O “concelho-dormitório” ficou no passado

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 Jornal do Algarve – A sua vitória e a do PS em Lagoa, em outubro de 2013, pôs fim a um ciclo de 28 anos consecutivos de gestão do PSD. O que mudou em Lagoa desde então?
Francisco Martins – Estar 28 anos no poder provoca sempre uma certa acomodação e creio que isso já era notório na própria máquina da Câmara de Lagoa. O que mudou nestes anos foi sobretudo a mentalidade. Eu prefiro muito mais ir para a rua ouvir as pessoas do que fazer apenas uma gestão de gabinete. E tenho pena de não conseguir estar mais tempo na rua, porque é aí que nós vemos de facto quais são os problemas do nosso concelho. Por outro lado, a imagem de Lagoa também mudou muito nestes últimos anos, devido à grande aposta que a câmara municipal tem feito na promoção do concelho.

J.A. – Como assim? O que está diferente na imagem de Lagoa?
F.M. – Durante muito tempo, o concelho de Lagoa esteve associado a um dormitório dos concelhos vizinhos. Mas isso já é passado. Hoje em dia, Lagoa emancipou-se e está num caminho de modernização, com uma identidade muito mais vincada. Atualmente, já se fala de Lagoa de outra forma, das suas riquezas e potencialidades, e deixou de ser vista apenas como um dormitório, estando mesmo perto de ser uma referência em muitos aspetos. No que toca ao papel da câmara, isso deveu-se à nova maneira de gerir, mais descentralizadora, mas responsabilizando muito os técnicos. Por outro lado, em termos externos, temos vindo a promover o concelho e a afirmar o nome de Lagoa.

J.A. – A reformulação da oferta cultural também tem obtido resultados interessantes na promoção turística do concelho?
F.M. – Sem dúvida. Sempre disse que a cultura e a educação são os maiores investimentos que podemos fazer. A maior parte das vezes, as pessoas associam aos investimentos de uma autarquia apenas aquilo que é feito em betão e cimento. Mas os investimentos na cultura e educação são investimentos em capital humano, que são de valor incalculável. Nós apostámos muito forte na cultura porque tinha havido um desinvestimento nessa área. Mas fizemos tudo com cabeça, tronco e membros, ou seja, não enveredando em bailaricos e lançando novos eventos com muita qualidade. Atualmente, qualquer evento que se realize no concelho é bom e essa foi a nossa grande aposta. Por isso, Lagoa é hoje dos concelhos com maior dinâmica em termos culturais do Algarve. Temos uma oferta cultural invejável, que vai desde espetáculos de todo o tipo de música, passando por festivais e mercados temáticos.

J.A. – Entretanto, as eleições autárquicas de 2017 estão a chegar e é preciso começar desde já a definir quem serão os candidatos. O Francisco Martins vai ser candidato novamente a presidente da Câmara de Lagoa?
F.M. – A resposta – muito honestamente – é… não sei. Só em janeiro de 2017 é que deverei tomar essa decisão, depois de ponderar todos os fatores – familiares, pessoais e políticos. Na altura, quando apresentei-me como candidato à Câmara de Lagoa com a minha equipa, disse logo que era um projeto para três mandatos. Mas, independentemente de ser eu ou outro a cara da equipa nas próximas eleições, este projeto continua. Também estou à espera de saber qual é a recetividade do partido que me apoiou nas últimas eleições (PS). Tudo isto será resolvido até ao final do ano e depois tomarei uma decisão tranquilamente.

J.A. – No início do mandato, ficaram bem marcadas as suas cinco prioridades: recuperação económica do concelho, intervenção social, limpeza urbana, mobilidade urbana e a estratégia Lagoa 2030. Como faz o balanço do seu mandato?
F.M. – Esses foram, de facto, os cinco compromissos com que apresentei-me nas eleições. E fico bastante feliz por ter chegado ao final do primeiro ano de mandato com todas essas prioridades encaminhadas. Normalmente, diz-se que os políticos prometem e depois não cumprem mas, ao fim destes três anos, não defraudei aquilo que prometi às pessoas. A recuperação económica da autarquia é visível (a dívida passou dos 9 milhões para os 2 milhões de euros), houve diversificação de apoios na ação social (o último foi o apoio à natalidade), investimos 1,5 milhões de euros para reforçar a limpeza urbana (nos próximos três anos) e mais 1 milhão só este ano em ilhas ecológicas (o maior investimento de sempre da autarquia nesta área) e, em relação à mobilidade, todos os projetos e obras que foram ou estão a ser feitas favorecem esse caminho, existindo já um plano que define uma estratégia nesta área para todo o concelho. Por último, o plano estratégico Lagoa 2030, está apenas a aguardar o desfecho da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) e de outros planos de desenvolvimento. Mas posso adiantar que o plano estratégico para o concelho vai ser apresentado até ao final deste ano, provavelmente no próximo mês de outubro. Por isso, em termos de realização, estou de consciência tranquila.

J.A. – E o que é que ainda faz falta ao concelho?
F.M. – É continuar com esta linha. O que não podemos continuar a fazer é intervenções avulsas. Este primeiro mandato foi precisamente para pensar e estruturar o concelho. Nós só podemos investir pensando o concelho. Assim, para os próximos anos, a grande aposta é a mobilidade, a regeneração urbana e a continuação da promoção e afirmação do concelho, sempre tendo como eixo principal o turismo de qualidade. Não queremos turismo de massas em Lagoa, antes pelo contrário. Ou seja, o que falta a Lagoa é pôr em prática todos estes planos que estão a ser feitos agora. Uma coisa é certa: o próximo executivo tem o concelho pensado e tem muita obra para fazer, porque não vai ter de perder mais dois ou três anos a pensar o concelho.

francisco-martins-camara-lagoa-5-1J.A. – Qual é a obra pela qual gostava de ser recordado quando sair da presidência?
F.M. – É muito simples: há coisas mais importante do que as obras. É certo que nós somos eleitos para fazer obras, mas também há o lado do capital humano, do qual falei ainda há pouco. O que eu mais desejo no dia em que sair daqui é que os lagoenses fiquem com a mesma imagem de mim que tinham antes de eu assumir a presidência da câmara. A imagem de uma pessoa séria, acessível e dedicada. Mais do que uma obra, preferia que guardassem essa imagem de mim.

J.A. – Mas certamente que tem obras ou projetos na “manga”. Quais é que gostaria de destacar?
F.M. – Poderia falar de projetos de uma ponta à outra do concelho, mas posso realçar o plano de requalificação de toda a baixa de Ferragudo, que inclui dois parques de estacionamento – um dos maiores problemas daquela vila – e a requalificação de toda a zona envolvente do canal e da frente ribeirinha. Trata-se de um investimento de largos milhões de euros numa obra enorme, que não vai descaracterizar a imagem da vila, mas dar-lhe uma imagem mais acolhedora e simpática. Em Carvoeiro, também já está a ser feito um plano para resolver o problema do estacionamento, de que se fala há muitos anos. Já em Lagoa, a câmara ficou com o espaço e a organização da Fatacil, e estamos a fazer um plano de requalificação de todo o recinto, dando a Lagoa um parque urbano como merece. Também já está a ser feito um parque urbano em Porches, bem como a requalificação do jardim da Mexilhoeira da Carregação. São muitas obras, na ordem dos 10 a 15 milhões de euros.

J.A. – E quais são os outros problemas de Lagoa que gostava de ver resolvidos?
F.M. – A parte do abastecimento de água e esgotos. Sempre achei inqualificável que em pleno século XXI, num concelho turístico e pequeno, ainda existissem zonas sem abastecimento de água da rede pública. Este ano já vai ser feito o abastecimento de água à zona da Caramujeira e da Praia da Marinha, uma zona emblemática do turismo algarvio que ainda não tinha água. E vamos continuar com este investimento nas restantes zonas. Ao mesmo tempo, vai ser feito um enorme investimento na substituição da rede de água e esgotos, porque está obsoleta, velha e já tem ruturas por todo o lado. Esse é o tal trabalho que não se vê e muitas vezes os políticos não gostam, porque é “obra enterrada”, mas traz efetivamente muitos benefícios e qualidade de vida para as pessoas. Só da parte da rede de água e esgotos, estamos a falar de um investimento acima dos 15 milhões de euros.

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J.A. – A produção de vinhos com qualidade constitui uma das marcas do concelho de Lagoa, que este ano é a “Cidade do Vinho 2016”. O que representa para Lagoa esta distinção?
F.M. – Fizemos uma aposta enorme neste setor, como nunca tinha sido feita anteriormente, embora o vinho já se confunda com a história do concelho. Este ano, conquistámos o galardão de “Cidade do Vinho 2016”, logo na primeira vez que concorremos, num concurso onde estavam regiões com muito peso e nome neste setor, como o Dão, Douro e Alentejo. Assumimos com muita humildade, desde a primeira hora, que mais importante do que a promoção dos vinhos de Lagoa, era a promoção dos vinhos do Algarve. E acho que esse foi o nosso grande trunfo: assumir o papel de embaixador de uma região que já ombreia com as regiões mais fortes no setor do vinho. E o galardão é um sinal de que os nossos vinhos estão cada vez mais a afirmar-se, facto que também é comprovado pelos inúmeros prémios nacionais e internacionais que têm conquistado nos últimos tempos.

J.A. – Sendo assim, o que se pode esperar desta atividade no futuro? Que papel ainda pode ter para Lagoa?
F.M. – O concelho conta atualmente com quatro produtores, mas posso adiantar que já existem mais três a iniciar a atividade em Lagoa. Portanto, daqui a dois anos teremos oito a nove produtores no concelho, isto é, quase o triplo do que existia há três anos. Isto demonstra bem a aposta neste setor que tem sido feita nos últimos anos e também mostra que é um bom investimento, com retorno económico. Também há outro fator muito positivo, que é o facto de a concorrência entre os produtores ser sadia e estar a contribuir para aumentar a qualidade dos vinhos.

J.A. – Nos últimos 15 anos, Lagoa registou um dos maiores índices de desenvolvimento económico na região. Mas o desemprego, a baixa natalidade e o envelhecimento da população são desafios emergentes. Qual vai ser a intervenção da câmara perante estes problemas sociais?
F.M. – Temos feito um trabalho muito grande na área da ação social, não só na fase do tratamento desses problemas, mas também na fase da prevenção. Para a natalidade, por exemplo, criámos ainda recentemente incentivos para os jovens terem filhos e fixarem-se no concelho. Também baixámos o IMI para as famílias, abdicámos de parte das receitas do IRS e temos um programa de apoio ao arrendamento, sem falar do nosso trabalho de apoio às instituições de solidariedade social. Os desempregados também são acompanhados pelo gabinete de inserção profissional, onde se realizam muitas formações e colocações de funcionários em empresas locais. Ou seja, o nosso objetivo é contrariar esses problemas, apostando muito na fase da prevenção e não apenas na fase das respostas aos problemas que vão aparecendo. Só desta forma poderemos resolver definitivamente estes problemas, para que não se volte outra vez a falar da “subsidiodependência” eterna.

J.A. – Integra desde maio a comissão executiva do Turismo do Algarve. O ano turístico está a ser muito positivo, mas o problema é que o Algarve só está a “todo o gás” nos meses de julho e agosto. Isto vai mudar algum dia…?
F.M. – Acho que para isso é preciso pensar o Algarve como um todo, mas continuamos com uma visão muito fechada. Eu sou muito crítico nesse aspeto. Não devemos promover cada um dos concelhos isoladamente, mas sim toda a região. Ou seja, devemos promover os vários produtos – golfe, passeios pedestres, etc. – que são transversais a vários concelhos. Na altura das vacas gordas, os concelhos começaram a competir entre si para ver quem gastava mais e organizava os maiores eventos. Isso foi uma asneira tremenda. E eu pensava que essa mentalidade já tinha mudado, mas parece que ainda não, pois há muitas pessoas a pensar dessa forma. A prova disso é que existem eventos de grande dimensão a concorrerem uns com os outros, nas mesmas datas, muitas vezes a uma distância de cinco ou seis quilómetros. Todos ficamos a perder com isso. E enquanto houver essa visão redutora nós estamos a afundar o nosso concelho e a prejudicar a região no seu todo.

J.A. – A propósito de problemas que dizem respeito a toda a região, o que tem a dizer sobre a redução de 15% das portagens na Via do Infante e o estado da saúde no Algarve?
F.M. – Os descontos na Via do Infante foram apenas para a fotografia. Mas, mais do que este desconto ridículo, o que mais me chocou foi terem aparecido muitas pessoas com responsabilidade na região a congratularem-se com isso. Achei patético e fiquei perplexo. Por outro lado, na área da saúde é uma aflição. Os governos sabem que faltam médicos, enfermeiros e material, mas nada muda. Eu concluí o curso de enfermagem há 20 anos e hoje ouço falar das mesmas situações de que se falava na altura. É incrível, porque temos problemas muito sérios nesta área, que podem ter implicações graves na época alta, mas o Algarve também tem gente a viver o ano inteiro. Não é compreensível que uma pessoa torça um pé em Lagoa e tenha de ir para Faro fazer uma radiografia, porque não há um ortopedista aqui. Parece que o objetivo é que os privados substituam os serviços públicos de saúde. Ou seja, continuamos com os mesmos problemas…! É pena que o poder central não olhe para o Algarve com a especificidade que a região tem. Basta comparar a forma como se olha para o Algarve e para a Madeira, as duas maiores entradas de turistas e receitas no nosso país: há uma enorme diferença de tratamento. No Algarve, por falta de protagonistas, ou de força, ou de unidade, ainda não conseguimos fazer com que os sucessivos governos vejam que esta região é diferente e precisa de um tratamento diferente.

“Ainda não conseguimos fazer com que os sucessivos governos vejam que esta região precisa de um tratamento diferente”

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