O homem que denunciou os ricos depois de roubar um dos maiores bancos do mundo

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Suspeito de vender informação do banco suíço em que trabalhava, na cidade de Genebra, a instituições bancárias no Líbano, foi interrogado pela polícia um dia inteiro com promessa de continuação. Porém, no dia seguinte, Hervé Falciani saiu em liberdade. Isto passou-se em 2008. Em dezembro do ano passado, as autoridades suíças acusaram-no de violação do segredo bancário e espionagem industrial, pelo meio veio a público a chamada “Lagarde List”.

A lista de dois mil gregos fugitivos ao fisco que então a ex-ministra das Finanças francesa, mais tarde diretora do FMI, Christine Lagarde, entregou ao Governo da Grécia em 2010, quando a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional pressionavam o executivo grego, era uma parte ínfima de um enorme rol de suspeitos de evasão fiscal que as autoridades francesas tinham encontrado na residência local do engenheiro de sistema Hervé Falciani.

Moreno, de grossas sobrancelhas, um pouco franzino e com ar simpático, este engenheiro de sistemas de nacionalidade francesa e suíça sorri timidamente. Entre a entrevista dada ao jornal espanhol “eldiario.es” em 11 de junho de 2013 e a que deu passados sete meses à TV Sexta, há uma certa diferença: deixou de ter bigode e pera, e parece fortalecido no discurso, com outra atitude no traje, mais à-vontade com as câmaras, talvez porque na primeira fala sempre em espanhol, com alguma dificuldade na busca das palavras, e na segunda se expressa em francês, sua língua materna. Mas a sua narrativa é coerente.

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Com 43 anos feitos em janeiro, nascido no Mónaco, formado no parque tecnológico francês de Antibes, vive há uns anos em Espanha, entre a tristeza e a alegria: a “tristeza de estar afastado da mulher e da filha, por razões de segurança”, e a “alegria” de estar a ajudar a desmantelar um sistema financeiro opaco que prejudica cidadãos e países de todo o mundo. Teme pela vida, “um acidente era o melhor que me pode acontecer”, diz, irónico, para logo adiantar que está muito bem protegido, melhor do que alguns ministros.

Tudo começou com um telefonema, após uma recolha de informação entre 2006 e 2008. “Tenho isto e isto. Sou de um banco suíço e posso dar-lhes os dados. Depois logo veremos, se for provado, como me declaro, mas, para já, quero colaborar convosco sob anonimato. E que me responderam? Que não estavam autorizados a conceder-me o anonimato. Vi que isso colocava um grande problema. A Suíça nunca investigaria os seus bancos”, contou explicando que, depois disso, resolveu ir a Beirute “para chamar a atenção”.

A partir daí, tentou convencer França a investigar, mas o Governo “não estava interessado” e, tal como na Suíça, em Inglaterra não lhe deram saída – também ali havia na lista dos possíveis ‘evasores’ fiscais nomes sensíveis. Por isso, foi para Espanha, onde “os inspetores fiscais eram independentes e podiam usar qualquer informação”, deixando para trás o problema invocado por alguns meios policiais de que se tratava de prova roubada. Todavia, acabariam por usar a informação para recuperar dinheiro, não para punir eventuais crimes.

Passou, então, a ser conhecido como o funcionário do HSBC, onde trabalhou de 2001 a 2008, que se apropriara de milhares de contas de ‘evasores’ fiscais, e estava na origem, sem que tenha tomado a iniciativa, do primeiro caso a tornar-se público, em 2012, pela mão do jornalista grego Kostas Vaxevanis, na revista “Hot Doc”. Os nomes que vieram à tona não foram, nem são, embora Falciani integre a equipa de investigação, fornecidos pelo engenheiro, é o que garante: “Nunca me pus em contacto com entidades como o Wikileaks. Nunca divulguei ou pus em perigo o nome dos bancos, nem dos funcionários, nem dos clientes”.

Até este domingo, dia em que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação divulgou a análise a 60 mil ficheiros, o papel de Hervé Falciani no caso do desvio de informação do HSBC era pouco conhecido publicamente. No entanto, as autoridades de alguns países europeus conhecem-no bem. Foi, aliás, devido ao seu “desvio” de ficheiros que alguns governos conseguiram meter nos seus cofres verbas de fugas de impostos. Um dos casos é do banqueiro Emilio Botín, entretanto falecido, que se apressou a liquidar 200 milhões de euros. Outro é o do Estado inglês, que foi buscar 180 milhões de libras a ‘evasores’ fiscais.

Em junho de 2013, uma sua antiga colega e namorada chegou a acusá-lo de roubar informações bancárias para vender. Georgina Mikhael, na altura no Líbano, deu uma entrevista à revista norte-americana “Vanity Fair”, desancando no homem que lhe prometera divorciar-se para consigo começar uma nova vida em Beirute. “O mundo vê Falciani como um Robin Hood, mas eu asseguro que é um ladrão que roubou esses dados do banco, onde trabalhávamos, para os vender”, disse Mikhael, visivelmente aborrecida. “Percebo que não interessa contar esta versão da história porque muitos países, graças à sua informação, estão a conseguir recuperar grandes quantidades de dinheiro, mas a verdade é outra.”

Três anos antes, Georgina Mikhael já falara sobre o assunto ao “Parisien”. Não foi tão contundente nem disse, como à Vanity Fair, que “não queria nem vê-lo”, mas afirmou que não acreditava que Falciani tivesse entregado a lista ao fisco francês sem receber dinheiro em troca, uma vez que ele fora a Beirute com a intenção de vender a informação do HSBC, um dos maiores bancos privados do mundo. Foi no Líbano que acabaria por ser detido o ex-funcionário do departamento informático que é o “coração do banco” e cujo desenvolvimento tecnológico permite uma eficaz “adaptação às leis e às mudanças de país para país”.

Todavia, quem o observa e escuta nas entrevistas é levado a acreditar que, atualmente, pelo menos, será mais herói do que ladrão. Falciani afasta ambos os títulos: para si, trata-se de “seguir o coração”, de lutar contra um sistema financeiro que lesa pessoas, já que tem a certeza de que se pode vencer esta opacidade que leva os bancos privados a funcionar como se fossem “offshores”, quebrando todas as leis como se estas fossem elaboradas e aprovadas para todos, menos para os bancos e outras instituições financeiras.

Para Falciani, o importante é ir ao fundo da questão, matar o mal pela raiz. “Não resulta tirar determinado prevaricador do cargo, porque logo é substituído. É preciso entender que existe um mecanismo de intermediários e acabar com isso. Pegar pelo sítio certo não é difícil, é só decidir prioridades, decidir se é ou não prioritário controlar o sistema financeiro desde o seu país”, sustenta Falciani, lembrando que se a banca e afins atuam já em rede, tecnologicamente falando, as autoridades também deviam fazê-lo, independentemente da nação a que pertencem, em especial na Europa.

“Não posso parar sabendo que posso fazer algo mais”, diz Falciani, que está a colaborar com as autoridades de diversos países – o PSOE quer levá-lo ao Parlamento – e já despertou a atenção do novo partido espanhol. O Podemos convidou-o para trabalhar com eles, diretamente. Hervé Falciani aceitou e Luis Alegre, secretário do partido, classificou essa união de esforços como “a primeira pedra para lutar contra a evasão fiscal a que recorrem as elites de nossos países e defendermo-nos desta chaga que assola o conjunto dos países europeus”.

RE

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