitas guiada por um especialista que podem ser solicitadas junto do posto de informação turística, localizado no edifício do Centro Cultural António Aleixo. Os mais curiosos podem, assim, ficar a conhecer muito mais sobre o fascinante período Iluminista, o “século das luzes”, altura em que foi construída Vila Real de Santo António, bem como outros “segredos” que envolveram a sua construção e que ainda hoje passam despercebidos à população em geral.

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